Saiba como essa prática contribui para o desenvolvimento das atividades rurais
Criada nos anos de 1980, a agricultura regenerativa vem ganhando cada vez mais destaque entre as gigantes produtoras de alimentos no mundo. O conceito da atividade aposta em uma abordagem holística na produção agrícola, resgatando princípios conservacionistas do início da agricultura orgânica, em que é possível produzir enquanto recupera a terra e preserva o meio ambiente, restaurando áreas degradadas, conservando espécies animais e aumentando a captura de carbono no solo.
Entretanto, para que o segmento se desenvolva, seja mais atrativo e conquiste mais adeptos, tanto em relação à produção como ao consumo e posicionamento de mercado, é preciso ainda muita informação e conhecimento sobre as práticas de cultivo como também em relação às certificações necessárias para a atividade.
Para falar sobre este cenário, a Revista A Lavoura entrevistou a engenheira de alimentos, colaboradora e inspetora da Ecocert Brasil, responsável pelos projetos de certificação de cosmético orgânicos e naturais, comércio justo e bem-estar animal, Consuelo de Lima Fernandez Pereira.
Revista A Lavoura: Em termos de cultivo e produção, o que pode ser considerado como agricultura regenerativa orgânica?
Consuelo Pereira: A agricultura orgânica regenerativa é, como o próprio nome diz, um conjunto de práticas agrícolas que se concentram na regeneração da saúde do solo e do ecossistema agrícola completo.A ideia central é criar sistemas agrícolas resilientes, que funcionem em harmonia com a natureza, para melhorar a qualidade de vida de todos os seres envolvidos no sistema.
Na prática, a agricultura orgânica regenerativa se caracteriza pela adoção de práticas conservacionistas, como cultura de cobertura, rotação de lavouras, plantio direto, compostagem e uso zero de pesticidas químicos e fertilizantes.
A Lavoura: Quais os benefícios da agricultura regenerativa orgânica?
Consuelo: O principal benefício da agricultura regenerativa orgânica é mitigar mudanças climáticas porque, como resultado da recuperação da matéria orgânica do solo e restauração da biodiversidade do solo, há o consequente sequestro de carbono e a melhoria do ciclo da água.
Não menos importante é o fato de que a recuperação do solo, aumentando sua fertilidade, garante o aumento e a posterior manutenção da produtividade das áreas agrícolas. Além disso, como os sistemas são mais equilibrados, também são mais resilientes a eventos climáticos adversos como secas prolongadas e chuvas torrenciais.
A Lavoura: Em relação a esse mercado, qual o cenário atual e as tendências e perspectivas para os próximos anos?
Consuelo: Esse é um setor que deve crescer de forma acelerada nos próximos anos. Considerando as mudanças climáticas que já estamos enfrentando e o cenário de insegurança alimentar que uma parcela importante da população mundial vive, sem falar da escassez cada vez maior de água, urge a adoção sistemas agrícolas que tenham alta produtividade, sejam resilientes, preservem a biodiversidade e favoreçam a captação da água, ao mesmo tempo que possibilitem o aumento do sequestro de CO2. A agricultura regenerativa orgânica é, portanto, uma resposta importante para o cenário atual.
Se considerarmos o histórico de crescimento do mercado de produtos orgânicos, podemos inferir uma trajetória semelhante para a agricultura orgânica regenerativa. Lembrando que produtores orgânicos já adotam algumas das práticas da agricultura regenerativa, a conversão dessas áreas para as práticas regenerativas é, sem dúvida, o passo seguinte na adoção de sistemas produtivos mais sustentáveis.
Recentemente, temos observado o crescimento de projetos que adotam a agricultura regenerativa orgânica nas mais diferentes áreas, tanto na produção de alimentos como na produção de matérias primas vegetais para outros usos como cosméticos, produtos de limpeza e produtos têxteis. Além de produtores preocupados com os impactos que a agricultura causa, também encontramos cada vez mais empresas comprometidas com a viabilidade de seus fornecedores a longo prazo. São empresas que desenvolvem parcerias com seus fornecedores e que encontram na agricultura orgânica regenerativa um modelo que atende a seus compromissos ESG (sigla do inglês, Environmental, social and Governance).
A Lavoura: Como a agricultura regenerativa orgânica e sua implementação impactam a cadeia produtiva de alimentos?
