Autoridade de alimentação e remédios dos Estados Unidos autorizou bebidas de origem vegetal a utilizar a palavra leite em seus rótulos, mas com a recomendação de apresentarem a comparação nutricional com o leite de origem animal
Após oposição dos produtores de leite animal, a Food and Drug Administration (FDA), autoridade de alimentação e remédios dos Estados Unidos – o equivalente à Anvisa no Brasil – determinou, no fim de fevereiro, que bebidas de origem vegetal, à base de coco, soja ou amêndoas, por exemplo, podem ser chamadas de leite em seus rótulos.
A decisão é importante, pois a FDA tem grande influência em outras instituições e agências de regulamentação de alimentos ao redor do mundo.
Apesar disso, o órgão regulador americano também recomendou que os fabricantes de leites veganos declarem as diferenças de valor nutricional do leite de origem animal.
“Essas declarações ajudarão os consumidores a fazer escolhas dietéticas informadas quando se trata de entender certas diferenças nutricionais entre produtos à base de plantas rotulados com “leite” em seus nomes”, disse a FDA, em comunicado.
Debate sobre a decisão continua
Atualmente, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação e a Organização Mundial da Saúde (FAO/OMS), por meio do programa Codex Alimentarius, definem leite como exclusivamente de origem animal, como alerta a Federação Panamericana Leiteira (Fepale).
Segundo a Fepale, produtos de origem vegana “pretendem imitar o leite e substituí-lo indevidamente”, o que pode confundir o consumidor, já que poderão usar o termo “leite” e imagens alusivas ao setor lácteo em suas embalagens, sem possuir “nem de perto, as contribuições nutricionais do leite”.
Entre os nutrientes presentes no leite animal estão proteínas, cálcio, zinco, magnésio, potássio, fósforo, vitamina D e vitaminas do Complexo B.
A Fepale lembra que tais nutrientes são essenciais no combate à desnutrição infantil, formação e manutenção dos ossos, bem como para a prevenção e tratamento de diversas patologias metabólicas, como as chamadas Doenças Crônicas Não Transmissíveis-DCNT, como Obesidade, Hipertensão Arterial e Diabetes.
“Por esses motivos, o leite é um alimento insubstituível na alimentação das pessoas, portanto, permitir que sejam chamados de “leite” produtos que não são lácteos e não possuem os mesmos valores nutricionais, gera confusão, além de possíveis danos à saúde pública”, afirma a Federação.
Já para o The Good Food Institute (GFI), organização filantrópica sem fins lucrativos que atua no sistema de produção de alimentos, a decisão do FDA apesar de contrária ao que alguns setores da indústria americana imaginavam, indica que a FDA está olhando para o futuro.
Por anos, os legisladores dos estados produtores de leite tentaram aprovar projetos de lei que exigiriam que a FDA aplicasse um padrão federal que define “leite” apenas como o produto da “ordenha de uma ou mais vacas saudáveis”.
E aqui no Brasil não é diferente. Porém, de acordo com o presidente do GFI Brasil, Gus Guadagnini, “com mais reconhecimento e apoio governamental, a indústria de alternativas à laticínios de origem animal pode continuar a crescer e se expandir, oferecendo aos consumidores mais opções saudáveis e sustentáveis no futuro”.
“O Brasil pode ser líder dessa indústria globalmente e, assim, gerar muitos empregos e receita em impostos. Para isso, também precisamos de um arcabouço regulatório justo e que exista em prol dos interesses dos consumidores, não do protecionismo anticompetitivo da indústria”, defende Guadagnini.
Qualidades nutricionais
Para a nutricionista Erika Raquel Ferreira, o produto de origem vegetal apesar de rico em sais minerais e vitaminas, é indicado para situações específicas, como pessoas alérgicas à proteína do leite, casos mais agudos de intolerância à lactose, e para quem segue a dieta vegana ou restritivas em calorias.
“Para todos esses casos, a suplementação de cálcio é altamente recomendada. A indústria alimentícia já vende leites vegetais enriquecidos com cálcio. Entretanto, é uma substância sintética, ou seja, não é natural, e, por isso, pode não ser bem absorvida pelo organismo. Outra grande desvantagem dos leites vegetais é o preço”, afirma a especialista em artigo publicado pela Confederação Nacional da Agricultura.
Segundo ela, de modo geral, a substituição do tipo animal pelo vegetal não é recomendada.
“As consequências dessa prática já começam a ser observadas. Uma Pesquisa publicada no American Journal of Clinical Nutrition mostrou a relação entre consumo de leites vegetais e menor estatura de crianças. Segundo a análise, cada copo de leite de origem vegetal consumido por dia está associado a uma redução de 0,4 cm na altura das crianças em comparação com a média para a idade”, explica Erika.
Discussões no Brasil
No Brasil, a discussão em relaçao à utilização do nome leite por bebidas vegetais também existe. A atual senadora e ex-ministra da Agricultura, Tereza Cristina, quando deputada federal, em 2018, chegou a apresentar um projeto de lei (PL 10556/18) que proibia o uso da palavra “leite” em embalagens e rótulos de alimentos que não tivessem como base o leite de origem animal.
Pelo projeto, também seriam exclusivamente reservados aos produtos lácteos os termos: queijos e seus derivados; manteiga; leite condensado; requeijão; creme de leite; bebida láctea; doce de leite; leites fermentados; iogurte; coalhada; cream cheese; e outras admitidas em regulamento.
O projeto ainda está em análise nas Comissões do Congresso.
Em 2021, foi a vez do Sindicato da Indústria de Laticínios do Rio Grande do Sul (Sindilat) se manifestar sobre o assunto ao entregar um ofício à, então ministra da agricultura, Tereza Cristina, pedindo providências para que produtos de origem vegetal não possam ser nomeados como leite, queijo e derivados.
Fontes: Food and Drug Administration (FDA), Confederação Nacional de Agricultura (CNA), Agência Câmara de Notícias, Federação Panamericana Leiteira (Fepale), Sindilat e The Good Food Institute (GFI).+