Este será o nono selo de IG da produção vinícola brasileira. O primeiro foi conquistado pelo Vale dos Vinhedos, no Rio Grande do Sul, em 2002
Vinhos elaborados com uvas produzidas em regiões de altitude, a mais fria do País, concentradas entre 900m e 1.400m no estado catarinense, poderão receber o selo da mais nova indicação geográfica (IG) de vinhos do Brasil, a IP Vinhos de Altitude de Santa Catarina.
O selo marca a nona indicação geográfica reconhecida de vinhos brasileiros e será impresso nas garrafas de vinhos finos, nobres, licorosos, espumantes – natural e moscatel – e brandy. O pedido foi solicitado pela Associação Vinho de Altitude – Produtores & Associados, em 2 de junho de 2020, e o reconhecimento foi publicado pelo INPI na Revista da Propriedade Industrial (RPI) 2634, de 29 de junho de 2021.
Humberto Conti, presidente da Associação Vinho de Altitude – Produtores & Associados e proprietário da Vinícola Villagio Conti, acredita que a indicação geográfica vai atestar a qualidade dos vinhos, além de atrair investimentos para a região. “O selo estimulará as vinícolas associadas a expandirem os seus vinhedos e trará novos empreendedores para a instalação de novas vinícolas e para outras atividades, como o turismo”, prevê. Ao todo, são 22 Vinícolas da Região de Altitude de SC.
As ações em prol da conquista da IG foram coordenadas por um pool de entidades, como a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), através do Centro de Informações de Recursos Ambientais e de Hidrometeorologia de Santa Catarina (Ciram), Estações Experimentais de Videira e de São Joaquim, e que contou com a parceria da Vinho de Altitude — Produtores e Associados, Embrapa Uva e Vinho, Sebrae/SC, Secretaria de Estado da Agricultura, da Pesca e do Desenvolvimento Rural (SAR), Prefeitura de São Joaquim e Universidade Federal de Santa Catarina(UFSC).
José Eduardo Bassetti, proprietário da Villagio Bassetti, presidiu a associação por duas vezes e incentivadores foi um dos incentivadores na busca da indicação geográfica para atestar a qualidade dos vinhos de altitude de Santa Catarina. Quando esteve à frente da primeira associação de produtores, a Acavitis, registrou a Marca Coletiva, mas que, na sua avaliação, não foi apropriada pelos produtores. Em 2018, quando assumiu a presidência da atual Associação Vinho de Altitude, procurou a Embrapa, decidido a conquistar a Indicação Geográfica.
“A equipe da Embrapa Uva e Vinho auxiliou na elaboração de um plano estratégico, com base nas suas experiências anteriores, o que contribuiu parar conseguimos reconhecer a IP em tempo recorde”, comemora Bassetti. Ele destaca a realização, ao longo dos dois últimos anos, de uma intensa agenda de reuniões técnicas bem focadas, com a votação das decisões na assembleia dos produtores.
Esse formato permitiu um aprendizado com as questões técnicas, possibilitando a sua participação no grupo que irá sugerir a equiparação da lei brasileira à legislação relacionada à temática das Indicações Geográficas em nível internacional, no grupo temático da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva da Viticultura, Vinhos e Derivados.
“Cada IG é única e expressa o trabalho criativo da coletividade de produtores de vinhos de territórios delimitados”, afirma Jorge Tonietto, pesquisador da Embrapa Uva e Vinho, referência em indicações geográficas no Brasil, especialmente de vinhos. “Essa conquista deve ser celebrada por todos os brasileiros, pois significa a proteção de verdadeiros patrimônios nacionais.”
Tonietto orientou as metodologias para a estruturação da IG, bem como a coordenação dos trabalhos de elaboração do Caderno de Especificação Técnica e do Plano de Controle, internalizando a experiência acumulada pela equipe da Embrapa desde a primeira Indicação Geográfica brasileira, o Vale dos Vinhedos, no Rio Grande do Sul, em 2002.
Para o pesquisador José Fernando da Silva Protas, também da Embrapa Uva e Vinho, essa conquista tem um significado especial. Ele esteve presente desde o início do projeto, em 2007, auxiliando a entidade a agregar os produtores dos vinhos de altitude de Santa Catarina, na Associação Catarinense de Produtores de Vinhos Finos de Altitude (Acavitis), atual Vinho de Altitude — Produtores & Associados. “Foi uma longa caminhada apoiando o avanço da vitivinicultura na região, através da realização de seminários técnicos, visitas e consultorias. Como resultados, em 2013, foi obtida a Marca Coletiva, e agora a Indicação Geográfica”, comemora.
