Bilhões de animais se movimentam por terra, ar e água todos os dias, conectando as regiões mais remotas e inacessíveis do planeta. Acompanhar essa movimentação em tempo quase real, no entanto, é bem difícil pelo fato de as tecnologias convencionais, hoje existentes para o rastreamento global via satélite, excluírem em torno de 75% das aves e mamíferos, especialmente porque a maioria deles é de pequeno porte, conforme publicação da Agência Fapesp, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.
As redes de telefonia móvel usadas para rastrear os animais, atualmente, não funcionam em muitas partes do mundo, especialmente em localidades de terra aberta, montanhas, florestas, desertos e mares.
Já os sistemas de comunicação direta, baseados em UHF e VHF, não fornecem a faixa necessária. E os sistemas de comunicação por telefone via satélite não podem ser miniaturizados o suficiente, conforme alegam especialistas na área.
A solução para esse problema deve, então, vir do céu. Batizado de Icarus (sigla de International Cooperation for Animal Research Using Space), um consórcio internacional de pesquisa está se preparando para iniciar a operação de um ambicioso projeto de rastreamento de todos os tipos de fluxos migratórios de animais, em escala mundial, a partir do espaço.
Segundo publicação da Agência Fapesp, os dados coletados pelo projeto – liderado pelo Instituto Max Planck de Ornitologia (Áustria), em parceria com a agência espacial russa Roscosmos e o Centro Espacial Alemão (DLR) – estão previstos para serem liberados para uso científico no início de 2019.
Rastreamento por tags
“As informações obtidas por meio do projeto permitirão compreender a história de vida dos animais de forma muito melhor, identificar hot spots de biodiversidade animal ou regiões onde essa biodiversidade tem sido perdida”, diz Daniel Piechowski, pesquisador do Instituto Max Planck de Ornitologia e participante do projeto.
Ele acrescenta que também será possível “compreender melhor a disseminação de zoonoses [doenças transmitidas por animais], fazer novas descobertas sobre mudanças climáticas e prever desastres naturais, entre outras aplicações”.
Para rastrear os animais, os pesquisadores integrantes do projeto irão implantar minúsculos radiotransmissores, conhecidos como tags (etiquetas), que foram desenvolvidos ao longo dos últimos 16 anos.
As tags são carregadas com um receptor GPS, acelerômetro 3D e sensores de temperatura, umidade, pressão, altitude e frequência cardíaca. Dessa forma, conseguem coletar dados sobre a aceleração, a temperatura ambiente e a orientação dos animais em relação ao campo magnético da Terra e registrar suas rotas.
Modo econômico
Os dispositivos também são equipados com painéis solares e baterias recarregáveis, com o intuito de operarem em modo econômico de baixa energia.
Piechowski explica que as tags de geolocalização existentes nos dias atuais, que estão implantadas nos animais, “queimam muita energia”, transmitindo dados por meio de redes de telefonia celular ou sistemas de satélite.
“As tags desenvolvidas no projeto usam um esquema especial de codificação de acesso múltiplo por divisão de código [CDMA, na sigla em inglês] para se comunicar com satélites, usando muito pouca energia”, informa o professor.
Os menores dispositivos pesam 2,5 gramas, mas os pesquisadores pretendem diminuir ainda mais o peso e o tamanho deles de forma que seja possível implantá-los em abelhas e gafanhotos, por exemplo.
“O ideal é que os dispositivos ligados aos animais não tenham peso superior a 3% da massa corporal deles, de modo a não afetar seu comportamento natural”, diz Piechowski.
Captação de dados
Os dados coletados pelos sensores das tags de geolocalização são captados por três antenas receptoras, de 200 quilos cada, enviadas para a Estação Espacial Internacional (ISS) em um foguete Soyuz, em fevereiro de 2017, e instaladas em agosto do ano passado.
As antenas juntaram-se a um computador, também enviado à ISS em outubro de 2017, que funcionará como o “cérebro” do projeto.
Ao entrarem no feixe da ISS – o que ocorre, aproximadamente, quatro vezes ao dia –, os transmissores implantados nos animais recebem um sinal do computador em órbita para serem ativados. A partir desse momento, eles têm dois segundos para enviar os dados coletados para as antenas receptoras.
O computador a bordo da ISS separa, analisa, limpa os dados e os retransmite para uma estação terrestre. Todos os dados – exceto os mais sensíveis para a conservação de espécies, como a localização de rinocerontes – serão publicados em um banco de dados online de código aberto desenvolvido pela equipe do projeto: o Movebank.
“Em suma, o projeto é uma internet das coisas, via satélite, ou ‘internet dos animais’, que permitirá conectá-los com os humanos”, avalia Piechowski.
Até o início de 2019, o projeto contará com mil transmissores em campo. Os pesquisadores pretendem, porém, aumentar esse número para cem mil em um curto período de tempo.
Combate de epidemias globais
A expectativa do consórcio é que o conhecimento sobre a movimentação dos animais em diferentes partes da Terra e as maneiras pelas quais eles interagem com os humanos ajude, por exemplo, no combate das epidemias globais.
Cerca de 70% das epidemias globais, como a SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave), o vírus do Nilo Ocidental e a gripe aviária originam-se como zoonoses, provocadas pela interação entre os animais e os seres humanos.
Por essa razão, dados globais sobre a movimentação de animais, em rede internacional, ajudariam a prever a ocorrência de surtos dessas doenças e proteger a saúde humana, avaliam os pesquisadores.
De acordo com a Agência Fapesp, para isso ocorreu, no entanto, é preciso obter respostas para questões fundamentais, como a localização de um animal em qualquer ponto de sua vida, qual seu estado interno, que atividade está realizando e quais as razões de sua morte – o que ajudaria a protegê-los.
“Nenhuma dessas questões fundamentais foi suficientemente respondida para animais que vivem na natureza em períodos de médio ou longo prazo, especialmente para aqueles pequenos, que são de suma importância para a humanidade, como aves e morcegos, porque são disseminadores de doenças”, afirma Piechowski.
Pragas agrícolas e desastres geológicos
O rastreamento da movimentação dos animais também poderia ajudar a prever pragas agrícolas e desastres geológicos, como terremotos, erupções vulcânicas e tsunamis, conforme apontam os pesquisadores.
No caminho para o sul, por exemplo, as cegonhas geralmente descansam nas proximidades de criadouros de gafanhotos na borda sul do Saara. Dessa forma, esses pássaros indicam, exatamente, onde esses enxames de insetos estão e para onde poderiam migrar.
Em testes do sistema em campo, equipando animais maiores com as tags e coletando dados via antena terrestre, os pesquisadores alemães foram capazes de prever erupções do Monte Etna, na Itália, com seis horas de antecedência, observando padrões de movimento de cabras nas encostas do vulcão.
“Sabemos que espécies de animais, como os elefantes, também são capazes de prever terremotos. Podemos estudar o comportamento desses e outros animais para prever desastres naturais e avaliar os impactos das mudanças climáticas e do desmatamento de florestas, por exemplo, com maior acurácia”, diz Piechowski.
Para mais informações sobre o projeto Icarus, acesse www.orn.mpg.de/ICARUS.
Fonte: Agência Fapesp