Mulher, ciência, campo e agronegócio combinam e formam uma equação perfeita que resulta em mais produtividade, lucratividade e sustentabilidade. Comemorado em março, o Mês da Mulher serve para lembrarmos a importância do papel feminino para o desenvolvimento social e econômico do Brasil.
Uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) apontou que as mulheres que atuam no agronegócio são responsáveis pela gestão de, no mínimo, 30% do segmento — muito acima do registrado na indústria (22%) e na área de tecnologia (20%).
Traduzindo em valores, as mulheres desse setor movimentam cerca de US$ 165 bilhões, ou seja, 8% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, uma vez que o agronegócio representa 25% do PIB total.
Nos últimos anos se observou um aumento de 8,3% no número de mulheres trabalhando no agro. Segundo dados do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), da ESALQ/USP, a participação feminina no setor cresceu consideravelmente entre 2004 e 2015, passando de 24,11% para 27,97%, enquanto o número de homens caiu 11,6%.
Pesquisadoras
Um bom exemplo da presença feminina na agropecuária é a Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta). Ali, 48% do corpo de servidores é formado por mulheres, que ocupam 53% dos cargos de pesquisador científico.
Mariângela Cristofani-Yaly e Marinês Bastianel são duas delas. As pesquisadoras, do Instituto Agronômico (IAC-Apta), foram responsáveis pelo desenvolvimento da primeira tangerina 100% obtida no Brasil, a “IAC 2019Maria.
Os trabalhos de melhoramento genético convencional da cultivar se iniciaram em 1997 e incluíram diversos pesquisadores. Yaly e Bastianel, porém, foram as responsáveis pela seleção da “IAC 2019Maria”, que deve estar no mercado em dois anos, aproximadamente.
“A grande vantagem da cultivar é a sua resistência à mancha marrom de alternaria, uma doença de difícil controle e que já acarretou a diminuição do plantio de tangerina em São Paulo. Além disso, este material tem característica de fruto excepcional e o consumidor o aprova”, explica Yaly, agrônoma com doutorado pela Unicamp.
Outra mulher com destaque na pesquisa é Yara Aiko Tabata. A pesquisadora lidera os trabalhos com truta desenvolvidos pelo Instituto de Pesca (IP-Apta). Tabata desenvolveu diversas tecnologias para a truticultura brasileira, como a que possibilita a produção de lotes de truta apenas com fêmeas, viabilizando o aumento da produtividade em até 20%. Outro exemplo é a triploidização, tecnologia que associada ao processo de salmonização melhora a qualidade e agrega maior valor ao produto.
Anualmente, cerca de dois milhões de ovos embrionados de truta são produzidos pelo instituto e disponibilizados a todas as regiões produtoras do Brasil, como São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Paraná e Santa Catarina. O Instituto atende 10% da demanda nacional por ovos embrionados.
“Não temos a intenção de atender plenamente à demanda nacional. Queremos fomentar e estimular os truticultores a produzirem os ovos necessários às suas atividades. Nosso papel é gerar ferramentas tecnológicas, sobretudo, aquelas capazes de contribuir para a superação de gargalos do setor e, assim, amparar os produtores na tarefa de encontrar alternativas para gerar renda”, afirma.
Presença feminina nas universidades
As mulheres têm cada vez mais conquistado espaço no setor dos agronegócios e na ciência. Se antes eram minoria em cursos como engenharia agronômica e medicina veterinária, por exemplo, hoje conquistam cada vez mais lugar nos bancos universitários e no mercado de trabalho.
“Quando eu fiz agronomia, o curso tinha 180 homens e 17 mulheres. Acredito que hoje esta proporção está mais equilibrada”, afirma Mariângela Yaly.
Já Yara conta que quando cursou a disciplina de reprodução de grandes animais, na universidade, se apaixonou pelo ofício e decidiu atuar nesta área, o que não era nada fácil, já que naquela época havia preconceito com mulheres trabalhando no campo.
“O mais comum era homens exercerem essa função, enquanto nós íamos para os laboratórios. Atualmente, a situação é bem diferente e as mulheres são em maior número na maioria dos cursos de Medicina Veterinária”, afirma.
No caso da Apta, elas também têm ocupado cargos de liderança. Dos seis Institutos de Pesquisa da Agência, três são liderados por mulheres. Uma delas é Priscilla Rocha Silva Fagundes, diretora do Instituto de Economia Agrícola (IEA).
“Sou formada em engenharia agronômica e venho de uma turma que tinha poucas mulheres. O campo sempre foi visto como um ambiente masculino, apesar de a mulher sempre ter uma participação importante dentro das propriedades rurais. Estamos, porém, ocupando cada vez mais lugar no setor dos agronegócios e na pesquisa científica. Temos contribuído muito para aproximar o rural do urbano e mostrar a força do setor dos agronegócios”, afirma.
Mulheres produtoras
Quando se fala em mulheres que atuam dirigindo um estabelecimento agropecuário, de acordo com o último Censo Agro, divulgado pelo IBGE em outubro do ano passado, são 946,1 mil mulheres que trabalham como produtoras, representando 19% do total, o que supera os 13% registrados no último censo, em 2006.
Carmen Perez representa bem esse número. Aos 22 anos ela assumiu a direção de uma fazenda em Barra do Garças, município no interior do Mato Grosso. Criada em São Paulo, Perez passou boa parte da infância frequentando a fazenda do avô que, no fim da vida, passou a propriedade para o nome dos filhos.
