Em busca de novos pratos, saborosos e nutritivos, as Plantas Alimentícias Não Convencionais vêm ganhando espaço em cozinhas gourmet, escolas e residências brasileiras
Por conceito, as Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC) são aquelas que não possuem cadeias de produção e comercialização estruturadas.
Entretanto, tem crescido muito o número de chefs de cozinha, merendeiras e entusiastas da cozinha vegana que adicionam em seus pratos espécies como Azedinha, Beldroega, Ora-pro-nóbis, Taioba e outras, em busca de mais sabor e nutrição.
Alcyr Viana, professor titular do Instituto Federal Goiano (IFC/Campus Urutaí) e pesquisador na área de PAC como possibilidades gastronômicas, econômicas e sociais, explica que falar sobre as PANC não é algo novo.
Plantas nativas são PANC
Segundo ele, apesar de o acrônimo ter sido criado em 2007, quase todo mundo já deve ter provado uma PANC na infância. “Quase todas as plantas nativas do Brasil são consideradas Plantas Alimentícias Não Convencionais”, salienta.
Mas de acordo com o professor, essa definição depende muito da região. “A vinagreira, por exemplo, não é PANC no Maranhão. Ao contrário, é uma planta largamente utilizada em um dos pratos típicos do estado, que é o Cuxá”, comenta.
“O jambu e a chicória cabocla também não são PANC no Pará mas,em outras regiões do Brasil, não é fácil encontrar essas plantas no mercado”, completa Viana.
Para popularizar e difundir os benefícios das PANC na alimentação, o pesquisador conta que o IFC Goiano e outros parceiros têm realizado diferentes projetos, como PANC nas Escolas, PANC nas Feiras, Projeto Quilombo Sustentável em Redes, além de palestras, cursos, oficinas e divulgação em redes sociais.
Gastronomia sustentável
Viana ressalta que a gastronomia sustentável é um conceito que vem sendo amplamente difundido por profissionais do mundo todo. “É preciso mostrar o que está por trás do prato. Comer é, também, um ato político, principalmente relacionado à questão social e ambiental”, acredita.
Dentro desse contexto, o professor destaca que “a produção agroecológica é a que faz mais sentido, por ser culturalmente sensível, socialmente justa e economicamente viável”.
Desafios para as PANC
Por ainda serem pouco conhecidas pelo grande público, um dos desafios para a popularização das PANC seria o fazer os clientes conhecerem os produtos e pratos que podem ser preparados com essas plantas. “Hoje somos obrigados a comer o que o sistema nos impõe. Das dez frutas mais consumidas no Brasil, nenhuma é brasileira, e dos ingredientes quentes, somente a mandioca é originária do Brasil”, lamenta o professor.
Viana enfatiza que os desafios climáticos e a consequente perda da biodiversidade que sustenta os sistemas alimentares atuais também são entraves para a popularização das PANC. “Em alguns anos, será impossível manter a alimentação como é feita hoje”, alerta.
Alternativas
Segundo ele, várias regiões já utilizam somente proteínas encontradas localmente para evitar alterações ambientais. “Isso tudo nos traz um questionamento sobre o que vamos comer nas próximas décadas”, lembra.
Além das PANC, algumas opções já estão sendo trabalhadas pelo mercado como alternativa para a alimentação humana e incluem o uso de insetos. “Já há grandes grupos produzindo alimentos à base de insetos, algas, além de fungos e carnes produzidas em laboratório”, revela.
Comida no quintal
O professor do IFC goiano sublinha que “há pessoas que têm comidas em seus quintais, mas estão passando fome porque as desconhecem as PANC e acham que são mato”.
O pesquisador frisa que as Plantas Alimentícias Não Convencionais não são apenas folhas, mas também podem ser tubérculos, raízes, talos, cascas de alimentos, brotos e sementes. “Aproveitamento de alimentos não é coisa de pobre, também fazemos isso na alta gastronomia”, explica.
O que pode ser consumido
Viana alerta que é importante conhecer bem as plantas e contar com a ajuda da ciência para saber as que podem ser consumidas. “A taioba, por exemplo, não deve ser comida crua, pois tem uma toxina chamada ‘oxalato’ que é prejudicial à saúde”, orienta.
De acordo com o professor, o Brasil possui mais de 1000 espécies de PANC, muitas delas ricas em proteínas, vitaminas, minerais, fibras, ômega 3 e outros compostos nutricionais de alto valor para a saúde humana. “É possível utilizar esses alimentos em restaurantes, porque são cheios de sabor, identidade e aspectos tradicionais”.
Ele complementa que “as cascas de legumes e frutas adicionam sabor, os talos aromatizam, até a bucha vegetal pode virar uma ‘bucha à parmegiana’, bucha recheada, caponata ou patê de bucha”.
Capacitação
Priscila Bassinello, pesquisadora da Embrapa Alimentos e Territórios salienta o trabalho de capacitação realizado pela entidade com as merendeiras de Alagoas, no Nordeste brasileiro, que busca inserir algumas PANC regionais, como a Palma, na alimentação escolar. “Numa das qualificações que realizamos, as próprias cozinheiras comentaram que a Palma era alimento para o gado, ou seja, havia muitas dúvidas em relação à segurança do consumo e ao preparo dessa PANC”, lembra.
É importante valorizar
O professor Viana destaca que é preciso ir, aos poucos, desconstruindo padrões e ressignificando as matérias-primas para enriquecer a alimentação. “Muitas vezes, a própria comunidade não valoriza alguns alimentos”, comenta.
Em sua opinião, muitos também não querem sair da “zona de conforto”, “pois é muito mais fácil utilizar enlatados e ultraprocessados”, constata.
“Por isso, é tão importante a estratégia de divulgação presencial, mostrar na prática, em oficinas e outras ações, o que pode ser feito para se alimentar e beneficiar-se com alimentos baratos e nutritivos”, afirma Viana.
Para o professor, é possível fazer uma cozinha excepcional com o que nós temos disponíveis no Brasil. “Nossa política deve ser sempre valorizar as PANC na gastronomia”, conclui.