Durante muitos anos, o único cogumelo comestível conhecido pela grande maioria dos brasileiros era o “Champignon de Paris”. Apesar de ainda ser o mais consumido, outras espécies de cogumelos tornaram-se conhecidas no Brasil graças à influência dos imigrantes de origem asiática, em especial do Japão e China, e seu cultivo e consumo estão em plena expansão no país. Cogumelos como o “shimeji” e o “shiitake”, cultivados para atender apenas a nichos restritos do mercado, foram ganhando o gosto de número cada vez maior de pessoas, revelando que o Brasil é, na verdade, um grande mercado ainda a ser explorado.Este panorama de um mercado em expansão, associado ao fato de que os cogumelos podem ser cultivados em pequenas áreas e possuem um valor agregado maior do que qualquer outro produto agrícola, tornam essa atividade de extrema importância para pequenos proprietários rurais.
A fungicultura, no entanto, é uma atividade que requer um suporte tecnológico adequado para que haja sucesso no empreendimento e cada espécie de cogumelo requer uma abordagem específica. O shiitake, depois do “champignon”, é o cogumelo mais consumido no Brasil e com a melhor perspectiva de crescimento no mercado.
Cultivo tradicional de Shiitake em toras de eucalipto
O shiitake é o segundo cogumelo de maior mercado no Brasil. Seu consumo vem crescendo a cada ano, gerando uma demanda reprimida, já que fora do estado de São Paulo, o número de produtores é muito pequeno. Hoje há uma grande demanda em vários estados, principalmente os do Sul, Sudeste e Distrito Federal, mas as empresas que atuam como distribuidoras encontram dificuldades por causa do pequeno número de fornecedores.
O shiitake é um cogumelo de cultivo relativamente fácil em termos operacionais, mas, nem sempre responde bem aos procedimentos de indução da frutificação, fazendo com que o produtor às vezes tenha dificuldade para manter o fornecimento do produto.
O sistema de cultivo mais tradicional para o shiitake no Brasil é o que utiliza toras de eucalipto, devido às facilidades operacionais e de infraestrutura. Outras espécies arbóreas poderiam ser utilizadas para o seu cultivo, mas o eucalipto tornou-se a melhor alternativa pelo fato de ser um recurso renovável, dispensando a necessidade de utilização de espécies nativas, o que inviabilizaria por completo este sistema de cultivo, por razões ecológicas óbvias. Várias espécies de eucalipto podem ser utilizadas, havendo uma restrição apenas para aquelas que produzem muita resina ou essências aromáticas como E. citriodora.
O processo de cultivo de shiitake em toras compreende as etapas de aquisição das toras, confecção dos furos, inoculação e vedação dos furos, incubação, indução da frutificação, frutificação e colheita e comercialização.
Aquisição das toras
Deve-se dar preferência a toras de casca grossa, mas uniformes e não resinosas. As toras devem ter em torno de 1 metro de comprimento e 10 a 15 centímetros de diâmetro e devem ter pouco cerne, porque o alborno é a parte mais apropriada para o desenvolvimento do fungo. Tem-se recomendado o corte das toras no outono, quando as propriedades da madeira seriam mais favoráveis para o crescimento do fungo e a casca ficaria mais aderente ao tronco. Entretanto, ainda não há embasamento científico para essas recomendações. Após o corte, as toras precisam passar por um período de exsudação para o escorrimento do excesso de seiva, evitando problemas na etapa de vedação dos furos de inoculação. O período de exsudação pode ser de 1 a 3 dias, dependendo da umidade relativa do ar (o processo é mais recomendado em regiões muito úmidas). Para isto, as toras são mantidas em pé ou em forma de malhas (fogueira), em local protegido da incidência direta do sol e da chuva.