Cristina Pandolfo é pesquisadora da Epagri/Ciram e liderou o projeto de pesquisa que reuniu uma equipe multidisciplinar composta por 33 pesquisadores e técnicos de diferentes áreas e instituições, 19 deles da própria Epagri, que foram responsáveis pelo levantamento e organização de dados técnico-científicos da nova IG.
Conforme explica, as informações levantadas ao longo do projeto, envolvendo clima, solo, paisagem, aspectos socioeconômicos, descrição do potencial enológico dos vinhos e muitas outras são tão completas que foram reunidas na publicação “Vinhos de Altitude de Santa Catarina: caracterização da região produtora, indicadores e instrumentos para proposição de uma indicação geográfica”, disponível gratuitamente no site da entidade.
“As informações publicadas subsidiaram a conquista da IG, agora, esperamos que elas também sejam exploradas pelo setor produtivo. Existem outros elementos que poderão, por exemplo, ser utilizados para estruturar a Denominação de Origem para os Vinhos de Altitude”, comenta. A publicação foi resultado do trabalho das equipes da Epagri, Embrapa Uva e Vinho e Universidade Federal de Santa Catarina(UFSC).
Segundo Alan Claumann, analista do Sebrae/SC, a entidade participou da co-construção da Indicação Geográfica dos Vinhos de Altitude de Santa Catarina como parte de uma estratégia maior de Desenvolvimento Territorial. Conforme relata, foram utilizados princípios de metodologia francesa de desenvolvimento de territórios, denominada “Cesta de Bens e Serviços Territoriais” e – trazida ao Brasil pelo Laboratório de Estudos da Multifuncionalidade Agrícola e do Território (Lemate) da UFSC.
Essa ferramenta busca revelar, organizar e promover de forma conjunta os principais recursos e ativos de uma região, especialmente os específicos, ou seja, àqueles que não podem ser reproduzidos em outro local com os mesmos atributos qualitativos impressos pelo território. “Com essa metodologia, os vinhos de altitude de SC foram um dos três produtos âncora selecionados para promover o desenvolvimento da Serra Catarina de forma sustentável e inclusiva”, informa Claumann.
Dos produtos trabalhados, esses vinhos foram os primeiros a receber o reconhecimento como IG pelo INPI. Outros produtos da região – maçã e mel – estão em análise pelo Instituto. “Mais uma região vitivinícola brasileira que recebe o reconhecimento dos seus produtos com uma importante colaboração da Embrapa que tem interesse em ampliar essa parceria com os produtores para o desenvolvimento de tecnologias que agreguem valor a esse novo terroir. Bem como ampliar o estabelecimento de novas IGs no Brasil”, enfatiza Adeliano Cargnin, chefe-geral da Embrapa Uva e Vinho.
A nova IG
A área geográfica da IP Vinhos de Altitude de Santa Catarina abrange 29 municípios que correspondem a 20% da área do estado catarinense: Água Doce, Anitápolis, Arroio Trinta, Bom Jardim da Serra, Bom Retiro, Brunópolis, Caçador, Campo Belo do Sul, Capão Alto, Cerro Negro, Curitibanos, Fraiburgo, Frei Rogério, Iomerê, Lages, Macieira, Painel, Pinheiro Preto, Rancho Queimado, Rio das Antas, Salto Veloso, São Joaquim, São José do Cerrito, Tangará, Treze Tílias, Urubici, Urupema, Vargem Bonita e Videira.
São aproximadamente 300 hectares de área cultivada, concentradas entre 900m e 1400 metros de altitude, na região vitivinícola de maior altitude e mais fria do Brasil. Para Mauro Zanus, pesquisador da área de enologia da Embrapa Uva e Vinho, do ponto de vista sensorial, os vinhos da IP irão enriquecer ainda mais a paleta de cores e sabores dos vinhos brasileiros.
“Muitas regiões no mundo, tradicionais produtoras de maçãs de qualidade, também produzem vinhos diferenciados, como é o caso de regiões da Nova Zelândia, sul da Argentina e estado de Washington, que fica no noroeste dos Estados Unidos. “Agora, o Estado de Santa Catarina vem a se somar a essas regiões”, festeja Zanus.
