Ingerir gorduras trans oferece mais riscos de AVC, diabetes, infarto e câncer. No mundo, cerca de 500 mil mortes são registradas em razão desse consumo exagerado, conforme alerta a OMS. Para criar regras mais rígidas no Brasil, Anvisa abre consulta pública para ouvir a opinião da sociedade
Em todo o mundo, cinco bilhões de pessoas convivem com os riscos de desenvolverem doenças associadas ao consumo de gorduras trans industriais em produtos alimentícios e cerca de 500 mil mortes são registradas, anualmente, por causa do uso desse ingrediente, conforme alerta a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Presentes – mas não somente – em produtos industrializados como sorvetes, margarina, cremes vegetais, batatas fritas, salgadinhos de pacote, bolos, biscoitos e gorduras hidrogenadas, as gorduras trans são um tipo de gordura que se forma por um processo natural ou industrial e transforma óleos vegetais líquidos em gordura sólida. São usadas para melhorar a consistência dos alimentos e aumentar o prazo de validade de alguns produtos industriais, no entanto, podem causar o aumento do colesterol total e do colesterol ruim (LDL).
Segundo a Organização Mundial da Saúde, alguns países estão adotando medidas para restringir seu uso, mas é preciso fazer muito mais. “O impulso para a eliminação global da gordura trans produzida industrialmente está crescendo, com quase um terço da população mundial já protegida, em 28 países”, diz o diretor geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus.
Embora a notícia seja positiva, o executivo alerta para o fato de que “mais de dois terços da população mundial ainda carecem de proteção contra a gordura trans industrial em seus alimentos”.
“Vemos cada vez mais a precocidade de doenças crônicas que, anteriormente, eram identificadas apenas em adultos, pessoas com mais de 60 anos de idade”, comenta a nutricionista Isabela Sattami, acrescentando que, atualmente, verificam-se crianças de cinco anos com obesidade e colesterol alto. “E isso tudo é associado à má alimentação e à gordura trans encontrada nesses alimentos”, diz a especialista que defende a iniciativa de restringir as gorduras trans dos alimentos no Brasil
O consumo de gordura trans oferece mais riscos de as pessoas terem um AVC (acidente vascular cerebral), diabetes, infarto e câncer. Seu consumo ainda causa grande impacto na saúde pública, principalmente porque, em função dessas doenças, muitas pessoas deixam de trabalhar ou até ficam incapacitadas, gerando um custo bem alto para o sistema público de saúde do País.
Posição do Brasil
Conforme a Agência Brasil, a Organização Mundial de Saúde cita que o Brasil figura ao lado de outros 25 países quanto à adoção de medidas de incentivos para que os consumidores façam escolhas mais saudáveis em torno dos alimentos e bebidas industrializadas.
Também estão nesse grupo de nações, que promovem uma dieta saudável a fim de prevenir a obesidade e doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) relacionadas à má alimentação: Bélgica, China, Espanha, França, Suécia, Reino Unido, entre outros, assim como os sul-americanos Bolívia, Paraguai e Uruguai.
Esse monitoramento global indica que são os países com maior renda que têm liderado os esforços políticos para que as gorduras trans sejam erradicadas. Ainda destaca que nenhum país de baixa renda e apenas três de renda média-baixa (Índia, Quirguistão e Uzbequistão) têm políticas antigorduras trans.
Representantes do CFN têm defendido, em diversas reuniões, debates e manifestações (todas publicadas em seu site), que eliminar esses ingredientes da produção industrial de alimentos deve ser, de fato, uma das prioridades da Organização Mundial da Saúde, considerando as metas do programa geral que norteia várias ações a serem desenvolvidas pela OrMS, até 2023.
Em maio deste ano, a instituição internacional apresentou, em seu site, uma série de medidas para orientar governos, indústrias e a sociedade em geral a substituir as gorduras trans por componentes mais saudáveis, entre elas estão a reformulação de receitas de produção pela indústria alimentícia.
No site do Ministério da Saúde também é possível acessar a cartilha Guia Alimentar para a População Brasileira, lançada em 2014, que traz dicas e recomendações para uma alimentação saudável, saborosa e balanceada, excluindo os ultraprocessados da dieta.
O que são alimentos ultraprocessados?
Um dos assuntos abordados na cartilha do Ministério da Saúde alerta para o fato de que os alimentos ultraprocessados, para que tenham longa duração e não se tornem rançosos precocemente, são frequentemente fabricados com gorduras que resistem à oxidação, porém, tendem a obstruir as artérias que conduzem o sangue dentro do corpo humano.
São particularmente comuns em óleos vegetais naturalmente ricos em gorduras saturadas e gorduras hidrogenadas que, além de ricas em gorduras saturadas, contêm também gorduras trans. Esse tipo de produto tende, conforme o Ministério, a ser muito pobre em fibras, que são essenciais para a prevenção de doenças do coração, diabetes e vários tipos de câncer.
Ainda faz outro alerta: a ausência de fibras decorre da ausência ou da presença limitada de alimentos in natura ou minimamente processados nesses produtos. Essa mesma condição faz com que os alimentos ultraprocessados sejam também pobres em vitaminas, minerais e outras substâncias com atividade biológica que estão naturalmente presentes em alimentos in natura ou minimamente processados.
Campanha
Em junho passado, o Conselho Federal de Nutricionistas (CFN) e a Associação Brasileira de Nutrição (Asbran) lançaram o projeto Pela Saúde do Coração, Gordura Trans não!, com o intuito de defender uma agenda propositiva de restrição do uso da gordura trans industrial em produtos alimentícios comercializados no Brasil, com base em evidências científicas e recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS).
De acordo com o CFN, uma das ações fundamentais da campanha é o acompanhamento das medidas regulatórias da Anvisa e as proposições apresentadas no Legislativo. Assim como a OMS, o Conselho Federal de Nutricionistas e a Associação Brasileira de Nutrição defendem a eliminação da gordura trans industrial nos alimentos em todo o mundo, até 2023.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária já havia anunciado a prioridade de discutir essa questão, em sua agenda regulatória de 2019, e o primeiro passo é ouvir a população por meio da consulta pública, que já está aberta.
Tanto o Conselho quanto a Associação defendem um modelo híbrido de restrição de gorduras trans industriais, que contemple o limite de 2% de ácidos graxos trans industriais sobre o total de gorduras em todos os alimentos, óleos e gorduras destinados ao consumidor final e aos serviços de alimentação. Também querem o banimento da produção de óleos e gorduras parcialmente hidrogenados e seu uso em todos os alimentos.
Audiência pública
Para ouvir a opinião da população brasileira – especialmente de profissionais ligados à saúde, como os nutricionistas –, está aberta até dia 7 de outubro deste ano a consulta pública da Anvisa, que pretende, depois disso, definir regras mais rígidas quanto ao uso de gorduras trans industriais em alimentos, no Brasil.
Para participar, é necessário acessar o formulário eletrônico disponível no portal da Agência (pelo link https://bit.ly/2ZiQ3kG). Ao final do preenchimento do formulário, um número de protocolo será gerado confirmando a participação.
Também será permitido o envio de sugestões por escrito, para o seguinte endereço: Agência Nacional de Vigilância Sanitária/Gerência-Geral de Alimentos – GGALI, SIA Trecho 5, Área Especial 57, Brasília (DF), CEP 71.205-050. Para mais informações, acesse http://portal.anvisa.gov.br.