Soja e milho representam maior parte da carga transportada nesta modalidade, que pode custar em torno de 40% do frete rodoviário, predominante no Brasil
De acordo com o Anuário Estatístico Portuário 2022, da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), a navegação interior foi a modalidade que mais se destacou no ano passado para o transporte aquaviário de cargas no Brasil, crescendo 11,2% em relação a 2021.
O maior aumento na movimentação de cargas em hidrovias ocorreu na quantidade de granéis sólidos movimentados (+15,36%), em especial grãos, seguido de líquidos e gasosos (+14,1%). Mas também houve crescimento na carga conteinerizada (aumento de 3,64%).
A hidrovia é uma via de navegação interior, com canal delimitado, sinalizado e com gabarito hidroviário mantido.
O Brasil possui um sistema extenso de rios e lagos, dividido em 12 bacias hidrográficas e uma malha hidroviária de 42 mil km, compostos por 21 mil km de rios navegáveis e 15 mil km de trechos potencialmente navegáveis.
Milho e soja
Entre as regiões hidrográficas no Brasil, estão a Amazônica, Tocantins-Araguaia, Atlântico-Sul, Paraná-Tietê e Paraguai.
Nos meses de outubro e novembro, por exemplo, as regiões hidrográficas Amazônica e Tocantins-Araguaia registraram aumentos de 30% e 25,3%, respectivamente, nos volumes movimentados.
Essas regiões são responsáveis por 75% do transporte hidroviário interior de cargas no Brasil.
Com execçao da região Paraguai, todas transportam majoritariamente produtos agrícolas e derivados, com destaque para soja e milho. Nestas regiões, o milho apresentou um aumento de participação entre 36% e 72%, em relação a 2021.
Políticas públicas
A expectativa é de avanço de políticas públicas de incentivo às hidrovia, acredita Pierre Jacquin, vice-presidente para a América Latina, da project44, plataforma que atua na cadeia de suprimentos
“É um modal de excelente custo-benefício, capaz de oferecer ganhos do ponto de vista ambiental e assumir um papel ainda mais estratégico na movimentação de grãos, fertilizantes, minérios, celulose e até contêineres para portos menores”, afirma.
No entanto, Jacquin destaca o potencial brasieliro desperdiçado nesta modalidade de transporte.
“Poucos países têm um potencial hidroviário tão grande quanto o Brasil. No entanto, o transporte de cargas por navegação interior ainda desempenha um papel pequeno no cenário logístico nacional”, avalia.
Segundo ele, a navegação interior pode contribuir significativamente para o avanço das operações multimodais que, por sua vez, podem reduzir os custos logísticos no Brasil — que representam 12,5% do PIB do país, contra 10% do PIB europeu e 8% do PIB americano.
Projetos em estudo
Alguns projetos e iniciativas podem ajudar a sustentar a curva de crescimento do transporte aquaviário de cargas no Brasil.
A Secretaria de Logística e Transportes do Rio Grande do Sul, por exemplo, confirmou obras de dragagem e ampliação de hidrovias no Estado para este início de ano.
Por sua vez, a cidade de São Paulo tem um projeto-piloto que pretende, até 2024, testar barcos elétricos para transporte de pessoas, veículos e cargas na represa Billings, com potencial para reduzir o tempo em uma hora em relação ao contorno do reservatório.
Existem planos futuros para sete hidrovias ligando municípios da região metropolitana da Grande São Paulo.
Vantagens da navegação de interior
A comparação de fretes e custos do transporte hidroviário com o ferroviário e o rodoviário demonstra ser aquele o modo mais adequado para receber recursos públicos para implantar sua infraestrutura, afirma estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Segundo o Instituto, isso se daria “aproveitando as condições de navegação naturais dos rios e lagos brasileiros, em grande parte já favoráveis”.
Um levantamento feito pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), aponta que uma vez obtida a lotação, o frete hidroviário pode custar em torno de 40% do frete rodoviário e 70% do ferroviário.
Como meio de transporte, as principais vantagens da navegação interior são sua grande capacidade de carregamento, o menor custo por tonelada-quilômetro, diz o documento elaborado pela CNT.
O estudo também aponta o menor investimento necessário para infraestrutura de transporte pelas águas, uma vez que costuma se valer de vias naturais preexistentes, o que reduz o custo associado à implantação das vias, que é alto em ferrovias e rodovias.
Uma comparação feita para o projeto Hidroviáveis mostrou que a utilização do Rio Mississipi, nos Estados Unidos, ligando Illinois ao porto de New Orleans, para escoamento de produtos que depois seriam levados em navios à China, apresenta um custo de transporte por tonelada quase 50% menor se comparado a utilização rodoviária ligando Mato Grosso ao porto de Santos, para embarque ao país asiático.
No Brasil, o custo final de transporte para o trajeto seria de 111 dólares por tonelada, enquanto nos EUA seria de 56 dólares por tonelada.
Histórico recente
A partir da década de 1970, a fronteira agrícola começou a avançar em direção à Região Centro-Oeste brasileira, mudando o panorama produtivo existente até a década anterior, quando a produção agrícola estava concentrada no Sul e no Sudeste do país.
Esse deslocamento deu origem a uma demanda por meios de transporte mais adequados para o escoamento da produção de commodities provenientes dessa nova fronteira agrícola, mais distante dos portos de exportação.
No entanto, a falta de atenção ao segmento e de planejamento integrado dos recursos hídricos nas décadas anteriores bem como o descumprimento do que era estabelecido pelo uso múltiplo das águas fizeram com que a maioria dos rios da região permanecesse em seu estado natural ou barrados por hidrelétricas desprovidas de eclusas.
Além disso, a partir do início do século 20, houve uma intensificação da construção de rodovias e estradas – muitas delas com traçados paralelos às hidrovias – o que, em vez de gerar um estímulo à integração multimodal, contribuiu para o acirramento da competição entre os modais. A partir de 1960, se consolidou o modelo rodoviarista no país.