Cera e óleo vegetal da carnaúba podem ser uma alternativa saudável para a produção de alimentos no lugar da gordura saturada, que é muito prejudicial à saúde humana
Em 2018, a Food and Drug Administration (FDA), órgão que regulamenta e controla os alimentos e medicamentos nos Estados Unidos, baniu o uso de gorduras trans e gorduras parcialmente hidrogenadas das formulações de alimentos, por conta dos danos causados à saúde humana. Pensando nisso, a pesquisadora na área de Ciências dos Alimentos Rafaela Airoldi, da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq), desenvolveu uma gordura à base de cera e óleo vegetal da carnaúba, considerada mais saudável e que já foi testada em sorvete de baunilha.
Airoldi conta que esta decisão do FDA é uma tendência que em breve deverá ser seguida pelo Brasil. Em razão disso, pesquisadores estudam formas de substituir a utilização de gorduras trans e hidrogenadas utilizando gorduras mais saudáveis, já que o consumo de gorduras hidrogenadas e saturadas está diretamente ligado às doenças do coração.
O produto é resultado de técnica de estruturação de óleos e gorduras para desenvolver o oleogel, junção de óleo vegetal e de cera da da carnaúba, para ser aplicado em formulações de alimentos. Com essa técnica é possível tornar um óleo vegetal, que é líquido em temperatura ambiente, em uma gordura sólida sem que haja alterações químicas no óleo.
A carnaúba, também chamada carnaubeira e carnaíba, é uma palmeira, da família Arecaceae, planta típica do semiárido da Região Nordeste do Brasil. É a árvore-símbolo do Estado do Ceará.
Primeiros testes
“As avaliações sensoriais e físico-químicas do sorvete se mostraram muito promissoras, principalmente com relação a aceitabilidade dos consumidores’’, diz Rafaela,
Ela selecionou o oleogel com óleo de soja e 6% de cera da palmeira para a formulação de três amostras de sorvete. A primeira, amostra controle, utilizou manteiga como fonte de gordura, e as outras duas variaram entre 50% e 100% de substituição da gordura pelo oleogel formulado.
Análises físico-químicas (agregação de ar, taxa de derretimento, microbiologia) e sensoriais (gosto e sensação causada pelo alimento) foram realizadas para saber se haveria diferenças significativas entre as amostras formuladas com o oleogel, comparada a amostra controle.
Um total de 51 participantes, entre alunos e funcionários da Universidade de Agricultura e Tecnologia do Estado de North Carolina, avaliaram as amostras de forma individual nos quesitos aparência, sabor, textura e aceitabilidade geral.
O resultado mostrou que com relação à aparência, 48 participantes gostaram da amostra controle, seguida por 46 e 41 para as amostras de 50% e 100% de substituição, respectivamente.
Já em relação ao sabor, 43 participantes gostaram da amostra controle, comparado a 36 e 35 para a segunda e terceira amostra. Por fim, com relação à textura, não houve diferença entre as amostras.
Na categoria “aceitabilidade geral”, a amostra utilizando 50% de oleogel obteve 58,8% de aceitação, seguida de 50,98% para a amostra com 100%.
Outras experiências
A cera da carnaúba já é utilizada há muitos anos como uma espécie de impermeabilizante, seja nas pranchas dos surfistas e no polimento de automóveis, ou na indústria para cobertura de pratos de papel e fio dental, e na indústria farmacêutica, na cobertura de comprimidos.
Recentemente, um estudo desenvolvido pela Unidade Instrumentação (SP) da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), feito em parceria com a empresa Tanquímica, mostrou que a carnaúba também pode ser aplicada nas cascas das frutas, sendo capaz de preservar a qualidade e prolongar o tempo de vida dos frutos em 15 dias a mais, em média, comparado ao revestimento convencional.
Uma nanoemulsão de cera de carnaúba usada em experimentos com mamão, laranja, tangerina e tomate demonstrou ser uma ferramenta promissora no revestimento de frutos por formar uma barreira contra a perda de umidade, troca de gases e ação microbiana.
“Em todos os ensaios, os frutos revestidos com a nanoemulsão demonstraram menor perda de massa, quando comparados a frutos não revestidos e àqueles com emulsões comerciais”, relata Marcela Miranda, doutora em Ciência de Alimentos.
Ela conta ter também observado “que o tempo de conservação com nanoemulsão foi maior com consequente manutenção da firmeza, assim como menor incidência em podridões”.
Marcela atribui o resultado à adequada troca gasosa, durante a qual os processos fermentativos foram minimizados em comparação àqueles observados em ceras de origem sintética ou resinas.
Além de constatar que a síntese de emulsão de cera de carnaúba na forma de nanoemulsão é possível, os ensaios de análise sensorial visual demonstraram que os frutos revestidos com as partículas ultrafinas foram os preferidos e mais aceitos para o consumo nas formas in natura e processada.
Os resultados indicam que a escolha se deve à aparência visual conferida pelo menor tamanho de partícula do revestimento.