Colaboração internacional envolve FGV, Canadá e EUA e pode ajudar consumidores e indústria a avaliar cortes bovinos e suínos com mais precisão (Foto: FGV/Envato)
Na hora de escolher a carne para o churrasco, muitos consumidores ainda confiam apenas no próprio olhar — mas essa realidade pode estar prestes a mudar.
Um grupo de pesquisadores do Brasil, Canadá e Estados Unidos desenvolveu um sistema que usa inteligência artificial (IA) e visão computacional para prever a maciez e a quantidade de gordura intramuscular de carnes bovinas e suínas a partir de fotos tiradas com o celular.
O estudo, publicado na revista científica Meat Science, contou com a participação de Dário Oliveira, da Escola de Matemática Aplicada da Fundação Getulio Vargas (FGV EMAp).
“Esse tipo de colaboração internacional é essencial para a FGV EMAp e para o desenvolvimento da ciência de dados no Brasil. Reunimos diferentes especialidades para resolver um problema real, que envolve inovação tecnológica e impacto direto na vida das pessoas”, afirma Dário.
A pesquisa se baseou em um conjunto de imagens de 924 bifes de contrafilé bovino e 514 de lombo suíno, capturadas com celular em ambiente controlado e com iluminação padronizada. As imagens foram reunidas ao longo de um ano pela equipe do especialista em qualidade da carne Márcio Duarte, na época vinculado à University of Guelph, no Canadá.
O projeto foi desenvolvido por João Dórea, da University of Wisconsin-Madison, e conduzido por Guilherme Menezes, com colaboração de Dário Oliveira.
Redes neurais foram treinadas para analisar essas imagens e prever atributos tradicionalmente mensurados em laboratório, como força de cisalhamento — que indica o quanto de força é necessário para cortar a carne — e o percentual de gordura entre as fibras, conhecido como gordura intramuscular (IMF, na sigla em inglês).
Além de classificar os cortes como “macia”, “intermediária” ou “dura”, os cientistas também aplicaram testes de regressão para estimar valores numéricos desses atributos.
O modelo de IA foi testado em condições que simulam situações reais de escolha no supermercado, comparando pares de cortes e prevendo qual seria mais macio ou com mais gordura.
Os resultados foram promissores: o sistema acertou 76,5% das vezes ao prever a maciez da carne bovina — contra uma taxa média de 46,7% dos 130 consumidores humanos que tentaram fazer o mesmo julgamento apenas olhando as imagens.
Para a carne suína, a precisão chegou a 81,5%. Em relação à gordura intramuscular, a taxa de acerto foi de 77% para carne bovina e 79% para a suína.
Para Guilherme Menezes, a capacidade de estimar o teor de gordura representa um grande avanço.
“Ela influencia diretamente na suculência da carne e, consequentemente, no seu sabor. Nossa pesquisa consegue prever quantitativamente esse percentual, permitindo que o consumidor seja muito mais específico sobre o nível de gordura desejado, algo impossível de avaliar com precisão apenas olhando”.
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Potencial para consumidores e indústria
Por enquanto, o sistema foi treinado para funcionar com dois cortes específicos — contrafilé bovino e lombo suíno — e em condições controladas. Mas os pesquisadores esperam ampliar os testes para outros tipos de carne, variações de iluminação e animais de diferentes raças e origens.
O objetivo final é que a pesquisa sirva de base para o desenvolvimento de um aplicativo que ajude consumidores a tomar decisões mais informadas na hora da compra. A tecnologia também tem potencial para ser usada pela indústria frigorífica, contribuindo para uma classificação mais precisa dos produtos e para políticas de precificação mais justas.
“Para um país como o Brasil, que está entre os maiores produtores e exportadores de carne do mundo, a agroindústria é uma área estratégica. E esse tipo de ferramenta pode transformar toda a cadeia de produção, comercialização e consumo”, destaca Dário.