Para alcançar as metas de erradicação da fome, da pobreza e da desigualdade de gênero no Brasil e no mundo, que constam nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), até o ano de 2030, essa discussão deve passar necessariamente por mudanças da realidade de mulheres rurais. E isso não pode ser tratado somente como questão de Estado, mas da sociedade de modo geral, incluindo as pessoas que vivem e trabalham em áreas urbanas, mas dependem dos alimentos que vêm do campo para viver.
Esse foi o alerta de Cláudia Brito, oficial de gênero da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) na América Latina, durante o lançamento da 4ª edição da Campanha Regional Mulheres Rurais, Mulheres com Direitos, realizado nesta terça-feira, 16 de abril, na Secretaria de Agricultura Familiar e Cooperativismo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
De acordo com publicação no site do Mapa, o tema da iniciativa deste ano é: “Pensar em igualdade, construir com inteligência, inovar para mudar”. O eixo condutor dessa mobilização envolve a importância de valorizar os direitos das mulheres rurais, em todos os níveis, desde as garantias individuais até as coletivas.
Inspiração que vem do Brasil
Ao elogiar a iniciativa da Secretaria, Cláudia salientou que o Brasil foi um “ente inspirador” para que a FAO convertesse a campanha em um esforço regional para alcançar todos os países da América Latina. Ela informou que os resultados apresentados nos últimos quatro anos da mobilização têm sido muito bons.
“São milhões de pessoas que foram tocadas pela campanha pelas redes e meios de comunicação. Têm ocorrido esforços importantes em parcerias nacionais e regionais sobre questões colocadas pela campanha. Muitos projetos desses países têm relação com a visão sobre as mulheres que a campanha vem divulgando”, disse a executiva da FAO.
Ela também comentou que os países envolvidos na campanha se comprometeram com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e que eles não alcançarão as metas se não trabalharem por políticas específicas para o meio rural.
“Das 169 metas estabelecidas pelos ODS, 132 têm relação com o mundo rural. Vejam a importância de trabalhar pelo desenvolvimento do meio rural e das mulheres.”
Fome e obesidade
A oficial relatou também sobre o paradoxo que tem marcado a realidade atual da América Latina. Enquanto alguns países da região conseguiram erradicar o problema da fome, eles também passaram para outra forma de desnutrição: a obesidade.
Os gastos com tratamento de problemas de saúde devem aumentar em pelo menos 150% em alguns dos países afetados pelo crescimento da obesidade, segundo levantamento apresentado pela especialista.
“As estatísticas nos mostram que a cada ano na América Latina se somam 3,6 milhões de pessoas obesas, além da fome que persiste em determinados países da região”, alertou.
Em sua apresentação, Cláudia destacou que esse paradoxo afeta diretamente a mulher rural, que é responsável de forma substantiva para a produção de alimentos saudáveis e pela eliminação da fome e da pobreza, garantindo a segurança alimentar de sua família e da comunidade, ao mesmo tempo em que é, por vezes, a principal vítima das consequências da pobreza, da fome ou da obesidade.
“Desse grupo de pessoas que padecem de fome, 19 milhões são mulheres e 15 milhões são homens. E do grupo de pessoas em países da América Latina, há um índice de obesidade de cerca de 10% entre homens e mulheres.”
A oficial explicou que há uma “feminização” da pobreza e a campanha deste ano pretende focar nesta problemática e em outras questões centrais da vida das mulheres rurais, como a falta de acesso a recursos, terras, e da sobrecarga de trabalho.
Ela reiterou que a campanha tem objetivo de motivar análise e reflexão sobre esses problemas e reforçar a discussão sobre os direitos das mulheres, além de promover a formulação de políticas públicas.
Ações
Secretário de Agricultura Familiar e Cooperativismo, Fernando Schwanke, que também elogiou a iniciativa da FAO, destacou a importância do empoderamento da mulher no meio rural, que promoveu mudanças ao longo das últimas décadas no posicionamento, na autonomia e na autoestima de trabalhadoras rurais.
Ele afirmou que a secretaria vai desenvolver ações que valorizam o papel das trabalhadoras rurais. “Existe uma grande força empreendedora da mulher que precisa ser valorizada, apoiada e trabalhada”, disse.
O fortalecimento de cadeias produtiva curtas, que promovem a produção agrícola nas áreas próximas aos grandes centros, está entre tais iniciativas. Nesse caso, há um projeto sendo desenvolvido para a região Nordeste, que deve ampliar a participação da agricultura familiar na oferta de alimentos para a merenda escolar.
Assistência técnica e orientação
Schwanke citou ainda a possibilidade de desenvolver ações de estímulo à assistência técnica e orientação aos produtores rurais sobre os desafios enfrentados pelas trabalhadoras em campo.
O secretário adjunto da mesma pasta, Ewerton dos Santos, acrescentou que a campanha deve chegar nas três esferas de governo e que os gestores devem facilitar o acesso das trabalhadoras ao crédito, como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).
Santos salientou ainda a necessidade de atenção às mulheres que vivem em assentamentos da reforma agrária. Segundo ele, o Brasil tem cerca de um milhão de pessoas assentadas em 10 mil acampamentos distribuídos por 2.400 municípios do País.
“Em pelo menos 60% dos assentamos, a unidade familiar é comandada por mulheres. Temos que olhar para a mulher assentada”, sugeriu.
Participação feminina
O lançamento também foi marcado pela apresentação de experiências e iniciativas lideradas por mulheres, como o livro Mulheres dos Cafés do Brasil, o Programa Moeda Semente e uma pesquisa sobre participação das mulheres em cooperativas.
Participaram do lançamento da campanha representantes do Comitê de Gênero do Mapa, da União Nacional das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária (Unicafes), Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários (Unicopas), Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), Confederação Nacional de Municípios (CNM).
Ainda estiveram no encontro representantes da Associação Brasileira das Entidades Estaduais de Assistência Técnica e Extensão Rural (Asbraer), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Aliança Internacional das Mulheres do Café, da Secretaria da Mulher do Distrito Federal e da Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Brasil (Contraf).
A iniciativa
A 4ª edição da Campanha Regional Mulheres Rurais, Mulheres com Direitos prossegue até dezembro de 2019, com a realização de atividades que priorizem o papel das mulheres rurais, indígenas e afrodescendentes na produção sustentável de alimentos saudáveis e nutritivos, principalmente no contexto de crescimento dos níveis de insegurança alimentar na região da América Latina e Caribe.
A campanha também visa estimular à adoção de medidas que facilitem o acesso delas a recursos e sistemas produtivos de inovação, de forma a aumentar a representação das mulheres no campo da ciência e do uso de novas tecnologias.
A mobilização deste ano foi organizada pela FAO em parceria com a ONU Mulheres, a Secretaria de Agricultura Familiar e Cooperativismo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), a Comissão sobre Agricultura Familiar do Mercosul (Reaf) e a Direção Geral do Desenvolvimento Rural do Ministério da Pecuária, Agricultura e Pesca do Uruguai.
Para esclarecimentos de dúvidas, é possível entrar em contato com a coordenação da campanha pelo e-mail: mulheresrurais.saf@agricultura.gov.br ou pelo telefone: (61) 3218.2886.