Os fundamentos para o cenário preocupante são os altos custos de produção e a baixa margem de lucro
Embora as projeções apontem para um futuro promissor, por conta da expectativa de aumento da população mundial, os especialistas da Embrapa Gado de Leite (MG) sugerem cautela ao setor lácteo em relação a 2022. Eles acreditam que fatores decorrentes da pandemia, como desemprego, redução de renda e endividamento das famílias, continuarão impactando o setor, que terá, ainda, de se adaptar a custos de produção ainda mais altos.
Para o analista José Luiz Bellini, da equipe do Centro de Inteligência do Leite da Embrapa, a pandemia continua e mantém as incertezas na economia mundial. “Nos dois últimos anos, praticamente todas as cadeias mundiais de produção e suprimento sofreram com a elevação dos custos e problemas de abastecimento, provocando inflação generalizada”, argumenta.
Se em 2020 a cadeia produtiva contou com auxílio emergencial de R$ 600,00, concedido pelo governo federal, o mesmo não aconteceu no ano que se encerrou. O dólar se manteve em patamar elevado, numa curva de ascensão que antecede à pandemia.
Nos últimos três anos o aumento da taxa cambial alcançou 44% e elevou a inflação a dois dígitos, o que não acontecia desde 1994, o que contribuiu para uma queda de 20% na renda das famílias, comparado a 2019.
Boa notícia
“Porém, diversas projeções apontam para um futuro mais promissor”, alivia Bellini. Ele conta que, uma boa notícia, num horizonte de longe prazo, segundo a Tetra Pak, produtora mundial de embalagens para o setor lácteo, é o crescimento esperado de 36%, impulsionado pelo aumento da população mundial e pela elevação do poder aquisitivos nos países da Ásia, África e América Latina.
Na mesma linha, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) afirma que a produção mundial de leite irá crescer em todo o planeta.
O Brasil fechou 2021 com 142 milhões de litros exportados e um saldo negativo na balança comercial de lácteos superior a 800 milhões de litros. “O grande desafio do setor é tornar o Brasil autossuficiente e aumentar, de forma substantiva, a sua presença no mercado internacional de lácteos”, argumenta Bellini.
Para isso, o analista faz algumas recomendações aos pecuaristas e laticinistas: aumentar a escala de produção e a produtividade total dos fatores; investir em assessoria técnica profissional de forma continuada; dar suporte aos esforços de exportação; reduzir a ociosidade das plantas beneficiadoras; melhorar a governança da cadeia, estabelecendo vínculos estratégicos a longo prazo; melhorar a logística e reduzir custos de produção; e investir na qualidade da matéria-prima e dos produtos lácteos.
O peso dos custos
O aumento nos custos de produção de leite foi um dos agravantes na atual crise do setor. O índice de custo de produção, calculado pela Embrapa Gado de Leite (ICPLeite) que acumulava uma elevação de 10,7%, em 2020, atingiu 30,0% em 2021, achatando a margem de lucro dos produtores.
De acordo com o pesquisador da Embrapa Samuel Oliveira, o item de maior peso nesse índice foi a alimentação do rebanho. O preço da soja e do milho, utilizados na formulação da ração concentrada, em curva ascendente há cinco anos, disparou durante a pandemia. Para se ter uma ideia, a produção e a compra de volumosos registraram aumento de 75%, a alimentação concentrada, 26%, e o sal mineral, 53%.
Os outros fatores que também pressionaram os custos foram a alta da energia elétrica e a dos combustíveis, com elevação de 27% em 12 meses, Vale lembrar que o preço do petróleo também impacta o preço dos fertilizantes.
De acordo com as análises da Embrapa Gado de Leite, os custos mais elevados de produção e redução de preços reais recebidos pelos produtores, na faixa 5% em, 2021, encolheram as margens de lucro.
Preços em queda
Em 2020, o preço real líquido do leite pago ao produtor fechou o ano em R$ 2,44, ante R$ 2,13 em dezembro do ano passado. No mercado spot (compra de leite entre laticínios), a queda foi ainda maior: dados de dezembro de 2021 apontavam um preço médio de R$ 2,08 em Minas Gerais. Na entressafra desse mesmo ano, o leite no mercado spot mineiro alcançou o pico de R$ 2,78.
No atacado dos itens processados pelos laticínios, os principais produtos também registraram queda real de preços em 2021. O preço do leite UHT caiu 8,9%, passando de R$3,88/litro em 2020 para R$3,53/litro em 2021. O queijo mussarela foi o que mais subiu de preço no primeiro ano de pandemia e encerrou o ano passado próximo do seu preço histórico (R$ 27,30/kg, em 2020.
O produto chegou a ser vendido pela indústria por cerca de R$ 30,00/kg). Segundo Bellini, os valores na indústria também sofreram os impactos dos custos de produção, logística e energia.