Cada vez mais, esse produto tem atraído adeptos do consumo consciente, tanto que a oferta está aquém da demanda
A cadeia produtiva do leite orgânico deve ocorrer de maneira integrada, já que está baseada na cultura agroecológica. Seus princípios são fundamentados no manejo mais natural e menos químico das terras e dos pastos, o que contribui para o aumento da biodiversidade dos microrganismos no solo, fixação de carbono, redução de pastagens degradadas, entre outros fatores que beneficiam o meio ambiente.
A análise é da zootecnista, doutora em Nutrição e Produção de Ruminantes e coordenadora de Leite da Premix, Elissa Forgiarini Vizzotto, segundo a qual a produção de leite orgânico também deve se apoiar em técnicas de bem-estar animal e mitigação do uso de parasitários e antibióticos, colaborando para a redução da resistência antimicrobiana.
De acordo com Elissa, a produção orgânica está presente em quase todos os países do mundo, sendo que 85% do consumo de alimentos orgânicos se concentra na América do Norte e na Europa, que detêm apenas um quarto da área agrícola de orgânicos do mundo.
“No segmento mundial de alimentos e bebidas orgânicos, o leite representa 20% de todas as vendas e permanece somente atrás dos itens frutas e legumes”, cita. A zootecnista acrescenta que durante a última década a produção de laticínios orgânicos aumentou rapidamente nos Estados Unidos, onde o mercado consumidor de leite orgânico cresceu de 1,9% a 5,0% em comparação às vendas totais de leite.
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“No entanto, analistas apontam uma estagnação no mercado desse produto naquele país. A procura por leite orgânico de vaca ultrapassou recentemente a oferta disponível, que é incapaz de acompanhar a demanda do consumidor”, pondera Elissa.
Cenário atual
O estudo “Perfil do Consumidor Consciente”, publicado em 2020 pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), afirma que um em cada três brasileiros (31%) está disposto a pagar mais por produtos fabricados de maneira ambientalmente correta, ou seja, com baixa emissão de poluentes e resíduos.
“Considerando dois alimentos iguais, com a diferença de que um é orgânico, 36% dos brasileiros aceitariam pagar mais pelo alimento orgânico (14% muito mais caro e 22% somente um pouco mais caro)”, menciona Elissa. “Outros 30% afirmam que escolheriam o alimento orgânico caso o preço fosse o mesmo e 30% não comprariam o alimento orgânico independentemente do preço”, acrescenta.
Atualmente, conforme conta a zootecnista, os Estados Unidos abriram seu mercado de importação de produtos orgânicos, o que representa uma oportunidade para os produtores. Em regiões da África, América Latina e Ásia, a produção orgânica se destina à exportação. Austrália e Nova Zelândia também concentram sua comercialização para o mercado externo.
Ela relata que os dados de 2021, da Associação de Promoção dos Orgânicos – Organis, indicam que há baixa representatividade em relação ao consumo de leite orgânico em comparação aos demais produtos orgânicos como frutas e vegetais. “Segundo o Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos, em 2020 o Brasil contava com 96 unidades produtoras de leite orgânico”, ilustra.
Desafios
Na avaliação da especialista, dentre os principais desafios enfrentados pelos produtores brasileiros destaca-se a dificuldade de comercialização do leite in natura orgânico para as grandes indústrias de laticínios, o que faz com que alguns produtores agreguem de valor ao produto por meio das agroindústrias rurais, com a fabricação de queijos, manteiga, bebidas lácteas e até mesmo o envase de leite orgânico in natura.
Ainda há outros aspectos que dificultam o desenvolvimento do leite orgânico nas diferentes regiões do mundo. No Brasil, dados de uma pesquisa realizada pela Embrapa em 2020 demostram que além da dificuldade de comercialização, os produtores identificam problemas como escassez e alto preço dos insumos orgânicos, sendo poucos os fornecedores certificados. “Assim, o criador precisa ser autossuficiente, o que nem sempre é possível, em virtude das dimensões de sua propriedade”, observa Elissa.
Além disso, ela aponta outras dificuldades: problemas sanitários como mastite, endo e ecto parasitas, que exigem cuidado redobrado com o manejo, pois os animais estão mais suscetíveis a doenças, a falta de conhecimento em manejo orgânico e de consultoria técnica especializada e a necessidade de reduzir a burocracia do processo de certificação, com maior clareza das normas e menor custo.
Valorização
Por fim ela destaca que embora ainda se tenha atenção limitada à dimensão social da produção de leite orgânico em relação a serviços sociais e ambientais, a literatura aponta alto valor agregado, sugerindo que há necessidade de as autoridades governamentais e privadas incentivarem sua produção e comercialização.
De acordo com Elissa, entre as maneiras encontradas para incrementar a renda na produção de leite orgânico estão as visitas guiadas nas propriedades, onde o público consumidor tem a oportunidade de conhecer todo o processo produtivo. “Esta estratégia tem garantido para os produtores a remuneração de capital anual e o valor final maior do que os produtos convencionais, além de auxiliar no desenvolvimento da cultura e tradição locais”, analisa.
Regulamentação
No Brasil, a produção de leite orgânico deve seguir as técnicas regulamentadas pela legislação vigente, instituídas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), com garantia da sua qualidade e rastreabilidade por meio da certificação. “Dentre estas técnicas sugere-se que a alimentação seja equilibrada para suprir todas as necessidades dos animais”, ressalta a zootecnista.
Por isso, os suplementos devem ser isentos de antibióticos, hormônios e vermífugos, sendo proibidos aditivos promotores de crescimento, estimulantes de apetite e ureia, bem como suplementos ou alimentos derivados ou obtidos de organismos geneticamente modificados. Neste aspecto, a 85% da matéria seca consumida pelos ruminantes deve ter origem orgânica.
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Idealizadores
As práticas do sistema orgânico de alimentos surgiram no período de 1920 e 1930, entre as grandes guerras mundiais, tendo entre seus idealizadores o inglês Albert Howard, o austríaco Rudolf Steiner, o suíço Hans Müller, o alemão Hans Peter Rusch e os japoneses Masanobu Fukuoka e Mokiti Okada.
No Brasil, durante a década de 1970, Ana Maria Primavesi, considerada pioneira da agroecologia em sistema tropical, disseminou suas técnicas de manejo ecológico dos solos. Entretanto, o primeiro conceito de agricultura orgânica foi definido com a criação da Federação Internacional dos Movimentos de Agricultura Orgânica (IFOAM), em 1972.
Em 2008, a IFOAM ratificou a definição do conceito de agricultura orgânica como sendo “um sistema de produção que mantém a saúde dos solos, dos ecossistemas e das pessoas. Baseia-se nos processos ecológicos, na biodiversidade e nos ciclos adaptados às condições locais, substituindo a utilização de insumos com efeitos adversos”.
A agricultura orgânica combina a tradição, a inovação e a ciência para o benefício do meio ambiente compartilhado e promove relações justas e uma boa qualidade de vida para todos os envolvidos.
Nos últimos anos, os consumidores passaram a se interessar mais em saber como os alimentos são produzidos. Em razão da preocupação com o bem-estar animal, os impactos ambientais, a segurança alimentar e a saúde humana, surgiu então essa identificação do consumidor final com o conceito da agricultura orgânica.