Empresa desenvolve material substituto com composição 100% orgânica
Desenvolver um material substituto ao plástico comum, mas de composição 100% orgânica, produzido por fermentação microbiológica e totalmente aderente aos processos aplicados pela indústria plástica. Essa é a missão da Bioreset, startup de biotecnologia, idealizada em 2018 e estabelecida como empresa em janeiro de 2019.
“Apenas 9% de todo o plástico produzido é reciclado, e no Brasil esse índice fica abaixo de 1,5% (WWF, 2019). Se continuarmos nesse ritmo, até 2050 haverá mais plástico nos oceanos do que peixes”, alerta o administrador de empresas formado pela FAAP, fundador e CEO da Bioreset, Fernando Piovesana. A empresa é uma das startups que integra o SNASH, uma iniciativa da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA)
O CEO, que tem pós-graduação em Controladoria e Finanças pela University of Washington e The University of Texas, respectivamente, informa que o plástico é uma das piores formas de poluição atualmente. “Além disso, por ser altamente tóxico, a maioria dos produtos feitos hoje com esse material tem vida útil de poucos minutos, mas levarão mais de 400 anos para se decompor”, comenta.
Algumas soluções vendidas hoje como biodegradáveis, conforme explica Piovesana, na verdade, fragmentam o material em partículas chamadas microplásticos que além de serem mais difíceis de retirar do meio ambiente são extremamente tóxicas.
“Esses resíduos acabam entrando nos organismos de peixes, aves e seres humanos, causando graves problemas de saúde, que ainda estão sendo qualificados pela medicina, mas já se estima que, em média, cada pessoa chega a ingerir e inalar o equivalente a um cartão de crédito em microplásticos por semana”, detalha o fundador da startup.
A solução
O executivo explica que, através de um processo biotecnológico 100% natural, são utilizados resíduos industriais e agrícolas para desenvolver os PHAs (poli-hidroxialcanoatos), uma família de polímeros totalmente orgânicos, capazes de substituir o plástico na indústria de embalagens, descartáveis e muito mais, sem necessidade de adequação de máquinas e processos, e que são naturalmente biodegradáveis em pouco tempo, sem prejudicar o meio ambiente.
“Nosso modelo de negócio segue a mesma lógica das petroquímicas e fabricantes de resinas-base convencionais, uma vez que o PHA terá a mesma característica para a indústria, que será um polímero finalizado, formulado em grades para diversas aplicações, e pelletizado, entregue à indústria plástica exatamente no mesmo formato em que ela está habituada a trabalhar com o plástico convencional, e que não necessitará de qualquer adequação das máquinas ou processos implantados atualmente”, detalha o CEO.
Ele destaca que, atualmente o Brasil consome mais de 7 milhões de toneladas de resinas plásticas por ano, e cerca de 40% destas são destinadas à aplicação em itens com vida útil menor que 1 ano, nosso alvo principal, mercado anual que supera R$ 30 bilhões.
“Atuamos diretamente com grandes empresas, instituições e órgãos públicos pela conscientização sobre a redução do plástico de uso único, e contamos com um preço competitivo em relação ao das resinas convencionais. O principal diferencial é ser totalmente seguro para o meio ambiente”, cita.
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Panorama do setor
De acordo com a Abiplast, a produção global de resinas plásticas é estimada em 367 milhões de toneladas anuais, das quais, 2% são atribuídas ao Brasil, ou 7,3 milhões de toneladas, nas quais são consideradas apenas as resinas à base de fontes fósseis, virgens e recicladas. Cerca de 40% de toda a resina plástica consumida pela indústria de transformação, no Brasil, é destinada a embalagens descartáveis e outros itens de uso único.
“Como essa quantidade de produção e uso de resinas concentra-se nas resinas de fontes fósseis, o problema da poluição plástica permanecerá para mais de 98% de todo o resíduo plástico gerado anualmente, uma vez que a reciclagem, no Brasil, apenas consegue solucionar 1,5% dos resíduos. O restante permanecerá por séculos na natureza e em aterros sanitários inadequados”, lamenta.
