Semelhante ao veganismo, dieta à base de vegetais – também chamada de plant-based food – exclui qualquer tipo de alimento de origem animal, a exemplo ovos, mel, leite e seus derivados
Um novo conceito de alimentação vem promovendo mudanças significativas nas prateleiras, cozinhas e mesas dos consumidores, causando debates e até certas polêmicas entre especialistas em nutrição, principalmente no que diz respeito à total exclusão de proteínas de origem animal da dieta. Alguns são contra, outros a favor.
Se faz bem ou não à saúde do corpo humano não consumir nenhum tipo de carne animal é um caso à parte, que parece não convencer mais, especialmente, os adeptos do veganismo. Fato é que a plant-based diet ou plant-based food chegou para ficar e vem sendo defendida como a forma mais saudável e sustentável de se alimentar.
Traduzindo ao pé da letra, plant-based diet ou food significa “dieta à base de plantas”. Semelhante ao veganismo, ela exclui qualquer tipo de alimento de origem animal, incluindo ovos, mel, leite e seus derivados, tendo os vegetais como principal fonte da dieta.
A diferença é que, nesse caso, o foco é exclusivo na saúde e alimentação, enquanto que a premissa dos veganos gira em torno de um novo estilo de vida, que inclui outras motivações, como a ética animal e ambiental – ou seja, vai além daquilo que se come.
Comfort food
A dieta plant-based tem como base energética e nutritiva alimentos ricos em fibras e amidos. “São alimentos considerados comfort food, que a maioria de nós sempre ama, mas que há tempos são vistos como meros acompanhamentos nas principais refeições”, ressalta a nutricionista clínica Alessandra Luglio, do Núcleo de Nutrição da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB).
“São esses, contudo, os principais alimentos que fizeram com que os seres humanos prosperassem por gerações, comendo tubérculos como a batata inglesa e batata doce; grãos integrais como arroz integral, milheto, quinoa e trigo; milho e ervilhas; leguminosas como grão-de-bico, feijões, lentilhas e a soja. Tudo isso acompanhado de frutas frescas, verduras e legumes sempre diversos e coloridos”, indica a profissional.
Especialista em Gastronomia Saudável e Funcional, além de expert em alimentação vegetariana natural – também conhecida como Whole Food Plant-Based Diet –, Alessandra garante que todos esses alimentos colaboram para o fornecimento de nutrientes essenciais.
“Combinando-os ao longo do dia nas refeições, nós alcançamos o equilíbrio sinérgico nutricional que garante a saúde, sem excessos e sem carências nutricionais.”
Recomendações
Por ser um tipo de dieta mais natural, a plant-based diet vem sendo recomendada por várias diretrizes como um tipo de alimentação capaz de promover saúde e qualidade de vida, segundo relata a nutricionista Annie Bello, especialista em Nutrição Clínica, doutora em Fisiopatologia e professora adjunta da mesma área na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Também pesquisadora do Instituto Nacional de Cardiologia, ela destaca um consenso internacional em torno desse tipo de dieta, especialmente em casos de pessoas portadoras de diabetes mellitus tipo 2, conforme publicação de 2019 da American Association of Clinical Endocrinologists, em conjunto com o American College of Endocrinology.
Esse trabalho norte-americano preconiza que todos os pacientes com diabetes tipo 2 devam seguir a plant-based diet. “Segundo o consenso, esse padrão alimentar é o mais adequado para atingir e manter o peso ideal para cada um, o que favorece o controle da glicemia e evita complicações micro e macrovasculares”, informa Annie.
Ela explica que, em relação à obesidade e ao sobrepeso, as dietas somente à base de vegetais “se mostram muito eficazes não só na perda de peso como também na manutenção do peso” eliminado, “o que pode ser observado tanto em estudos observacionais quanto em ensaios clínicos randomizados”.
De acordo com a nutricionista, além de colaborar com o controle ou a perda de peso, esse tipo de alimentação contribui para a prevenção de doenças crônicas não transmissíveis.
