Você já parou para pensar de onde vêm as laranjas do seu copo de suco? A resposta, provavelmente, é do Brasil mesmo. Segundo a química Taícia Fill, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a cada quatro copos de suco de laranja bebidos no mundo, três têm origem no Brasil.
A pesquisadora estuda doenças que afetam frutas cítricas e busca soluções para elas. Foi com essa pesquisa que ela se tornou vencedora do prêmio L’Oréal – Unesco – ABC Para Mulheres na Ciência 2019, na categoria Ciências Químicas.
O Brasil é o maior produtor de laranjas e exportador do suco dessa fruta no mundo, mas, a cada safra, de 10% a 50% da produção é perdida – com um prejuízo de até R$1,5 bilhão. O principal motivo para isso acontecer é após a colheita, quando fungos podem infestar as frutas, inviabilizando a comercialização.
O Penicillium digitatum é a espécie de fungo responsável por até metade das perdas pós-colheita fungo responsável por até metade das perdas pós-colheita e, não por acaso, se tornou objeto da pesquisa de Taícia, que procura um meio eficiente e seguro de combatê-lo.
“O P. digitatum é importante na natureza, pois atua na decomposição das frutas”, conta a pesquisadora. Mas, apesar do papel na natureza, ele se multiplica nas cascas das laranjas, provocando o bolor verde.
Por prejudicar a exportação das laranjas, atualmente o fungo é combatido com agrotóxicos, que podem representar danos ao meio ambiente e à saúde humana.
Foi na própria natureza que Taícia encontrou inspiração para novas soluções para o problema. “Na laranja há várias espécies de microrganismos que competem entre si por nutrientes e por espaço”, explica.
“Eles lutam uns contra os outros com armas químicas. O que nós fazemos é reproduzir essa competição em laboratório para saber se essas substâncias usadas por um microrganismo para combater o outro podem nos ajudar”.
Biofungicida alternativo
Para fazer isso, Taícia usa placas de Petri, uma placa de vidro usada em laboratórios para cultivar bactérias, fungos e outros organismos. A cientista reproduz a competição entre os fungos P. digitatum e P. citrinum e analisa as imagens usando uma técnica conhecida como espectrometria de massas, capaz de fornecer “fotografias químicas” do embate.
“Com essa técnica, conseguimos ver a distribuição espacial de determinada molécula em uma situação biológica. Assim, identificamos as moléculas que são produzidas mais intensamente em resposta à presença de um microrganismo”, explica a pesquisadora.
Taícia e sua equipe já identificaram cinco moléculas inéditas com potencial fungicida. O objetivo, agora, é continuar procurando novas moléculas e testar sua ação no combate ao P. digitatum.
As moléculas que forem consideradas mais promissoras ainda devem passar por outros testes que assegurem sua segurança para o meio ambiente e a saúde humana, o que faz com que a disponibilização de um novo biofungicida no mercado ainda possa demorar alguns anos. Mas essa demora não assusta Taícia.
Para a cientista apaixonada pela ciência básica, a verdadeira realização está na produção de conhecimento no laboratório. “A sensação de descobrir algo que ninguém nunca viu antes é o que faz os nossos olhos brilharem”, garante.
Equidade de gênero na Ciência
A pesquisa científica nem sempre foi o sonho da pesquisadora de 35 anos. Antes de fazer a graduação, mestrado e doutorado na Universidade Federal de São Carlos (SP) – com passagens por instituições na Alemanha e na Inglaterra -, Taícia quis ser bailarina. Foi assistindo a um seriado na TV que tudo mudou.
“Escolhi a química por causa do CSI, que adorava assistir. Meu sonho era fazer química forense e ser perita!”, conta a pesquisadora. Mas foi um estágio de iniciação científica que a apresentou ao mundo dos microrganismos e fez com que a pesquisadora decidisse seguir outro caminho.
Atuando em uma área da ciência ocupada majoritariamente por homens, Taícia reconhece que ainda existe um longo caminho para a equidade de gênero na ciência. “Na história da Sociedade Brasileira de Química só houve, até agora, uma mulher na presidência”, exemplifica. “Precisamos de representação: quando não vemos mulheres ocupando os cargos mais altos, acabamos não tendo essa ambição”.
Mesmo em início de carreira, Taícia espera trilhar caminhos para inspirar outras mulheres na profissão. Desde que concluiu o doutorado, em 2014, se inscreveu para o prêmio Para Mulheres na Ciência e contou que a ligação comunicando que havia sido escolhida como ganhadora foi uma surpresa.
“Eu estava dirigindo e não fazia ideia do que era aquela ligação de um número desconhecido. Ao falar com o presidente da Academia Brasileira de Ciências, precisei encostar o carro para chorar”, lembra a cientista brasileira.