Batizado de “Brasileirinho”, o mais recente biscoito do tipo snack, desenvolvido nos laboratórios da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Universidade de Campinas (Unicamp), é ums mistura de dois alimentos típicos da mesa brasileira: o arroz e o feijão.
Rico em fibras e de alto valor proteico, o novo produto também pode ser consumido, livremente, por pessoas com intolerância à lactose e ao glúten. Essa mistura, já consagrada pela população, também deu certo em cinco formulações criadas pelo e engenheiro de alimentos David Wesley da Silva, pesquisador no Departamento de Pesquisas em Alimentos e Nutrição (Depan).
“Há muita carência no mercado de biscoitos e salgadinhos que tenham qualidade nutricional e, ao mesmo tempo, possam ser consumidos por uma parcela da população que tem restrições alimentares”, diz Silva.
O “Brasileirinho” foi resultado da tese de doutorado do cientista – “Biscoito de feijão e arroz: produto alimentício para os públicos celíaco e vegano com avaliação de aceitação sensorial, submetida a estímulos musicais” –, sob a orientação da professora Helena Maria André Bolini, graduada em Farmácia Bioquímica na modalidade de Indústria de Fármacos, Medicamentos e Alimentos, mestre em Alimentos e Nutrição, além de doutora e pós-doutora em Engenharia de Alimentos.
Durante o estudo, Silva considerou o fato de esse tipo de alimento ser bastante consumido e aceito por sua versatilidade. No formato biscoito, ele apresenta uma durabilidade bem maior, ultrapassando dois meses.
“Isso quer dizer que o arroz e o feijão podem ser ‘carregados’ em uma bolsa ou mochila e consumidos em qualquer outro dia, em muitas situações”, garante o pesquisador, salientando que o “Brasileirinho” encontra-se em processo de patenteamento e aguarda interesse da indústria para a transferência dessa tecnologia.
Opções para adeptos de outras dietas
Quando iniciou sua pesquisa, Silva notou que, nas prateleiras dos supermercados , havia (e ainda há) poucas opções para veganos, vegetarianos e pessoas com restrições na alimentação, pois geralmente biscoitos possuem alto teor de gorduras, muito sódio e um volume considerável de açúcar, além de serem pobres em fibras.
De acordo com publicação do Jornal Unicamp, nesse sentido, o estudo realizado na FEA/Unicamp atenderia, especialmente, a uma categoria de consumidor que está em franca expansão: a de consumidores de alimentos considerados saudáveis.
Na visão de Silva, há um interesse crescente nesse tipo de alimento, principalmente, pela associação da ingestão de gorduras e alimentos com baixo teor de fibras e outros elementos com a incidência de doenças crônicas atuais.
Análise sensorial
Quanto ao sabor, as cinco formulações do “Brasileirinho” foram bem aceitas pela maioria dos 120 provadores durante a análise sensorial. Os testes foram realizados no Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp), no município paulista de Hortolândia, e teve um diferencial: os voluntários foram submetidos a variados estímulos musicais ao provarem o biscoito.
O grupo era composto de universitários com idade entre 18 e 25 anos. Enquanto consumiam o “Brasileirinho”, ouviam música instrumental nos estilos blues, clássico, rock e samba. Houve também uma amostragem em que não se colocou o som, para efeito de comparação.
Na análise sensorial, a variação da aceitação foi significativa para todos os estilos, dependendo do atributo estudado (aroma, sabor, textura, etc.). As notas foram geralmente mais altas quando o “Brasileirinho” foi consumido ouvindo-se os estilos mais populares, rock e samba. Com a música clássica houve alterações pontuais na percepção do sabor. Já com o blues, se observou uma pontual diminuição na aceitação das formulações mais básicas, com menos misturas de ingredientes.
Música na hora de comer
O objetivo, ao submeter os provadores a estímulos musicais enquanto consomem o produto, era testar a hipótese de que a música pudesse interferir na percepção do consumidor de biscoitos. Silva explica que há vários mecanismos a serem estudados para se entender o que está composto nesse efeito que a música causa, seja por meio de impacto fisiológico, ou psicológico, seja o estado emocional, a familiaridade com o estilo ou memória musical, a preferência pessoal, ou mesmo a exposição musical involuntária.
A hipótese já tinha sido testada em estudo prévio no seu mestrado, cujo conteúdo foi publicado pelo Jornal da Unicamp na matéria “Os Ritmos do Paladar”.
O Departamento de Psicologia da Universidade de Oxford, no Reino Unido, foi o pioneiro no estudo nessa área, ao buscar os efeitos de alturas das notas musicais, e mesmo os timbres de instrumentos musicais e o consumo de alimentos. Mas, conforme o autor da pesquisa, a Unicamp foi pioneira quanto à associação entre estilos musicais e alimentos. Silva pretende aprofundar suas investigações em um pós-doutorado e, inclusive, tentar uma parceria com pesquisadores do Instituto de Artes (IA) da Unicamp.
Som e culinária
As análises e avaliações, fazendo uma ligação entre a música e culinária, têm sentido. O autor da tese é formado em Música, na modalidade Composição, pela Universidade de São Paulo (USP), e optou por mergulhar em áreas até então desconhecidas para conseguir produzir um alimento funcional.
Para Silva, a culinária é “a rainha de todas as artes”, daí migrar para uma área tão diferente daquela de sua formação inicial. Seu interesse na gastronomia começou quando mudou radicalmente a própria alimentação.
Silva frequentou disciplinas na FEA/Unicamp como aluno especial até que resolveu desenvolver o mestrado e, na sequência, o doutorado. Foi até para outras unidades da Universidade de Campinas, como a Biologia e a Medicina, cursar disciplinas para preencher lacunas em sua formação.
“Fiz mais que o dobro de créditos necessários para entender o universo envolvido na criação de alimentos mais saudáveis”, destaca o cientista.