“Devemos lembrar que todas as diretrizes e recomendações sobre excesso de peso pregam que o melhor padrão dietético para perdê-lo é aquele que o paciente consegue aderir, ou seja, cada paciente vai se adaptar melhor a um tipo de dieta diferente.”
Como adotar
A especialista afirma que, de fato, a plant-based diet vem conquistando alta adesão, portanto, “é uma escolha que deve ser priorizada”. “Mas como adotar no dia a dia? É bem simples: basta priorizar alimentos de origem vegetal na forma mais próxima possível do encontrado na natureza, ou seja, integrais e não processados”, orienta.
“É importante não confundir plant-based com dietas vegetarianas ou veganas. Quem adota plant-based pode ou não ingerir proteína animal e, se ingerir, optar por peixes, aves, laticínios e ovos. Por outro lado, uma pessoa vegetariana ou vegana pode ter a alimentação rica em batata frita, doces veganos, macarrão, junk food sem proteína animal, entre outras”, explica a doutora em Fisiopatologia.
Junk Food é, coloquialmente, conhecido como “porcaria” ou “besteira” – uma expressão pejorativa para designar os alimentos com alto teor calórico e níveis reduzidos de nutrientes.
O que comer na plant-based diet
A nutricionista Alessandra Luglio, da Sociedade Brasileira Vegetariana (SVB), indica alguns alimentos para uma dieta à base de vegetais e atitudes que podem ser incluídas na alimentação:
Alimentos naturais
- Cereais integrais: arroz, quinoa, aveia, couscous, milho, cevada, painço, triguilho, entre outros;
- Cogumelos comestíveis em geral;
- Frutas, verduras e legumes;
- Leguminosas: lentilha, feijão, ervilha, soja, grão de bico etc.;
- Oleaginosas: castanhas, amêndoas, nozes, pistache, entre outras;
- Sementes: de abóbora, girassol, gergelim etc.
Alimentos das indústrias
- Leite vegetal: leite de castanha, arroz, amêndoas, soja, aveia, coco. São utilizados em substituição ao leite de vaca para beber, cremes para passar em pães\torradas\tapioca (exemplo: creme de tofu ou tofu grelhado, pasta de grão de bico) ou adicionados a preparações culinárias;
- Barras de cereais;
- Mix de nuts (castanhas).
Atitudes
- Aumentar o consumo de frutas, verduras e legumes (no mínimo, cinco porções diárias);
- Ingerir alimentos integrais e evitar os refinados;
- Dar preferência, sempre que possível, a produtos orgânicos;
- Montar um prato colorido com variedade de alimentos;
- Compor metade do prato, nas grandes refeições, com verduras e legumes
Ligação com o ecossistema
Para a nutricionista Alessandra Luglio, “a natureza é perfeita, se compararmos a alimentação plant-based ao ecossistema (sistema composto pelos seres vivos e o local onde eles vivem, seres “não vivos” – minerais, pedras, o clima, a própria luz solar e etc.) e todas as relações deles com o meio e entre si”.
“Entendemos que o micro reflete o macro, ou seja, a sinergia entre nutrientes e energia que garante o equilíbrio do nosso corpo é similar à interrelação entre os seres e o meio, que mantêm os sistemas naturais como as florestas, o Cerrado, os oceanos, mangues, entre tantos outros.”
Na visão da especialista, a plant-based diet “é o modelo alimentar que mais nos aproxima da natureza, com harmonia e respeito; afinal, somos parte dela”.
Lugar da ciência
Segundo Alessandra, a “alimentação humana moderna é reflexo da nossa herança cultural, moldada por hábitos e vícios que, por sua vez, foram moldados basicamente pelo conforto, prazer e influência fria da ciência”.
A ciência, “muitas vezes, foi – e ainda é – interpretada de forma fria e não correlacionada, desmerecendo a identidade sinérgica das nossas necessidades fisiológicas, emocionais e a influência real do meio ambiente em nossa saúde e equilíbrio”, acrescenta.