Diante da intenção de venda da propriedade por parte da família, a jovem resolveu aprender a administrar a fazenda e nunca mais saiu de lá. Hoje com 4 mil hectares e 2,8 mil cabeças de gado, a fazenda Orvalho das Flores se destaca por ter implementado práticas de bem-estar animal.
Carmen faz parte de uma minoria que cresceu nos últimos anos: a de mulheres dirigindo um estabelecimento agropecuário.
“Acho que estava tão obstinada em assumir a direção e conhecer o negócio, que não considerei o fato de eu ser mulher como um limitador. Sempre tentei usar isso como uma forma de parceria, da visão masculina com a feminina, que são visões muito diferentes e quando se unem existe um complemento”, declara a pecuarista.
Entre 2017 e 2018, Carmen foi presidente do Núcleo Feminino do Agronegócio, uma entidade que nasceu a partir da necessidade das mulheres do setor se reunirem para compartilhar a experiência na gestão.
“Era um universo muito masculino mesmo, então elas resolveram criar o núcleo, que foi aumentando. Fazemos nove reuniões anuais de forma presencial. É um grupo para gestoras, para pessoas que realmente estão à frente do negócio”, afirma. Em 2019, por exemplo, o grupo de mulheres fez uma visita técnica a Israel para conhecer novas tecnologias.
Busca pela igualdade
A aproximadamente 1.100 quilômetros de distância da fazenda de Carmen, a mineira Dayany de Assis administra meio hectare de terra com plantação de café orgânico. Quando criança, ela passava as férias no sítio dos avós e, mais tarde, começou a trabalhar na lavoura deles. Mas foi há 11 anos, quando se casou, que Assis resolveu assumir a agricultura como profissão.
“Meu marido tinha um hectare e meio de terra, com plantação de café convencional. Eu comecei a trabalhar junto com ele e depois conheci o grupo de mulheres produtoras de café orgânico e me identifiquei muito”, relata a produtora, que comprou um pedaço de terra para realizar o sonho de plantar café orgânico.
O grupo Mulheres Organizadas em Busca de Igualdade (Mobi), do qual Dayany é coordenadora hoje, nasceu com o objetivo de dar voz às mulheres na Cooperativa de Agricultores Familiares de Poço Fundo e Região (Coopfam). A história do grupo mistura-se a de suas integrantes desde o seu início, em 2006.
Uma delas é a de Dona Maria, que ficou viúva e não tinha direito ao voto nas decisões da cooperativa. “Ela era a única mulher na fila para votar e não tinha direito ao voto porque a cota era no nome do marido dela. Foi uma situação muito difícil. A partir daí o grupo foi se fortalecendo e foi fazendo mutirão na casa dela para colher o café. Foi criando mais força, mais resistência”, relata Assis. Atualmente todas as mulheres que são cooperadas na Coopfam têm direito de votar.
“Nós mulheres sentimos a necessidade de nos organizar, de ter direito a voz na nossa cooperativa. Desde o início era evidente que a gente precisava se organizar porque a gente não tinha direito a voto. Cada voto é por cota e essa cota ficava no nome dos maridos. O nosso espaço de fala não era respeitado. Senti a necessidade de nós mulheres ocuparmos nossos espaços e de aumentar nosso nível de conhecimento para ter como responder ao machismo”, declara Rosângela Paiva, uma das fundadoras do grupo.
Nascida e criada na zona rural de Minas Gerais, Paiva hoje tem como principal fonte de rendimento a produção de tomates orgânicos. Ela também faz parte de outro perfil de produtora: a que compartilha a direção do estabelecimento com o marido.
O Censo Agro 2017 pesquisou pela primeira vez o compartilhamento de direção nos estabelecimentos. São 1.029.640 estabelecimentos compartilhados pelo casal, o que representa 20% do total, sendo 817 mil mulheres dividindo a direção com o cônjuge. “Então além da mulher ter aumentado na direção diretamente, agora ela aparece também na direção compartilhada”, explica o gerente técnico do Censo Agropecuário, Antonio Carlos Florido.
Empreendedorismo no campo
A Bahia é o estado com o maior número de mulheres que assumiram a direção de um estabelecimento agropecuário. Elaine dos Santos é uma das 303,7 mil mulheres que estão à frente do trabalho no campo no estado, número que considera produtoras que compartilham a direção com o cônjuge ou não. Desde os 17 anos, ela trabalha como agricultora na região de Valença, município litorâneo a 124 km da capital baiana.
Hoje com 27 anos, Santos cultiva café, banana e mandioca em uma área de seis hectares. “Dedico-me à minha propriedade. Hoje minha fonte de renda é exclusiva da agricultura”, declara a produtora que, ao aplicar novas técnicas no estabelecimento, conseguiu aumentar a produtividade: passou de nove toneladas de mandioca por hectare para 30 toneladas utilizando a mesma área.
“Desde pequena sou apaixonada pela agricultura. Meus pais são agricultores, e isso ajudou a fortalecer ainda mais esse vínculo com o campo. Fui ganhando respeito e conquistando meu espaço, mostrando que nós mulheres somos capazes, sim, de cuidar dos afazeres da roça, vencendo o preconceito”, afirma.