O cenário da alimentação e da busca por informação vem mudando, mas ainda não há muito que comemorar quando se trata de clareza sobre os produtos que o consumidor leva para casa. Tudo porque o atual sistema de rotulagem brasileiro não é claro o suficiente.
“Pelo contrário, percebemos a cada dia que a obesidade infantil está crescendo no mundo todo [a maioria das vezes, por causa da falta de informação]. E no Brasil não é diferente”, critica a engenheira química Teresa Liporace, diretora executiva do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
Mestre em Engenharia de Produção na área de Inovação Tecnológica e Organização e especialista em mecanismos de fortalecimento da Participação Social nos Processos Regulatórios que impactam os direitos dos consumidores, ela ressalta que um dos fatores que, comprovadamente contribui com esse quadro, é a falta de informações adequadas para o consumidor nas embalagens dos alimentos, alertando para a existência de nutrientes prejudiciais à saúde nos rótulos.
De acordo com Teresa, para promover mudanças na rotulagem nutricional frontal de alimentos no País, está em andamento, desde o dia 23 de setembro, uma consulta pública aberta pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em que todos os consumidores podem opinar sobre qual o modelo de rotulagem mais adequado.
“É comprovado cientificamente que o atual modelo de rótulos de alimentos é difícil de ler, tem forte apelo publicitário e não informa claramente o que o consumidor precisa saber para fazer uma escolha alimentar saudável.”
Nova proposta
Conforme a especialista, nesse sentido, o modelo mais adequado é o proposto pelo Idec, no qual os nutrientes críticos em excesso são informados em triângulos, simbolizando a noção de advertência de forma mais clara para os consumidores.
“A efetividade desse modelo para a escolha de alimentos mais saudáveis foi avaliada pelo Instituto, por meio de um estudo realizado em parceria com o Nupens/USP (Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo) e a UFPR (Universidade Federal do Paraná)”, relata.
Ela acrescenta que “os resultados foram publicados em periódicos de saúde e apresentados à Anvisa, como parte do processo de aprimoramento da rotulagem nutricional no Brasil”.
Pesquisa online
Por meio de uma pesquisa online realizada com 1.607 brasileiros e brasileiras, entre agosto e outubro de 2017, os participantes foram questionados sobre quais produtos apresentavam nutrientes acima do recomendado para uma alimentação saudável.
“O número de acertos foi de 75,7% para as embalagens com as advertências em formato de triângulo, enquanto apenas 35,4% responderam corretamente para as embalagens com o modelo de semáforo, proposto pela indústria de alimentos”, conta Teresa.
Segundo a diretora executiva do Idec, a sinalização com triângulos se contrapõe ao modelo proposto pela Anvisa, que defende a inclusão de uma lupa na parte da frente dos rótulos dos alimentos embalados alertando para o eventual excesso de açúcares adicionados, gorduras ou sódio. Além de não criar uma advertência ao consumidor. “Mas o Idec acredita que o modelo proposto pela Agência pode confundi-lo.”
Modelo de triângulos
Já o modelo de triângulos, continua Teresa, “traz informações mais claras, que permitem que o consumidor possa compreender o que irá consumir, além de apontar que, quanto mais elementos houver na embalagem, mais nutrientes críticos em excesso há no alimento”.
“O modelo de advertência já foi implementado com sucesso em diversos países, como Chile, Peru e Uruguai. Esse avanço em políticas públicas para promover a alimentação saudável nos países da América do Sul cresceu nos últimos anos, para tentar conter o crescimento dos índices da obesidade, do diabetes e do câncer que, entre outros fatores, têm origem no aumento do consumo de alimentos ultraprocessados.”
Nesse contexto, defende a engenheira química, “a busca por uma rotulagem adequada e que contribua para promover o acesso à informação é uma das principais estratégias para combater a existência de ambientes favoráveis ao desenvolvimento da obesidade”.
Consulta pública
Em uma pesquisa realizada pelo Idec com o Instituto Datafolha, durante os dias 7 a 11 de outubro deste ano, 82% dos participantes conseguiram identificar corretamente qual era o alimento mais saudável, a partir dos rótulos de advertência em formato de triângulos.
Para essa pesquisa, foram entrevistadas 1.384 pessoas, com idades entre 18 e 55 anos, pertencentes a todas as classes socioeconômicas e regiões do Brasil. Os participantes foram apresentados a um questionário com 25 perguntas sobre três produtos: iogurte, cereal matinal e suco de caixinha – categorias de alimentos que, devido à sua comunicação mercadológica, muitas vezes são considerados saudáveis.
Já com o modelo de lupa, apresentado pela Anvisa e levado para a consulta pública sobre rotulagem nutricional de alimentos, apenas 64% conseguiram responder corretamente.
“Estamos às vésperas do encerramento da consulta pública sobre a rotulagem nutricional de alimentos no Brasil. É importante que esses dados sejam levados em consideração e que a população tenha acesso ao melhor modelo de rotulagem”, afirma Ana Paula Bortoletto, nutricionista do Idec.
Para mais informações, acesse https://idec.org.br/.