“Hoje, comemos com o objetivo de nos suprir de nutrientes específicos, desprezando todos os outros nutrientes presentes no ‘pacote nutritivo’, que cada alimento nos provém. Comer de forma unilateral e focada em nutrientes específicos é desmerecer todo o aprendizado que a natureza nos trouxe, até então.”
Para Alessandra, “quanto mais simples, menos processada, menos focada em nutrientes isolados em si e menos alimentos de origem animal, mais nutritiva será a alimentação e maior será o equilíbrio sinérgico entre você e o planeta”.
Motivações
Uma das motivações para o surgimento do conceito de plant-based food foi o aumento da preocupação da população com a saúde, tendo iniciado por meio de trabalhos e estudos que indicam a correlação entre a ingestão excessiva da proteína animal e o desenvolvimento de doenças crônicas.
“As refeições são baseadas em uma oferta abundante e variada de cereais, leguminosas, raízes, frutas, verduras, legumes, sementes, castanhas e outros alimentos vegetais, menos manipulados o possível, preservando, assim, sua densidade nutricional”, cita Alessandra, em entrevista à revista A Lavoura.
Ela também sugere que, ao evitar o consumo de proteínas animais, farináceos refinados, gorduras em excesso e açúcares, a alimentação torna-se menos calórica e mais rica em fibras, vitaminas, minerais e compostos bioativos, sendo eficaz na prevenção de doenças crônicas não transmissíveis, tais como diabetes, hipertensão, obesidade, doenças cardiovasculares, doenças autoimunes e até câncer.
Diferenças de dietas
Para quem ainda desconhece esse amplo e novo universo da alimentação à base de vegetais, a nutricionista clínica explica algumas diferenças: “A alimentação vegetariana é aquela que elimina as carnes do cardápio e, normalmente, faz uso de leite e seus derivados, ovos e mel”.
“Na alimentação vegetariana estrita – também conhecida como vegana –, todos os alimentos e ingredientes de origem animal são eliminados, sendo uma alimentação à base de vegetais que pode, ou não, seguir a linha plant-based”, acrescenta Alessandra.
Conforme a especialista, se a alimentação vegetariana estrita é baseada em alimentos os mais naturais possíveis, mais integrais e menos processados, ela pode ser considerada plant-based.
“Já uma dieta vegetariana estrita – baseada em alimentos processados e refinados – é simplesmente vegana, pois não inclui nada de origem animal. No entanto, ela não apresenta os benefícios para a saúde que uma dieta mais rica e nutritiva como a plant-based oferece.”
Opção de vida
Cem por cento vegetariana desde os 40 anos de idade, Alessandra diz que, “de modo geral, uma alimentação vegetariana variada e equilibrada é capaz de suprir a demanda de todos os nutrientes necessários para organismo”.
“Minha maior atenção [como profissional da área] fica por conta do aporte de ferro para as mulheres e de vitamina B12 para os vegetarianos estritos.”
Sua opção pelo vegetarianismo foi motivada, principalmente, pelo amor incondicional que nutre pelos animais. “Mas nos últimos anos, estudando sobre os impactos ambientais dos nossos hábitos alimentares, entendi a gravidade da situação e tenho trabalhado muito nisso”.
“Sendo nutricionista, vejo muitos benefícios na dieta vegetariana, porém, pensando de modo menos ‘egoísta’, o vegetariano cuida da saúde, da vida dos animais e do equilíbrio do planeta. Ou seja, as três causas são muito nobres.”
Demanda da biotecnologia
Avaliando sob o ponto de vista da biotecnologia em torno do setor alimentício, Alessandra afirma que há, de fato, um aumento na “demanda por alimentos vegetais que tenham sabor e textura indulgentes”, considerando que recentes informações científicas têm revelado “os pontos negativos do consumo de proteínas animais excessivas, gorduras saturadas e colesterol, além da emergência ambiental e climática que estamos vivendo”.
“Tudo isso tem despertado nas pessoas a consciência da necessidade de redução de consumo desses alimentos, mesmo a carne, leite e ovos sendo alimentos culturalmente tradicionais nas refeições da maioria da população”, diz a nutricionista.
