A regulamentação do Selo Arte, por parte do governo federal via Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), “é o sonho dos nossos antepassados se concretizando”. É assim que se sente a produtora Maria Lucilha de Faria, de São Roque de Minas (MG), na Serra da Canastra, medalhista do Mondial du Fromage em Tours, concurso internacional de queijos realizado em Paris, França.
“Vem das nossas gerações a expectativa por esse momento histórico no queijo artesanal. Poder contar com esse grande avanço será para nós pequenos produtores uma esperança. Esperança na melhoria da burocracia, na autenticidade do nosso produto e o reconhecimento para todos que querem e desejam ir pelo caminho da legalidade”, comemora Maria Lucilha.
Assinada por meio de decreto presidencial nesta quinta-feira, 18 de julho, a Lei do Selo Arte permite a venda interestadual de produtos alimentícios artesanais, como queijos, mel e embutidos. Em um primeiro momento, a nova lei deverá beneficiar algo em torno de 170 mil produtores de queijos artesanais de todo o País.
Também de São Roque de Minas, o produtor Ivair José de Oliveira classifica o Selo Arte como o registro de nascimento do queijo artesanal. Para ele, a certificação vai ser muito importante para os pequenos produtores poderem vender em todo o País.
“É um passo muito grande que está sendo dado e é de suma importância para nós, produtores, que lutamos há tanto tempo para termos um reconhecimento e poder mostrar nossos produtos em outros Estados. Por que no nosso estado podemos comer e no outro não pode. Só porque passa da fronteira o produto já não é mais comestível?”, questiona Oliveira, vencedor das categorias bronze e superouro no mesmo mundial de Paris.
Legislação antiga
A legislação anterior, que vigorava desde a década de 1950, impedia pequenos produtores rurais de comercializarem produtos artesanais de origem animal fora de seus Estados de origem.
“Com essas mudanças legais, fica permitida, portanto, a comercialização interestadual”, garante a ministra Tereza Cristina, da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
Durante a assinatura do decreto, que foi realizada pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, na solenidade de 200 dias do atual governo, ela agradeceu, além do próprio presidente, ao deputado federal Evair de Melo (PP-ES), autor da lei do Selo Arte, de 2018, que foi desenvolvida em parceria com o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
“Além do decreto, estamos lançando a normativa do logotipo do selo e duas instruções. Uma traz o regulamento técnico de boas práticas para produtos artesanais lácteos e a outra diz respeito aos procedimentos para a certificação”, anunciou Tereza Cristina.
A ministra lembrou ainda os prêmios obtidos pelos queijos mineiros da Serra Canastra reconhecidos internacionalmente. Leia mais na matéria da revista A Lavoura online – “França se rende aos queijos de Minas Gerais” – clicando em https://alavoura.com.br/?p=5504.
Fim da clandestinidade
Após Bolsonaro assinar o decreto, Tereza Cristina comentou que os produtores não vão mais ficar “confinados” à sua cidade, à sua comunidade.
“Acabou a clandestinidade. Ele vai poder andar pelo Brasil de cabeça erguida e ser conhecido. E teremos, como o Selo Arte, mais identidades geográficas. E isso, certamente, será um incentivo para que surjam mais produtos genuínos de qualidade.”
A primeira etapa de aplicação do Selo Arte será para produtos lácteos, especialmente queijos. As próximas etapas vão abranger produtos cárneos (embutidos, linguiças, defumados), produtos de origem de pescados (defumados, linguiças) e produtos oriundos de abelhas (mel, própolis e cera).
Além do decreto que regulamenta a Lei do Selo Arte, também foram assinadas a normativa do logotipo do Selo e outras duas instruções normativas que tratam da aplicabilidade do decreto.
Uma delas traz o regulamento técnico de boas práticas para produtos artesanais lácteos e a outra diz respeito aos procedimentos para a certificação do Selo Arte. As instruções normativas devem ficar em consulta pública por 30 dias.
“Com essas mudanças legais, fica permitida, portanto, a comercialização interestadual de alimentos produzidos de forma artesanal. As mercadorias serão fiscalizadas pelos órgãos estaduais e deverão seguir as boas práticas agropecuárias e sanitárias”, explica a Tereza Cristina.
O que muda de 1950 para 2019
A Lei do Selo Arte (13.680/2018), publicada em junho do ano passado e que passa a vigorar desde a data de 18 de julho de 2019, após a assinatura do decreto presidencial, modifica uma legislação de 1950, que trata da inspeção industrial e sanitária dos produtos de origem animal.
O Ministério da Agricultura reforça que, com essa mudança, fica permitida a comercialização interestadual de produtos alimentícios produzidos de forma artesanal, com características e métodos tradicionais ou regionais próprios, empregadas boas práticas agropecuárias e de fabricação, desde que submetidos à fiscalização de órgãos de saúde pública dos estados e do Distrito Federal.
Antes do decreto, a comercialização de produtos artesanais era limitada ao município ou Estado em que o alimento é feito e inspecionado. Com a regulamentação, os produtos poderão ser vendidos em diferentes Estados, desde que tenham o Selo Arte. A mudança irá beneficiar milhares de produtores artesanais, garantindo acesso ao mercado formal e a agregação de valor dos produtos agropecuários.
Na solenidade de assinatura da nova lei, a ministra da Agricultura também destacou que não somente produtores se beneficiam com a medida, “mas também consumidores, que passam a ter acesso facilitado a essas iguarias, com a segurança de que está comprando um produto de qualidade, fiscalizado pelos órgãos estaduais”.
“Havia no Ministério da Agricultura regras muito rígidas, feitas para grandes indústrias, e, portanto, inadequadas para quem produz artesanalmente. Agora, eles vão poder acessar grandes mercados e aumentar a renda de suas famílias”, disse a ministra, na solenidade.
Corrigindo uma falha histórica
Presidente da Associação de Produtores de Queijo Canastra (Aprocan), o produtor João Carlos Leite, que esteve presente na solenidade de assinatura do decreto, em Brasília (DF), afirma que o selo arte também é a realização de um sonho e vai melhorar a vida dos produtores de queijo do Brasil.
“A lei veio corrigir uma falha histórica com a produção agroartesanal brasileira. Era o nosso sonho. Hoje, podemos dizer que a nossa cadeia produtiva tem uma origem legal, que até então não existia. Então, ganhamos o direito de existir legalmente” ressalta Leite, lembrando que a valorização de produtos com valor agregado é uma tendência do mercado mundial, principalmente no Brasil.
“O consumidor quer esses produtos que agreguem outros valores, sejam sociais, ambientais, gastronômicos, culturais, principalmente de pequenos produtores. O mercado é avido por esses produtos, mas eles não conseguiam chegar ao mercado pela falta de uma legislação que os reconhecesse. Agora, temos o mercado, temos a legislação que nos dá origem e vamos produzir e acessar esse mercado”, diz o presidente da Aprocan.