A aplicação de biofertilizante em pastagens degradadas aumenta a quantidade de macronutrientes e diminui a acidez do solo, contribuindo para maior produtividade.
Um estudo inédito no Brasil mostrou que a utilização do biocarvão ou biochar , produto resultante da pirólise (queima controlada de resíduos orgânicos), pode auxiliar na restauração de solos degradados e ainda promover um aumento de quase 30% na produção agrícola e de pastagens, além de contribuir para a preservação do meio ambiente.
A aplicação do biocarvão em pastagens degradadas elevou em 27% a produtividade de gramíneas forrageiras (braquiárias), fez crescer a quantidade de macronutrientes e diminuiu a acidez do solo, por meio do sequestro de carbono. O que contribui também para a regulação do clima.
Professora do Departamento de Geografia e Meio Ambiente da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO) e diretora do Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS), Agnieszka Latawiec, uma das coordenadoras da pesquisa, afirma que “a utilização do biocarvão traz inúmeros benefícios ambientais e potencialmente econômicos tanto para produtores agrícolas, quanto pecuaristas”.
A pesquisa foi tema da importante revista científica Scientific Reports, do grupo Nature Research, publicada em agosto deste ano.
Melhoria dos solos
O Brasil é o segundo maior produtor de carne do mundo e projeta aumentar sua produção agrícola para atingir a primeira posição no ranking mundial. “Mas a maioria das terras desmatadas no Brasil é ocupada por pecuária de baixa produtividade, onde mais de 70% das pastagens brasileiras são consideradas degradadas, com menos de um animal por hectare. E essa é uma das causas do desmatamento, da perda da biodiversidade e da emissão de gases do efeito estufa”, explica Agnieszka.
Segundo ela, a produção de biocarvão, em larga escala, seria uma boa solução para suprir essa demanda de produção de pasto e de outros tipos de cultivos e poderia ser realizada por processos industriais, como acontece em vários países na Europa, Estados Unidos e Austrália.
“A produção de biocarvão nesses países é o resultado da forma como eles tratam seus resíduos orgânicos, produzindo energia e conciliando assim desenvolvimento econômico com a conservação do meio ambiente”, diz a professora da PUC-Rio.
Sequestro de carbono
Segundo a professora, além do aumento da produção de alimentos, o estudo avaliou outro serviço ecossistêmico provido por solos tratados com biocarvão: o sequestro de carbono.
A pesquisa mostrou que cada hectare fertilizado com o biochar salvou 91 toneladas de Carbono Equivalente (CO2eq) como efeito poupa-terra e teve 13 toneladas de CO2eq sequestradas no solo, o que equivale a 455 dólares em crédito de carbono.
“Se houver investimento em técnicas eficientes de produção, como a criação de usinas para processamento dos resíduos, ou se os produtores que adotarem o biocarvão forem recompensados com Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) ou de Agricultura de Baixo Carbono (como o Plano ABC), eles estarão preservando o meio ambiente ao mesmo tempo em que obtêm recursos para manutenção e aumento de sua produtividade”, destaca Latawiec.
Segundo a pesquisadora, o biocarvão mostra-se como ferramenta promissora para melhorar a produtividade de pastagens, lavouras e conservar o meio ambiente. Ela cita o exemplo da Polônia, onde já existem usinas que produzem energia em fornos de pirólise.
Estas usinas abastecem a população e fornecem o biocarvão como resíduo, com preço bastante competitivo quando comparado com outros insumos usados pelos agricultores.
Desafios no Brasil
Não existem no Brasil iniciativas de produção de biocarvão. O uso desse condicionador do solo no País, por enquanto, se dá essencialmente pela comunidade científica que busca compreender os mecanismos desse produto.
“Os principais impeditivos são a ausência de projetos que combinem ciência, sociedade e tomadores de decisão. Seriam necessários projetos de extensão rural, com técnicos que orientassem os produtores rurais nas etapas de produção e aplicação do biocarvão no solo”, orienta Aline Rodrigues, doutoranda na PUC, pesquisadora no IIS e co-autora do estudo.
“O processo produtivo não é algo simples, pois existe todo um conhecimento tradicional e científico na construção dos fornos e no processo da pirólise, formado ao longo de anos que não podemos ignorar”, completa Rodrigues.
A pesquisa
O biocarvão usado no experimento foi produzido na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Agrobiologia, em Seropédica, Estado do Rio de Janeiro e aplicado em diversos tipos de cultivos: pastagens, milho, feijão e mudas nativas. O local escolhido foi a “Fazendinha”, uma área experimental localizada no bioma da Mata Atlântica.
O que é o biocarvão
É o produto obtido por meio da queima controlada de resíduos orgânicos (pirólise), como casca de coco ou galhos de árvores podadas.
O biocarvão é misturado ao solo com o objetivo de aprimorar sua composição. Ele melhora a textura e ajuda na retenção de água e carbono, reduzindo a emissão de gases do efeito estufa e, em vários casos, potencializando a produção das plantações.