Segundo ele, é preciso quebrar o paradigma de que os transformadores plásticos, que estão habituados a trabalhar com as resinas plásticas convencionais, devem se limitar ao uso dessas commodities na sua produção, pois o mercado pede inovação. Se as indústrias não se atualizarem com novas matérias-primas, perderão competitividade frente à inovações que vem surgindo no mercado internacional.
Para isso, Piovesana conta que a Bioreset trabalha em conjunto com os brand owners, empresas de grande porte que vêm muito valor em novas tecnologias, e precisam apresentar resultados relativos à sustentabilidade, circularidade e métricas ESG.
De acordo com o CEO, a Bioreset mostra a essas empresas que é possível criar novos materiais à partir de seus resíduos orgânicos, principalmente da agricultura e das indústrias de alimentos e bebida, e que tais materiais, quando aplicados às suas embalagens, não terão efeitos negativos no meio ambiente, porque vão biodegradar e fertilizar o solo, ou mesmo servir de alimento para animais marinhos.
“Isso gera uma demanda para o transformador, que não verá mais impacto de pagar um preço adicional pela matéria-prima, pois o alto valor agregado já é enxergado pelo seu cliente”, comenta.
O executivo entende que, em quilos de material, realmente o valor é superior ao plástico convencional, mas na aplicação final na embalagem que, muitas vezes é medida em grama, o ganho em marketing e sustentabilidade é dezenas de vezes maior que o custo incrementado.
Conheça mais sobre o trabalho da Bioreset no vídeo: https://youtu.be/Q-UrvW7IbnA?list=TLGGMELNwdCmrroxMTAzMjAyNA
E o que esperar do futuro?
Na América Latina, segundo informa o executivo, são produzidos 12,6% dos bioplásticos mundiais, ou cerca de 280 mil toneladas anuais. “Vale lembrar A quase totalidade desse número é feita pela Braskem, em seu Polietileno Verde produzido a partir de cana-de-açúcar, o I’m Green, que tem hoje uma capacidade instalada de 260 mil toneladas, e que, apesar de feito de fonte renovável, não é compostável ou biodegradável, e permanecerá na natureza ou em aterros por séculos, como o plástico de petróleo”, pondera.
Ele pontua ainda que as 20 mil toneladas restantes na América Latina são produzidas por empresas de menor capacidade produtiva, em estágio inicial, como a ERT, que produz 3,5 mil toneladas de PLA, biopolímero de fonte renovável e que, por ser compostável industrialmente, ainda depende de uma logística reversa para se decompor sem deixar vestígios na natureza
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há cerca de 80 usinas de compostagem no País, grande parte delas está desativada por falta de políticas de coleta, triagem e processamento da matéria orgânica coletada.
“Somente uma pequena parte desses plásticos é apta à compostagem doméstica. Portanto, quando o rótulo diz ‘compostável’, geralmente significa compostagem industrial. Ou seja, aquele copo de café que você comprou com o logotipo de biodegradável não vai se decompor rapidamente, se é que vai se decompor, na pilha de compostos orgânicos da sua casa, mas certamente vai se decompor dentro do equipamento industrial apropriado”, alerta.
A previsão, de acordo com o CEO, é de uma capacidade de demanda de 2,8 milhões de toneladas, para as quais existe uma oferta de, no máximo, 20 mil toneladas em resinas bioplásticas compostáveis ou biodegradáveis.
Ele menciona que, impulsionando essa disparidade entre demanda e oferta, há o Projeto de Lei 2524/22, em trâmite no Senado Federal que, entre seus artigos, impõe que embalagens, descartáveis e outros itens de curto ciclo de vida deverão ser, a partir de 1 ano da sua publicação, “produtos confeccionados em materiais integralmente compostáveis, feitos a partir de matérias-primas renováveis”
“Portanto, excluindo a possibilidade de aplicação do I’m Green a essas finalidades, é de se prever uma enorme demanda reprimida, em breve, que buscamos atender com nosso projeto”, conclui Piovesana.