Conhecidas como Panc, plantas alimentícias tem retornado à dieta do brasileiro
Alimentos que eram comuns nas mesas da família brasileira, como o tomatinho do mato, serralha, ora-pro-nóbis, amora-silvestre, pitanga preta, peixinho-da-horta, azedinha sumiram do mercado. Porém, atualmente, o alto teor nutricional tem trazido de volta as plantas alimentícias não convencionais aos pratos.
Conhecidos como Panc, esses alimentos podem fazer a diferença na dieta dos brasileiros. Para se ter uma ideia da pobreza nutricional dos nossos pratos, atualmente, somente 20 espécies vegetais fornecem 90% do alimento humano do planeta, sendo que apenas três delas – trigo, milho e arroz – fornecem mais da metade, segundo o biólogo Edward Wilson, da Universidade da Harvard.
Um desperdício de novos sabores e repositórios de vitaminas, devido à grande diversidade. Calcula-se que há mais de 10 mil espécies nativas no Brasil que poderiam ser consumidas, porém, pouco conhecidas. Mas isso está mudando aos poucos. “Esses alimentos foram redescobertos por chefs de cozinha e ganham um ar mais nobre. Muitos buscam inovações e as Panc estão sendo revisitadas e valorizadas em vários pratos, em receitas mais sofisticadas”, explica a bióloga do Incaper, Fabiana Ruas.
A bióloga acrescenta ainda que o advento da pandemia aumentou a importância da retomada desses alimentos. “Voltamos a ter contato com a natureza e rever costumes que nossas avós tinham na roça, de usar essas plantas no dia a dia da alimentação da família”, comenta. “Pesquisas mostram que são alimentos riquíssimos. Nossas avós tinham razão em colocá-las nos pratos.”
Exemplos
As Panc fazem parte da história individual e coletiva. A tradicional moqueca capixaba levava uma Panc em sua receita. Originalmente, conta a bióloga, as comunidades ribeirinhas utilizavam o tomatinho selvagem para fazer o molho que abraçava os peixes.
“O tomatinho do mato não é o cereja, que já foi melhorado geneticamente, mas aquele tomatinho que crescia no meio do mato. Com o passar do tempo, ele foi largado de lado por conta de muita acidez”, explica a pesquisadora.
A plantinha que nascia em qualquer cantinho da horta, sem precisar ser semeada, hoje, é raridade. “Andei em Jaguaré e encontrei o tomatinho selvagem sem melhoramento genético. Mas não foi fácil encontrar”, conta.
De forma simples, na agricultura, o melhoramento genético é utilizado para desenvolver plantas com características agronômicas desejáveis. E essa seleção, necessária para gerar produtividade, infelizmente fez muitas das variedades originais desaparecerem do mapa.“E, daí, não tem como voltar ao original. Com o tomate aconteceu isso. Mas estamos voltando e tentando encontrar o tomatinho que originou o tomate graúdo que temos hoje”.
História
No Espírito Santo, os tropeiros foram responsáveis por disseminar o que hoje é considerada uma planta não convencional: a castanha de sapucaia, que era usada como alimento e até mesmo como moeda de troca. “Colhida durante os percursos, era ingerida in natura, mas também torrada, como as nozes e as castanhas, e usada em doces”, informa. “Uma castanha muito rica e que sacia a fome”, completa e acrescenta que essa castanha dura bastante, pois a casca protege a polpa.
Há uma diversidade de Panc que necessitam de pouca atenção no cultivo, mas podem oferecer ao ser humano alimentos multifuncionais que, por suas propriedades nutricionais e farmacológicas, ganharam, no passado, status de remédio, mas foram esquecidos.
“Crianças e adolescentes têm dificuldade em comer esses produtos, mas há a opção de fazer farinha com as folhas e sementes torradas e utilizá-la em alimentos e sucos, afirma Fabiana lembrando que há muitas possibilidades de usos para essas plantas. “Um exemplo é capim-limão que, adicionado aos sucos. deixa a bebida refrescante e rica.”
Cenário
Mas o que falta para trazermos de volta às mesas esses alimentos funcionais e ricos? “O crescimento da produção ocorre quando empresas e instituições se interessam. Ligado a um projeto, pode surgir um restaurante, que fomenta o uso e isso pode virar uma cultura agrícola”, observa a bióloga. “Ao contrário, se não existir um incentivo, o risco é de as plantas ficarem à margem e serem usadas apenas por pequenos grupos que buscam uma alimentação mais saudável.”
De acordo com a Fabiana, nos últimos dez anos houve uma mudança nesse cenário, já que algumas Panc podem ser encontradas nas feiras, em sacolões e até mesmo em alguns supermercados. “Há feixes de ingá nas feiras. Era uma planta de beira de rio, que não tinha valor, antigamente”, exemplifica. “Mas ainda falta incentivo”, conclui.