Estudos da Esalq destacam potencial cancerígeno e os efeitos dessas substâncias à saúde pública
Duas recentes pesquisas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP) revelam os efeitos nocivos à saúde humana da ingestão de corantes e conservantes. Os estudos foram orientados pela professora Marina Vieira da Silva, do departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição ,e utilizaram como base dados das Pesquisas de Orçamentos Familiares (POF) de 2008-2009 e de 2017-2018, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Uma das pesquisas, desenvolvida pela engenheira de alimentos Sílvia Panetta Nascimento, aponta que, entre as substâncias observadas, os aditivos identificados com maior frequência nos alimentos ultraprocessados, consumidos no Brasil, foram, em ordem decrescente, os conservadores sorbato de potássio e benzoato de sódio, seguidos pelos corantes amarelo crepúsculo, tartrazina e vermelho 40. Em menor número, estão presentes o conservador metabissulfito de sódio e os corantes ponceau 4R e eritrosina.
“Embora o uso dos aditivos seja regulamentado pelas Organizações de Saúde, alguns estudos têm demonstrado efeitos adversos à saúde causados pelo consumo de alguns corantes artificiais e conservadores, como reações alérgicas e doenças autoimunes, além de hiperatividade”, diz a pesquisadora.
Outros efeitos
No caso do sorbato de potássio, Silvia lembra que, por não interferir nas características sensoriais do alimento e apresentar baixa toxicidade, o conservador é aprovado para uso em todas as categorias de alimentos. “No entanto, foram descritas alergias na forma de urticárias em indivíduos predispostos”, relata.
Sobre o benzoato de sódio, ela reforça que, apesar de apresentar baixa toxicidade, há relatos sobre a ação do conservador em quadros de alergia e hiperatividade em pessoas suscetíveis. “Além disso, por sua menor ação em pH pouco ácido, o benzoato de sódio é usado principalmente em alimentos ácidos, como refrigerantes e sucos, o que pode ser um problema, já que, quando associado ao ácido ascórbico, presente em muitos desses produtos (refrigerantes e sucos), ocorre formação de benzeno, um composto evidenciado como cancerígeno”, diz a engenheira de alimentos.
No caso do metabissulfito de sódio, que é muito utilizado em produtos de panificação e biscoitos, por ser classificado também como melhorador de farinha, Silva afirma que “o uso de uso dos sulfitos é amplamente questionado por haver relatos desta classe de substâncias provocar efeitos adversos em indivíduos alérgicos e asmáticos, somado ao fato de seu uso levar a perdas da vitamina B1”.
Caramelo IV e nitrito
De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o corante caramelo IV está presente em boa parte dos alimentos ultraprocessados. Ele é responsável pela coloração de refrigerantes de cola, cervejas e outras bebidas alcoólicas, mas também de biscoitos e similares, com ou sem recheio, além de molhos, produtos de confeitaria, balas, gomas de mascar, coberturas e xarope s para produtos de panificação, iogurtes aromatizados, sopas e caldos desidratados, suplementos vitamínicos, entre outros.
Segundo estudo conduzido pela nutricionista Claudia Simone Cavassani, na POF 2008-2009, a proporção de pessoas cujo consumo estimado do corante caramelo IV foi superior ao limite determinado por lei somou cerca 13 milhões de pessoas. Ela acrescenta que a ingestão de nitrito, usado na produção de embutidos e enlatados, também está acima do recomendado na alimentação de mais de 55 milhões de brasileiros.
No caso da POF 2017-2018, na nutricionista conta que ocorreu uma redução na proporção de pessoas cuja ingestão superou a ingestão diária aceitável para caramelo IV e nitrito. Por outro lado, houve um aumento. no caso do nitrato. “Essas substâncias estão presentes, respectivamente, em alimentos como refrigerantes e lanches gordurosos em afetam sensivelmente crianças e adolescentes na faixa de 10 a 13 anos”, observa.
“Considerando dados nacionais, de acordo com a POF 2008-2009, em média 30% das crianças brasileiras estavam acima do peso (IBGE, 2010). Este histórico, provavelmente, teve contribuição no consumo de alimentos ultraprocessados, sobretudo estimulado pela exposição às propagandas publicitárias”, destaca. “Mais de dois terços dos anúncios televisivos sobre alimentos são direcionados às crianças e adolescentes, incentivando o consumo regular e em grande quantidade de produtos de redes de fast food, salgadinhos, refrigerantes.”
A POF 2017-2018 também chama atenção para a ingestão de aspartame e ciclamato, presentes na linha de produtos diet e light, com reflexo direto no grupo com rendimento familiar igual ou superior a R$ 10 mil. “Em geral, as famílias com vantagem social consomem maior quantidade de produtos considerados sofisticados e caros, como é o caso de alimentos diet e light”, acrescenta Claudia Simone.
Na opinião de Silvia, os dados das pesquisas oferecem à indústria e às autoridades sanitárias de fiscalização os subsídios necessários para maior adequação e comedimento no emprego dos aditivos alimentares. “Os resultados poderão direcionar pesquisas futuras e oferecer dados para as necessárias atualizações das regulamentações referentes aos aditivos alimentares e aos alimentos ultraprocessados envolvidos, bem como para a adoção de políticas públicas voltadas à qualidade e segurança dos alimentos”, arremata.