Confecção dos furos
É recomendável se utilizar uma furadeira elétrica de 3.500 rpm ou, no mínimo, de 2.500 rpm, e brocas de 12 mm. Os furos devem ser de 2 cm de profundidade e apresentar uma distância de 15 cm entre si numa linha, precisando cada linha estar a 5 cm uma da outra. Além disso, as linhas devem ser dispostas de maneira que os furos apresentem um sistema de ziguezague, ou seja, os furos de uma linha não podem estar alinhados com os furos da próxima linha. O importante é que os furos sejam feitos de maneira a garantir uma colonização uniforme de toda a tora. Este é um método convencional normalmente recomendado, porém não o único. Um aspecto importante é que deve-se fazer um número de furos que garanta uma rápida colonização das toras. Por outro lado, uma quantidade excessiva de furos resulta num maior gasto de “semente” sem um retorno em termos de velocidade de colonização.
Inoculação e vedação dos furos
A inoculação é feita com “semente-inóculo” obtida de fornecedores idôneos, considerando que a produção de “semente” requer uma tecnologia mais refinada, necessitando de profissionais treinados para esta função. Uma “semente” de baixa qualidade pode comprometer completamente a produção do cogumelo. Além disso, é de fundamental importância um planejamento da época de inoculação, para que a “semente” seja encomendada, pelo menos, um mês antes do início da inoculação. Ao receber a “semente”, é preciso mantê-la em ambiente escuro e fresco (no máximo por 3 meses), até o momento da inoculação, procedimento a ser realizado o mais rápido possível, para que ela não perca o seu potencial de crescimento. A inoculação precisa ser feita em local protegido de chuva e/ou ventos fortes ou em dias ensolarados e sem ventos fortes e à sombra. Antes de iniciar a inoculação, o operador deve passar álcool em todos os utensílios e nas próprias mãos para evitar contaminações. A inoculação pode ser realizada com inoculadores apropriados encontrados no mercado, os quais são calibrados para a quantidade exata de “semente” para cada furo.
Após a inoculação, os furos são vedados, utilizando-se parafina (70%) e breu (30%) aquecidos a 110-120oC em fogareiro a gás ou aquecedor elétrico. Alguns produtores utilizam também 1% de piche na mistura para garantir a elasticidade. A maneira mais simples é utilizar o fogareiro e aquecer a mistura até que comece a liberação de uma fumaça esbranquiçada. A aplicação da parafina pode ser feita utilizando-se uma esponja de aço (tipo bombril) amarrada na ponta de um bastão qualquer. É necessário se pincelar a região dos furos duas vezes para se garantir uma boa vedação.
Incubação
A incubação refere-se ao período de crescimento do micélio no interior da tora. O local de incubação deve ser protegido da incidência direta do sol, podendo-se usar sombrite 70% a 90%, cobertura de bambu ou até mesmo a sombra de árvores. As toras são empilhadas em fileiras sobrepostas num sistema de fogueira, como mostra a foto da próxima página. As pilhas devem ter uma altura máxima de 1,7 m e uma distância de pelo menos 1 m entre si. Cada pilha deve ser formada sobre uma base de 5 a 10 cm de altura do chão, para evitar contato direto das toras com o solo. Preferencialmente, o local deve ter piso de terra coberto com cascalho.
Para manter a umidade das toras, pode-se utilizar aspersores ou mangueiras perfuradas. As toras deverão ser molhadas frequentemente de duas a três vezes por dia, dependendo da região. Se a umidade for insuficiente, poderá ocorrer o desprendimento da casca e da parafina, podendo ocorrer também o rachamento da própria tora. Por outro lado, o excesso de umidade pode também causar o desprendimento da casca e o surgimento de fungos contaminantes. No entanto, sempre será preferível o excesso de umidade em vez do ressecamento das toras, porém, tendo-se o cuidado de se observar o estado da madeira regularmente.
O período de incubação deve durar, no mínimo, seis meses, para que o fungo possa crescer no interior da madeira. Este tempo pode prolongar-se para até 12 meses, dependendo das condições de cultivo. Durante esse período, observa-se um amolecimento gradativo da madeira. Após 2 a 3 meses, a região próxima ao furo mostra-se mole ao ser pressionada com os dedos. É interessante observar também o aspecto da semente nos furos; uma coloração amarelada indica que a mesma está viva, enquanto que a cor preta indica a sua morte. Esse período inicial de 3 meses é o mais crítico para o desenvolvimento do fungo, requerendo maiores cuidados do produtor. Com o tempo, a cor amarelada passa a ficar escura, o que é normal. Após os 6 meses, pode-se cortar 5 cm de cada lado de uma tora e observar o estado de decomposição da madeira. A tora bem colonizada apresenta-se altamente decomposta, com coloração amarelo esbranquiçada e com cheiro característico do shiitake.
