Lavura de soja apresentando sintomas de deficit hídrico do solo (Foto: Ana Claudia Barneche/Embrapa)
O excesso de calor dos últimos dias tem causado impactos significativos nas lavouras de soja, milho e arroz na Região Sul do Brasil, além de afetar plantações de café e frutas na Região Sudeste. A cada ano, os efeitos das mudanças climáticas sobre a produção de alimentos se intensificam, gerando preocupação entre agricultores e especialistas.
De acordo com a climatologista Francis Lacerda, pesquisadora do Instituto Agronômico de Pernambuco, estratégias de agroecologia podem retardar esses efeitos e diminuir a ameaça de insegurança alimentar.
“Existem práticas que podem ainda reduzir esses efeitos. Eu digo ainda porque daqui a pouco não vai poder mais”, alerta a especialista.
Uma das principais medidas defendidas por Francis é o reflorestamento.
“Uma prática que se faz muito na agroecologia é o consórcio. Você planta uma árvore frutífera e, do lado, você planta uma leguminosa, feijão, milho, faz esse plantio todo junto… E essas plantas vão interagir de uma forma que vão beneficiar umas às outras”, explica a especialista.
“Tem uma que vai buscar água lá no fundo, porque a raiz dela é pivotante, mas outra que não consegue. Aquelas plantas que não aguentam muita incidência de radiação ficam melhores [quando] associadas a árvores grandes, que fazem sombra para elas. A gente precisa fazer um reflorestamento e implementar esse modelo do sistema agroflorestal”, completa.
A especialista destaca ainda que a diversificação de culturas favorece a fertilidade e proteção dos solos, além de reduzir os riscos de pragas e doenças, “contribuindo para a não utilização de agrotóxicos e garantindo ao agricultor vantagens ambientais e financeiras, tais como investimentos mais baixos e colheita de produtos diversificados, evitando riscos econômicos provenientes de condições climáticas extremas”.
Mudanças climáticas surpreendem agricultores familiares

Registros de período de estiagem no Rio Grande do Sul. Foto: Luiz Magnante/Embrapa
Francis Lacerda ressalta que a grande parte dos alimentos consumidos pelas famílias brasileiras é produzida por agricultores familiares, que têm sido cada vez mais impactados pelas mudanças no clima.
“Porque eles não conseguem mais ter as práticas que tinham de plantar em tal período, de colher em outro. E geralmente quando a gente tem essas ondas de calor, [o total] de alguns organismos no ecossistema que são mais resilientes – insetos, fungos e bactérias – aumenta muito e eles arrasam com a produção”, acentua.
Diante desse cenário, a climatologista defende a implementação de políticas públicas que promovam tecnologias para captação e armazenamento de água, além de geração de energia, reduzindo a vulnerabilidade das comunidades aos efeitos climáticos.
“Dar autonomia a essas comunidades para produzir o próprio alimento dentro dessas condições, e ainda fazer o reflorestamento da sua propriedade, é possível, é barato e os agricultores querem”, salienta.
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Espécies endêmicas em risco

Floração de umbuzeiro em período de seca. Espécie é uma das que está em risco, segundo climatologista. Foto: Marcelino Ribeiro/Embrapa
Enquanto essas medidas não são adotadas em larga escala, a incidência de algumas espécies vegetais endêmicas dos biomas brasileiros está diminuindo, segundo a especialista.
“Inclusive espécies adaptadas para se desenvolver em áreas secas e quentes”, afirma Francis.
Um exemplo citado por ela é o umbuzeiro, uma planta típica do semiárido.
“O umbuzeiro, por exemplo, uma planta que é uma referência para o semiárido. Ela é muito resiliente e guarda água nas suas raízes porque está acostumada a lidar com as secas. Os umbuzeiros estão sumindo da paisagem porque eles não conseguem mais se adaptar a essas variáveis climáticas atuais”, avalia.
Lições para o meio urbano
A climatologista também acredita que essas lições podem ser aplicadas ao meio urbano.
“Reservando espaços na cidade que possam servir para o cultivo de alimento, como quintais produtivos e farmácias vivas. Mas é preciso ter uma política pública que oriente e que financie”, diz.
“Porque quem tem dinheiro manda buscar a comida, mas sem justiça social não se combate as mudanças climáticas. É preciso pensar em formas inovadoras de produzir e garantir a segurança hídrica, energética e alimentar para as populações do campo e da cidade”, finaliza.