“Embora não seja considerada uma enfermidade de grande risco pandêmico, é evidente que a raiva deve ser foco de avaliação de risco e prevenção, pois apresenta um elevado risco para a saúde pública”, diz especialista
No início de maio, o Rio de Janeiro diagnosticou o primeiro caso de raiva animal, depois de 26 anos. O estado não registrava casos da doença em cães e gatos desde 1995. O caso foi encaminhado por um veterinário de Duque de Caxias, região metropolitana do estado, que prestou atendimento a um cão que morreu no dia 6 de maio, depois de atacado por um morcego.
Em março do ano passado, um adolescente de 13 anos morreu vítima de raiva humana, após também ser mordido por um morcego, dois meses antes, em Angra dos Reis, sul fluminense.
Os casos despertaram um alerta do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) sobre essa zoonose. A doença infecciosa viral que acomete mamíferos, inclusive seres humanos, é causada pelo vírus do gênero Lyssavirus, da família Rhabdoviridae e se manifesta por meio de uma encefalite progressiva e aguda, que mata cerca de 40 mil pessoas no mundo, a cada ano, a maioria, na Ásia e na África.
Quando não tratada, a raiva evolui para óbito em quase 100% dos casos e, nos sobreviventes, deixa sequelas gravíssimas.
“Faz-se prioritária a orientação de médicos-veterinários para a conscientização do público em geral voltada a aspectos de risco de transmissão de vírus da raiva por mamíferos não tradicionais, as formas de prevenção e ações pós-exposição ao vírus”, alerta Nélio Morais, presidente da Comissão Nacional de Saúde Pública Veterinária do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CNSPV/CFMV).
Raiva no Brasil
No Brasil, muito por conta do Programa Nacional de Profilaxia da Raiva (PNPR), instituído em 1973, o Brasil alcançou resultados relevantes no controle da raiva urbana. Desde 2004, houve significativa redução dos casos de raiva em cães e gatos, tornando a enfermidade praticamente eliminada dos centros urbanos do país. Consequentemente, caiu também a ocorrência de casos humanos por transmissão dessas espécies.
As ações de vacinação antirrábica canina e felina resultaram em um grande ganho para a saúde pública, permitindo que o país saísse de um cenário anual de mais de 1.200 cães positivos para raiva e taxa de mortalidade de raiva humana por cães de 0,014/100 mil habitantes, em 1999, para nove casos de raiva canina e nenhum registro de raiva humana por cães, em 2018.
De acordo com o Ministério da Saúde, 2020 foi o quinto ano consecutivo sem casos de raiva humana por variante canina. Hoje, no Brasil, o morcego é a principal espécie transmissora.
Segundo dados atualizados em dezembro de 2020, pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (SVS/MS), entre 2010 e 2020, foram registrados 39 casos de raiva humana. Já o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que recebe as notificações de raiva animal, informa que, de 2009 a 2019, foram notificados 49.562 casos em nove espécies, como bovinos, equídeos, cães e gatos, entre outros.
“Embora não seja considerada uma enfermidade de grande risco pandêmico, é evidente que a raiva deve ser foco de avaliação de risco e prevenção, pois apresenta um elevado risco para a saúde pública. Pesquisas e desenvolvimento nas áreas de vigilância, monitoramento e formas de diagnóstico precoce são necessários. Esforços para entender e encontrar os gatilhos do desenvolvimento do quadro clínico e mitigar as causas de sua ocorrência devem ser encorajadas”, assinala Morais.
O que fazer em casos suspeitos ou confirmados de transmissão em humanos?
O gerenciamento atual para alguém exposto ao vírus da raiva é a Profilaxia Pós-Exposição (PEP), a qual deve ser iniciada o mais precocemente possível. Alguns fatores devem ser considerados para a adoção do esquema profilático adequado, como o tipo de exposição, a localização da agressão, o animal agressor e a condição do animal agressor, dentre outros, conforme orientação do Ministério da Saúde.
Até o momento, a PEP tem taxa de sucesso de quase 100%, quando administrada corretamente, ou seja, logo após a exposição ao vírus. Como resultado, há poucos casos de raiva hoje, no Brasil, enquanto no mundo 95% deles ocorrem na Ásia e na África, onde a atenção médica após a exposição ao vírus ainda permanece como uma lacuna na atenção ao paciente. Isso significa que é possível evitar essa zoonose, desde que seja possível a realização da PEP apropriada.
Os principais cuidados de prevenção são: manter em dia a vacinação de animais domésticos; evitar contato com animais silvestres, em especial morcegos; e prestar atendimentos de profilaxia imediatos, em caso de mordedura, arranhadura ou lambedura de ferimentos, meios pelos quais o vírus é transmitido.
Como é a raiva canina?
Com uma evolução muito rápida, a raiva entre cães não tem cura. Trata-se de uma doença infecciosa causada por um vírus.
“O vírus se liga aos nervos do hospedeiro e, por dentro deles, migra até o cérebro, causando inflamação dos tecidos afetados”, explica a médica-veterinária da Petz, Kelli Nicida.
O vírus da raiva se aloja, entre outros tecidos, nas glândulas salivares do doente. Como a doença causa agressividade, a mordida é a principal forma de animais infectados, como cães e morcegos, passarem o vírus adiante.
O que muita gente não sabe, é que a doença também pode ser contraída a partir de outros animais, como guaxinins e gambás. Por isso, todo cuidado é pouco com pets que vivem em áreas externas em sítios ou casas de campo.
Sintomas
No imaginário popular, a principal imagem da raiva em cães e gatos é um animal babando, com a boca cheia de saliva esbranquiçada. Isso se deve, principalmente, a sintomas de uma das etapas da doença. Mas, na verdade, a Dra. Kelli explica que a raiva canina apresenta diferentes estágios e, durante sua evolução, os sintomas também podem mudar.
Popularmente, fala-se em “raiva furiosa” e “raiva paralítica”. Na verdade, é a mesma doença, em etapas distintas. O período conhecido como “raiva furiosa” é a primeira fase. Com duração de 1 a 4 dias, ela costuma causar alterações de comportamento no cão, como:
- Excitação;
- Agressividade;
- Medo;
- Depressão;
- Ansiedade,
- Demência.
Após a fase furiosa, tem início a chamada “raiva paralítica”, na qual se acentuam os sintomas neurológicos, como:
- Dificuldade de engolir;
- Salivação;
- Falta de coordenação dos membros,
- Paralisia.
A raiva é evolui muito rapidamente. Quando chega à segunda fase, o cachorro geralmente vai a óbito em 48 horas.