A modernização do marco legal do saneamento deve ter como premissa a eficiência. A lógica é unir os melhores modelos públicos com os melhores privados. É o que diz o presidente nacional da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES), Roberval Tavares de Souza.
Sua afirmação se baseia nos resultados demonstrados pelo Ranking ABES da Universalização do Saneamento (clique em http://abes-dn.org.br/
A edição 2019 desse ranking abrange 100% do território nacional, contemplando todos os municípios brasileiros que forneceram informações, ao Sistema Nacional de Informações de Saneamento (SNIS), para o cálculo de cada um dos cinco indicadores.
Ao todo são 1868 municípios e todas as 27 capitais do País, no levantamento que relaciona o saneamento à saúde, fazendo uma correlação entre a pontuação total alcançada pelos municípios e a taxa de internação por doenças relacionadas ao saneamento ambiental inadequado.
Classificação das capitais brasileiras
Na classificação das capitais, o Ranking mostra exemplos de serviços eficientes em ambos os modelos entre as 10 primeiras colocadas: Curitiba, Belo Horizonte, Goiânia, São Paulo, Salvador, Vitória e João Pessoa (empresas públicas estaduais), Palmas (empresa privada), Porto Alegre (serviço municipal) e Campo Grande (empresa privada).
O mesmo ocorre entre as dez últimas colocadas: Maceió, (empresa estadual), Manaus (empresa privada), Boa Vista, São Luís, Rio Branco (empresas públicas), Cuiabá (empresa privada), Belém, Macapá, Teresina e Porto Velho (empresas públicas).
“Durante esses quase dois anos de discussão sobre a revisão do marco regulatório, criou-se essa polarização público/privado, que esvazia o verdadeiro cerne da questão: a eficiência das empresas. A união do setor público com o setor privado é que vai permitir que o saneamento avance no Brasil”, afirma o presidente da ABES, Roberval Tavares de Souza.
Dados da ONU mostram que, em todo o planeta, mais de dois bilhões de pessoas ainda não têm acesso a serviços básicos de saneamento, sendo que, desse total, sete em cada dez vivem em áreas rurais.
Pacto pelo Saneamento
Em junho deste ano, durante seu 30º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental, a Abes lançou o Pacto pelo Saneamento, a partir de um documento que apresenta as seguintes premissas defendidas pela instituição:
- Fortalecimento da regulação por meio da Agência Nacional de Águas (ANA);
- Definição da titularidade conforme orientação do Supremo Tribunal Federal (STF), municípios titulares e nas regiões metropolitanas, titularidade compartilhada;
- Equidade entre as cláusulas dos contratos programa e contratos de concessão com estímulo a eficiência (metas e indicadores de desempenho para a universalização);
- Aumento da participação do setor privado no Saneamento, em parceria com as empresas públicas, por meio de parcerias público privadas (PPPs), sociedades de propósito específico (SPEs), participação no capital social das empresas de economia mista, subdelegação, etc.;
- Estabelecimento de tarifa justa aos usuários dos serviços de saneamento, garantindo o acesso aos serviços com equilíbrio financeiro.
Dados no Brasil
A universalização do saneamento básico no Brasil geraria uma economia anual de R$ 1,4 bilhão em recursos gastos na área de saúde para tratar doenças provenientes da falta de coleta de esgoto e do fornecimento de água sem qualidade à população, conforme publicação da Agência Brasil, de agosto de 2018.
Os dados apresentados durante o 7º Encontro Nacional das Águas, que ocorreu na capital paulista no mesmo mês, mostravam que dos 5.570 municípios brasileiros, algo em torno somente de 1,6 mil tinham, pelo menos, uma estação de tratamento de esgoto. São aproximadamente 100 milhões de pessoas sem acesso à coleta de esgoto e mais de 35 milhões sem receber água potável. E essse cenário, até então, não mudou de lá pra cá.
Na época, foi atestado que o setor teria de investir uma média anual de R$ 15,2 bilhões, em abastecimento de água e tratamento de esgoto nos próximos 20 anos, se quiser atingir a meta de universalização do saneamento básico em 2033, prazo estabelecido no Plano Nacional de Saneamento Básico (PNSB).
“Desde 2013, os investimentos em água e esgoto no Brasil não atingem o montante previsto no plano para alcançar a meta. De 2014 a 2016, o investimento no setor diminuiu em média 9% ao ano. Se a situação continuar a mesma, não há perspectivas para garantir a inclusão dos brasileiros que ainda não têm acesso aos serviços de água e esgoto”, disse Alexandre Lopes, naquela ocasião. Ele é presidente do Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Sindcon).