“Com base nisso, a biotecnologia é uma aliada da indústria de alimentos em aplicações de novas proteínas vegetais, de forma a criar alimentos que possuam sabor, aroma e textura similares à carne, leite e ovos, e que possam servir de ‘ferramenta’ para auxiliar as pessoas nessa transição para dietas de menor impacto ambiental e, claro, mais saudáveis”, analisa.
Desafios da indústria
As mudanças nos hábitos de consumo do ser humano também afetam o cenário da produção alimentícia nas indústrias do Brasil e do mundo. Para o engenheiro de alimentos da Vida Veg, Álvaro Gazolla, diante dessa tendência, o grande desafio é movimentar e apostar nos produtos plant-based, entregando ao consumidor um alimento nutritivo, saboroso e com preços mais acessíveis.
Na opinião do especialista, a grande dificuldade – tanto para os consumidores quanto para as empresas –, é consumir ou “fazer um produto que consiga conciliar uma nutrição adequada com bom preço e sabor”.
“Primeiro, o paladar geral do brasileiro sempre foi vinculado a um paladar voltado para produtos de origem animal. Quando vai para um segmento vegetal, você tem um desafio tecnológico muito grande e não tem muita literatura e pesquisa desenvolvida nesse setor”, diz Gazolla, em entrevista à revista A Lavoura.
Ao contrário do cenário de carnes, leites e derivados de origem animal, “você tem um histórico muito grande de pesquisa e desenvolvimento, consequentemente, há muita literatura para pesquisar e buscar fontes nessa área”.
Custo e preço
Para o especialista, pelo fato de a plant-based diet (ou food) ser um conceito muito recente, não existem tantos produtos de referência. “Portanto, o desafio da engenharia dos alimentos e da indústria, em si, é muito maior, porque você está querendo consumir produtos em um ambiente que não tem muito o que pesquisar”.
“São muitas tentativas e informações de nutrientes, além de um desafio para esse mercado que sempre estará vinculado a entregar um produto gostoso, que consiga conciliar uma nutrição adequada a um preço acessível ao consumidor final”, salienta o engenheiro de alimentos.
As proteínas de ervilha e de arroz (fotos acima e abaixo) são importadas e de custo elevado, o que traz problemas para o crescimento do mercado plant-based no Brasil – Fotos: Depositphotos
Entraves
Gazolla também menciona um importante entrave para o crescimento desse mercado de alimentos plant-based no Brasil, citando as proteínas de ervilha e a própria proteína de arroz.
“A maioria delas é importada (exceto a de soja, que é comum no País). Por causa disso, você tem um custo muito elevado quando toma a decisão de enriquecer seu produto com proteína de origem vegetal” e isso acaba encarecendo – e muito – o produto final.
Fora isso, segundo o especialista, a palatabilidade e a questão sensorial dessas proteínas são diferentes em relação às de origem animal, como a caseína e o whey protein.
De olho no rótulo
Ao consumidor, o engenheiro de alimentos dá uma dica importante: “Sempre se atente à rotulagem desses novos produtos, porque muitas indústrias e empresas gostam de ir ‘na onda’ para não perder o modismo, às vezes, com falta de conhecimento ou irresponsabilidades nutricionais”.
“Quando você recomenda para uma criança trocar o leite de origem animal por um leite de origem vegetal, que tem zero proteína, você pode acabar afetando o desenvolvimento dessa criança”, alerta Gazolla.
Conforme o especialista, “para que a pessoa possa substituir certos alimentos e, consequentemente, ter um produto mais nutritivo, com mais proteína, não deve simplesmente seguir a moda, mas saber escolher um produto verdadeiro, que ajude o organismo a se desenvolver bem e saudável”. Ele, portanto, orienta o consumidor a sempre “avaliar os aspectos nutricionais do produto e não, simplesmente, achar que só por ser vegetal, ele é automaticamente mais saudável”.
“Às vezes, essa troca é injusta, pois você paga mais caro por um produto que, nutricionalmente, é pior que um produto de origem animal”, alerta.