Indução
A produção dos cogumelos ocorre naturalmente, porém, para que se tenha uma produção maior e mais uniforme, recomenda-se fazer a indução da frutificação. A indução pode ser feita quando se observar os primeiros sinais de primórdios nas toras, mergulhando-as completamente em água a temperatura ambiente, ou resfriada cerca de 5o C em relação à temperatura do ar. O tempo de imersão pode ser de 8 horas, na época de calor, podendo chegar até 24 horas em períodos mais frios, dependendo da região. Toras mais antigas devem ficar imersas de 6 a 12 horas além do tempo normal. É preciso se utilizar água de boa qualidade, pH entre 4,5 e 6,5, livre de resíduos orgânicos e químicos, como agrotóxicos.
Resultados de pesquisa indicaram que o choque mecânico pode contribuir para uma maior produção de cogumelos, por isso, após retirar as toras da água, as mesmas podem ser submetidas a este tratamento antes de seguir para o ambiente de frutificação. Um método simples é segurar a tora na vertical a 30cm do chão e deixar que a mesma caia naturalmente (não é necessário deixar que a mesma tombe no chão), repetindo o processo por três vezes. À medida que as toras vão envelhecendo, o choque mecânico pode ser um problema, uma vez que toras em estado mais avançado de decomposição podem ser desfazer. Por isso, o produtor deve ter bom senso ao utilizar este procedimento.
Frutificação e colheita
Após o processo de indução, as toras devem ser colocadas em pé, apoiadas em uma parede ou suporte próprio (este procedimento facilita o desenvolvimento dos cogumelos e a colheita), em local coberto e protegido de animais e insetos, com temperatura entre 22o e 25o C e alta umidade relativa do ar (80 a 90%). Para manter a umidade do ar elevada e para controlar a temperatura em dias quentes, é necessário se molhar o chão e as paredes até o terceiro ou quarto dia. Não se recomenda jogar água diretamente sobre as toras nesta fase, porque os cogumelos podem ficar encharcados, diminuindo a sua vida útil durante o armazenamento.
A colheita começa normalmente entre 7 e 9 dias após a indução, dependendo da região. Os cogumelos devem ser colhidos quando atingirem 60% a 70% de abertura do píleo, porque, quando colhidos completamente abertos, perdem valor comercial e tempo de prateleira.
Após a colheita, as toras deverão ser novamente empilhadas para o período de descanso ou de recuperação. Esse período dura, normalmente, entre 30 e 60 dias, sendo sempre necessário entre uma colheita e outra. Durante esse tempo, deve-se continuar molhando as toras e, depois, dar novamente o choque para novo ciclo de frutificação.
A cada ciclo de produção, a tora vai se tornando muito leve, quebradiça e com menos nutrientes, provocando uma queda na produção, até um ponto em que torna-se necessária a sua substituição. Em condições normais, pode-se conseguir 200 g de cogumelos frescos por tora em cada colheita, podendo-se chegar até 400 g por tora, em condições ótimas. Cada tora pode produzir satisfatoriamente até 5 ou 6 colheitas.
Para isto, recomenda-se aumentar o tempo de recuperação depois da segunda colheita (45, 50 e 60 dias para a terceira, quarta e quinta colheitas, respectivamente). Além disso, pode-se aumentar o tempo de imersão na água no processo de indução.
Cultivo de shiitake em substrato axênico
O sistema de cultivo axênico apresenta uma série de restrições para o pequeno produtor. A necessidade de esterilização do substrato e inoculação em ambiente controlado requer um investimento relativamente alto em infraestrutura. Por isso, para pequenos produtores, trata-se de um sistema de difícil acesso, sendo mais recomendável a aquisição do substrato já colonizado, pronto para induzir a frutificação.