Ele conta que a paisagem, o solo, o relevo e o clima particular da região de altitude favorecem a biossíntese dos pigmentos e dos aromas, preservando a acidez e atribuindo estrutura e corpo aos vinhos, permitindo a expressão plena da genética de cada variedade de uva. Os vinhos da região têm sua qualidade atribuída, também, ao elevado nível tecnológico empregado nos vinhedos e nas vinícolas. “São vinhos com uma excelente expressão de sabor e elevada tipicidade – , de fato, vinhos com um sentido de lugar, define Zanus.
As variedades autorizadas, que estão aprovadas para produção dos vinhos da IP as variedades finas, são (Vitis vinifera L.) Aglianico, Cabernet Franc, Cabernet Sauvignon, Chardonnay, Garganega, Gewurztraminer, Grechetto, Malbec, Marselan, Merlot, Montepulciano, Moscato Bianco, Moscato Giallo, Nero d’Avola, Petit Verdot, Pignolo, Pinot Noir, Rebo, Refosco dal Peduncolo Rosso, Ribolla Gialla, Rondinella, Sangiovese, Sauvignon Blanc, Sémillon, Syrah, Touriga Nacional e Vermentino.
Linha do tempo
Anos 1990 – Começo da vitivinicultura de altitude em Santa Catarina, com os primeiros experimentos com uvas Vitis vinifera na região serrana. realizados pela Epagri e que despertaram o interesse empresarial.
2005 – Criação da Associação Catarinense dos Produtores de Vinhos Finos de Altitude (Acavitis).
2006 – Realização do I Simpósio Catarinense de Uvas e Vinhos de Altitude, em São Joaquim, organizado pela Acavitis, Epagri, UFSC, UDESC e Sebrae. O pesquisador Celito Guerra realizou palestra/degustação sobre “Tipicidade dos Vinhos de Altitude do Planalto Catarinense”.
2007 – O II Simpósio Catarinense de Uvas e Vinhos de Altitude, em São Joaquim. Desde esta edição, a Embrapa Uva e Vinho integrou a comissão de Promoção do evento, junto com a Acavitis, a Epagri e o Sebrae/SC. Na ocasião, a Embrapa apresentou a metodologia de zoneamento para a construção de indicações geográficas.
2008 – Realização do III Simpósio Catarinense de Uvas e Vinhos de Altitude com a apresentação da Marca Coletiva Acavitis.
2009 – Realização do IV Simpósio Catarinense de Uvas e Vinhos de Altitude.
2013 – Acavitis obteve o registro junto ao INPI, da Marca Coletiva para os vinhos finos de altitude de Santa Catarina.
2013 – Foi realizado em Florianópolis o Colóquio Internacional “Vinho, Patrimônio, Turismo, Desenvolvimento”, promovido pela Cátedra Unesco “Cultura e Tradições do Vinho”, em parceria com a Acavitis, UFSC e UFPR.
2015 – Realização do V Simpósio Catarinense de Uvas e Vinhos de Altitude, em São Joaquim. Foram retomadas as ações e a articulação dos produtores para a estruturação de uma indicação geográfica para os vinhos da região. Foi criada a associação “Vinho de Altitude – Produtores & Associados”, em substituição à Acavitis.
2017 – Início do projeto de estruturação da Indicação de Procedência para os vinhos finos de altitude de Santa Catarina, em atendimento ao pedido da Vinho de Altitude – Produtores & Associados. A coordenação foi da Epagri, que contou com a participação da Embrapa Uva e Vinho, Sebrae e UFSC.
2020 – Publicação do livro “Vinhos de Altitude de Santa Catarina: caracterização da região produtora, indicadores e instrumentos para proposição de uma indicação geográfica”. A iniciativa conjunta da Epagri em parceria com a Embrapa Uva e Vinho, UFSC e Sebrae, reuniu as informações e o conhecimento científico necessários para a construção da IP Vinhos de Altitude de Santa Catarina (disponível em: http://sistemas.epagri.sc.gov.br/semob/consulta.action?subFuncao=consultaPublicacoesDetalhe&cdDoc=47709)
2021 – Concessão do registro da IP Vinhos de Altitude de Santa Catarina pelo INPI