Retorno financeiro
Divulgado em 2017 e conduzido pelo Instituto Trata Brasil, um estudo mostra que, em 20 anos (de 2015 a 2035), o retorno sobre o investimento necessário para universalizar o saneamento básico no Brasil chegaria a R$ 537 bilhões. Esse número já leva em conta o valor do investimento em si, que fica em torno de R$ 16 bilhões ao ano, ou R$ 317 bilhões no período.
Isso significa que, para cada R$ 1 mil investidos na expansão da infraestrutura de saneamento do Brasil, R$ 1,7 mil voltam para a economia. Trata-se, portanto, de um investimento com taxa retorno de incríveis 70%.
De acordo com publicação do site Ciclo Vivo, esse retorno se traduz em benefícios para diversas áreas econômicas e sociais do país. A pesquisa detalha esses impactos positivos em áreas como renda, emprego, saúde, produtividade do trabalho, escolaridade do trabalhador e valorização imobiliária, entre outros.
Ainda conforme o Ciclo Vivo, com a universalização, só os ganhos em produtividade até 2035 devem bater os R$ 82,9 bilhões, o que equivale a um ganho de renda de R$ 4,1 bilhões anuais. Na saúde, a economia com a redução no número de afastamentos e internações, até 2035, chegaria aos R$ 7,2 bilhões.
Universalização só em 2060
Outro estudo (um tanto quanto pessimista), divulgado em abril deste ano pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), mostra que a universalização dos serviços de água e esgoto ficará para a década de 2060. O levantamento da instituição, com base em dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), mostra queda de 7,8% nos investimentos do setor em 2017, na comparação com o ano anterior.
Foram desembolsados R$ 10,9 bilhões em saneamento, menor valor investido nesta década e patamar 50,5% inferior à média de R$ 21,6 bilhões necessários para o Brasil universalizar os serviços até 2033, conforme a meta prevista pelo Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab).
O retrato de 2017, conforme os números do SNIS divulgados em abril de 2019, aponta que o Brasil está na contramão do caminho de universalizar os serviços. Com base na média dos investimentos dos últimos quatro anos (2014-2017), seria necessário aumentar a destinação de recursos em cerca de 70%. Para mais informações, clique aqui!
Novo marco legal
Publicada no Diário Oficial da União no início de julho de 2018, a Medida Provisória (MP) nº 844, que atualiza o marco legal do saneamento básico, continuou gerando debate entre os representantes de empresas privadas de saneamento, do governo e de entidades ligadas às empresas públicas do setor.
Um dos temores das empresas públicas é que, com o novo marco regulatório, as empresas privadas fiquem apenas com as cidades mais rentáveis e não se interessem pelos municípios mais pobres, afastados dos grandes centros.
O presidente da Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais (Aesbe), Roberto Tavares, destacou não sercontra o aumento da participação privada, mas que isso deva ser feito de forma organizada e em parceria com as empresas públicas.
“Se alguém está saindo com a impressão de que as empresas estaduais são contrárias ao setor privado, mudem esse conceito. Muito pelo contrário. Somos extremamente favoráveis à entrada do setor privado, mas com economia de escala, e de preferência em parceria com as empresas estaduais. Nós temos habilidades que o setor privado vai levar mais tempo [para adquirir], por exemplo. Temos habilidade de negociar com prefeitos e câmaras de vereadores”.
Cenário no mundo
Em todo o planeta, mais de dois bilhões de pessoas ainda não têm acesso a serviços básicos de saneamento, sendo que, desse total, sete em cada dez vivem em áreas rurais. Mais de 890 milhões de pessoas ainda defecam ao ar livre.
Tais números (de 2018) fazem parte do rascunho do relatório de monitoramento global da Organização das Nações Unidas (ONU), para o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) número 6, que prevê assegurar a disponibilidade e a gestão sustentável da água e saneamento para todas e todos até 2030.
O rascunho foi divulgado durante o Fórum Mundial da Água, que ocorreu no dia 23 de março do ano passado, em Brasília (DF), pelo executivo Stefan Uhlenbrook, diretor do Programa Mundial de Avaliação dos Recursos Hídricos (WWAP, na sigla em inglês) da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
O relatório de monitoramento completo foi publicado durante um fórum político de alto nível, realizado na sede das Nações Unidas, em Nova York, em julho do mesmo ano.
Segundo Uhlenbrook, o documento tem como objetivo fornecer dados para embasar as políticas públicas dos países em água e saneamento. “A intenção é estabelecer um retrato abrangente e discutir formas de atingir esse objetivo de forma mais acelerada”, declarou.
De acordo com o levantamento, 68% da população mundial tem acesso a saneamento — sendo 39% a serviços de saneamento seguros e 29% a serviços básicos. Por outro lado, 8% só têm acesso a serviços limitados, 12% a serviços precários e 12% defecam ao ar livre. Para mais informações, clique aqui!