Para o cultivo do shiitake em sistema axênico, o substrato mais utilizado tem sido a serragem suplementada com algum tipo de farelo (trigo ou arroz, por exemplo) na concentração de 10%, gesso (2%) e calcário (2%). Alguns produtores utilizam substratos mais ricos, contendo mais de um tipo de farelo.
Preparo do substrato
O substrato, após ser bem misturado, deve ser acondicionado em sacos de polipropileno, e depois submetido ao processo de esterilização em autoclave a 121oC por 2 horas, repetindo-se o processo após 24h.
A inoculação deve ser feita logo após o resfriamento do substrato, utilizando uma proporção de 1-2% de semente em relação ao peso do substrato. Após a inoculação, os sacos são transferidos para uma sala com baixa luminosidade, com temperatura entre 22o e 25oC.
Depois que o micélio coloniza todo o substrato, começa a formação de uma capa micelial espessa, de coloração marrom, importante para a manutenção da umidade e preservação contra a contaminação do substrato, além da função de sustentação dos cogumelos. Para facilitar a formação dessa capa, recomenda-se desgrudar o plástico do bloco colonizado, mudando a sua posição.
Outra opção é a remoção do saco plástico logo após a colonização do substrato, fazendo com que a superfície do micélio se transforme nessa capa marrom e coriácea. Entretanto, em ambientes poucos controlados, a segunda opção pode resultar em altos índices de contaminação e, por isso, alguns produtores preferem apenas virar os sacos, de modo que a parte que estava no fundo do saco, passa a ser uma das laterais do bloco. Esse manejo permite que o plástico seja desgrudado do bloco colonizado, favorecendo a formação da capa marron.
De acordo com a literatura, para uma boa produtividade do shiitake em serragem ou outros substratos, deve-se incubar o substrato por um período de, pelo menos, três meses antes de induzir a frutificação.
Indução da frutificação
A indução dos primórdios pode ser feita reduzindo-se a temperatura de 25oC para 15oC, mantendo-se os blocos nesse ambiente durante todo o período de frutificação. Entretanto, para as condições brasileiras, isso pode representar um custo elevado, por isso, alguns produtores, preferem usar a temperatura fria apenas para induzir a frutificação por um período de 12 a 24 horas, retornando os blocos para a temperatura ambiente.
Outra técnica utilizada é deixar os blocos imersos em água fria (16oa 20oC) por, pelo menos, 12 horas. No entanto, esse sistema apresenta maior risco de contaminação. Os sacos podem ser abertos, expondo apenas a parte superior, ou completamente removidos, expondo completamente o substrato, dispondo os blocos em prateleiras. Durante o período de frutificação, a umidade deve ser mantida entre 85% e 90%. Após a primeira colheita, os blocos podem ser lavados e mantidos por um período de 15 a 45 dias para recuperação até a segunda colheita. A partir do segundo fluxo, pode ser interessante fazer a indução da frutificação em água fria para permitir a recuperação da umidade dos blocos. Normalmente, a produção dura de 3 a 5 meses.
Comercialização dos cogumelos
O glamour do mercado de cogumelos especiais no Brasil está na sua comercialização “in natura”, estágio no qual eles apresentam as suas melhores qualidades organolépticas. O único cogumelo que apresenta um mercado consolidado na forma de conserva, com elevado índice de aceitação, é o Champignon. Entretanto, é muito interessante para o produtor de cogumelos especiais, como o shiitake, ter opções de comercialização do seu produto.
Em função das dificuldades de oferta do produto durante todo o ano, tem se tornado comum a aceitação do produto na forma desidratada, que estende em muito o tempo de prateleira e permite que restaurantes, por exemplo, possam manter o produto em estoque para evitar a escassez em certos períodos do ano. Assim, tem se tornado bastante comum encontrar vários tipos de cogumelos desidratados em supermercados, padarias e lojas de produtos finos (delicatessens).
Outra opção bastante atraente, em especial para o shiitake, é a produção de antepastos que, apesar de um tempo de prateleira muito menor do que o cogumelo desidratado, possuem um sabor inigualável, quando bem preparados. Para o futuro, será interessante o desenvolvimento de técnicas de preservação dessas “conservas” para permitir um tempo maior de prateleira e tornar o processo viável em escala industrial.