Após mais de uma década de mobilização da sociedade civil, o país está prestes a se juntar a mais de 40 nações que já baniram a prática; ativistas agora cobram a sanção do presidente Lula para que a medida entre em vigor (MCIT/Arquivo)
Depois de 12 anos de tramitação, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 3062/2022, que proíbe o uso de animais vertebrados vivos em testes de ingredientes e produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes no Brasil. O texto, que já havia sido analisado e modificado pelo Senado, segue agora para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A proposta, de autoria do ex-deputado Ricardo Izar (SP), representa um marco na luta pelos direitos dos animais no país.
“A aprovação representa uma vitória histórica para o movimento de proteção animal. Mas não podemos baixar a guarda: o PL ainda precisa ser sancionado para virar Lei. É hora de mostrar que a sociedade está atenta”, afirma Taylison Santos, Diretor-Executivo do Fórum Animal, uma das entidades que lideraram a mobilização pela aprovação do texto.
Fim de uma prática cruel
Os testes cosméticos em animais envolvem sofrimento intenso e prolongado: os procedimentos incluem confinamento, separação de mães e filhotes, aplicação de substâncias corrosivas nos olhos e na pele, e monitoramento de reações como irritação, inflamação e até morte.
Essas práticas têm sido cada vez mais questionadas diante da existência de alternativas éticas e eficazes, já utilizadas por diversos países.
“A indústria, antes de lançar uma nova linha de xampu, pega coelhos, amarra-os e goteja xampu em seus olhos até eles ficarem cegos”, descreveu em plenário a deputada Duda Salabert (PDT-MG), que participou da construção do projeto como ativista vegana.
“O veganismo não é uma dieta, é uma luta pela libertação dos animais e contra o sofrimento.”
Para o relator da proposta, deputado Ruy Carneiro (Pode-PB), manter a experimentação animal como prática dominante seria um retrocesso científico. “
Métodos substitutivos ao uso de animais – como modelos computacionais, bioimpressão 3D de tecidos, organoides e culturas celulares – vêm se consolidando como ferramentas confiáveis, éticas e muitas vezes mais eficazes”, afirmou.
Segundo ele, a medida atende tanto aos defensores da causa animal quanto à indústria ética, que poderá se diferenciar com um selo de responsabilidade.
O que muda com a nova lei
O texto aprovado altera a Lei 11.794/08 e veda expressamente “a utilização de animais de qualquer espécie em atividades de ensino, pesquisas e testes laboratoriais com substâncias que visem o desenvolvimento de produtos de uso cosmético em seres humanos”.
A regra também vale para a avaliação de segurança, eficácia ou toxicidade de produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes – definidos como aqueles destinados ao uso externo ou nas mucosas da cavidade oral, com finalidades como limpeza, perfumação ou alteração da aparência da pele, cabelos, unhas e lábios.
Além disso, a proposta determina que dados obtidos por testes em animais não poderão ser usados para obter autorização de comercialização desses produtos no Brasil, exceto quando forem realizados para atender a regulamentações não cosméticas, nacionais ou internacionais.
Nesse caso, as empresas deverão apresentar documentação comprobatória do objetivo não cosmético dos testes, quando exigido pelas autoridades. Produtos que utilizarem essa exceção não poderão exibir no rótulo termos como “livre de crueldade” ou “não testado em animais”.
A proposta também permite a comercialização de produtos já existentes, cujos testes em animais tenham ocorrido antes da entrada em vigor da nova lei.
E, em situações excepcionais, o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea) poderá autorizar novos testes, desde que estejam cumpridos três critérios simultâneos: o ingrediente seja amplamente utilizado e insubstituível, esteja associado a um problema de saúde humana e não exista alternativa de testagem.
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Caminho longo até a aprovação
A trajetória do projeto começou em 2013, no mesmo ano em que o caso do Instituto Royal – onde ativistas resgataram dezenas de beagles usados em testes – chocou o país e mobilizou a opinião pública.
Apresentado inicialmente como PL 6602/2013, o texto foi aprovado na Câmara em 2014 e enviado ao Senado, retornando à Casa em 2022 com modificações. Em 2023, recebeu regime de urgência e, em julho de 2025, foi finalmente aprovado pelos deputados.
Ao longo desses anos, legislações estaduais foram surgindo em São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Distrito Federal, entre outros. Em 2023, o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal publicou a RN 58, que recomenda o uso de métodos alternativos, mas sem força obrigatória – algo considerado insuficiente por organizações de proteção animal.
Fiscalização e implementação
Após a sanção, a lei entrará em vigor em 90 dias. A partir de então, as autoridades sanitárias terão dois anos para garantir a implementação das novas regras.
Isso inclui reconhecer rapidamente métodos alternativos validados internacionalmente, elaborar planos de disseminação dessas técnicas no país, fiscalizar o uso de dados obtidos com testes proibidos e regulamentar o uso de termos como “cruelty free” nos rótulos.
Relatórios bienais deverão ser publicados com dados sobre a fiscalização, o número de vezes que empresas recorreram às exceções e os casos em que foram solicitadas evidências documentais do caráter não cosmético dos testes.
Apesar dos avanços, o valor das multas aplicadas em caso de infrações foi reduzido em relação ao texto original aprovado anteriormente pela Câmara. A faixa prevista é de R$ 1 mil a R$ 20 mil, com exceções para atividades indevidas que seguem sujeitas a penalidades da Lei 11.794/08.
O movimento de proteção animal agora volta seus esforços para pressionar o Executivo.
“Proibir apenas os testes, sem restringir a comercialização de produtos testados em animais, é permitir brechas: empresas seguem importando ou fabricando em locais permissivos e apenas evitam os testes em território onde há proibição”, alerta Taylison Santos