Consuelo: O primeiro efeito importante da adoção da agricultura regenerativa orgânica é a melhoria da qualidade e fertilidade do solo e, como consequência, o aumento de sua produtividade. O equilíbrio do sistema o torna resiliente aos eventos climáticos, permitindo a manutenção de níveis de produtividade estáveis. Esses resultados trazem, além do aumento de rendimento financeiros, segurança ao produtor que, ao longo dos anos, pode focar sua atenção no aprimoramento de suas técnicas e no planejamento de investimentos futuros.
A agricultura orgânica regenerativa também encoraja os agricultores a cultivar diferentes culturas, abrindo novas oportunidades para reforçar a segurança alimentar local e melhorar a renda dos agricultores. Como resultado, produtividade maior e estável levam ao desenvolvimento de comunidades agrícolas mais resilientes e seguras, além de tornar toda a cadeia de suprimentos mais segura e estável.
A Lavoura: O que é preciso para que o segmento seja mais atrativo e conquiste mais adeptos, tanto em relação à produção como também ao consumo e posicionamento de mercado? Quais os principais gargalos?
Consuelo: Acredito que são dois desafios principais: aumentar as áreas cultivadas através de práticas regenerativas, ampliando a oferta de produtos da agricultura orgânica regenerativa, e expandir a demanda por produtos da agricultura regenerativa.
O envolvimento dos produtores, novos ou não, que, em última análise, determina a decisão de conversão para sistemas regenerativos, está relacionado ao conhecimento de experiências de sucesso na área, de práticas regenerativas, além de conhecimento técnico, porque qualquer modelo agrícola funciona apenas quando os produtores estão motivados e capacitados.
Já o crescimento da demanda depende de compradores e, em última análise, consumidores finais, que conheçam os impactos positivos da produção regenerativa e, por isso, façam a escolha preferencial por estes produtos.
Nos dois casos é necessário a disponibilização de informação e conhecimento. Este é, ainda, o maior gargalo do setor: falta de estatísticas e divulgação de experiências e conhecimento ainda restrito a algumas áreas.
A Lavoura: Quais os requisitos para obter a certificação ROC e quais as vantagens dessa certificação?
Consuelo: A norma ROC é uma norma privada de propriedade da ROA, Regenerative Organic Association. Ela é baseada em três pilares: saúde do solo, bem-estar animal e igualdade e justiça social. Para a certificação ROC é necessário, portanto, que requisitos básicos desses três pilares sejam atendidos para, então, solicitar a certificação. Os requisitos são: ter certificação orgânica americana (NOP), certificação de bem-estar animal reconhecida (Certified Humane, Step 4, Animal Welfare), se houver produção animal; certificação de comércio justo reconhecida (Fair For Life, Fairtrade International, Fair Trade USA, Naturland Fair, Small Producer Symbol, World Fair Trade Organization).
A solicitação de certificação deve ser feita diretamente à ROA através de preenchimento de formulário disponível na página ROC (http://regenorganic.org/apply ). A norma completa pode ser acessada no site da ROA (http://regenorganic.org/resources/ )
A Lavoura: Como o governo e as entidades de classe podem contribuir para o desenvolvimento do segmento?
Consuelo: A conversão para a agricultura regenerativa demanda tempo, recursos financeiros e conhecimento tecnológico que a maioria dos produtores ainda não tem. Políticas governamentais são, portanto, fundamentais para facilitar o acesso a linhas de financiamentos atrativos para a conversão e a produção regenerativa. É importante lembrar que tais políticas beneficiam os produtores e a comunidade, já que áreas regenerativas produzem externalidades positivas, como a maior captação de água através da infiltração, prevenção da erosão, preservação da biodiversidade, prevenção de enchentes, além de sequestro de carbono, enquanto a agricultura convencional produz uma série de externalidades negativas. Ou seja, o benefício desse investimento reverterá para toda a população.
Além do crédito, a capacitação dos produtores pode ser fomentada por políticas públicas via desenvolvimento de programas específicos. Programas estes que podem ser desenvolvidos por instituições públicas ou entidades da sociedade.
Instituições de fomento à pesquisa, públicas e privadas, também têm um papel fundamental para o desenvolvimento do segmento, através da disponibilização de recursos para pesquisa e desenvolvimento.
Finalmente, a educação do consumidor é também uma ação estratégica para o desenvolvimento do setor e pode ser feita por entidades de classe e por entidades da sociedade civil.