Executivo coordena coordena o Comitê de Agroenergia da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG)
O Portal SNA conversou com Jacyr Costa Filho, expoente do setor sucroenergético brasileiro. Engenheiro e administrador de empresas por formação, é reconhecido como um dos mais influentes gestores do setor, com mais de 35 anos de experiência em empresas como Açúcar Guarani, Brasil Álcool e a trading SCA.
Também integra colegiados de entidades do segmento, atuando como diretor financeiro da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) onde, em 2016, assumiu a presidência do COSAG – Conselho Superior do Agronegócio. Atualmente também coordena o Comitê de Agroenergia da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG).
Nesta entrevista, ele discorreu sobre a longevidade e resiliência do setor sucroenergéticos brasileiro, as mudanças de testemunhou ao longo de sua trajetória profissional e as perspectivas para um futuro de sustentabilidade e diálogo entre produtores e autoridades públicas. Confira a seguir.
SNA: Sua trajetória de sucesso se deu numa indústria que foi o primeiro grande ciclo econômico brasileiro, o da cana de açúcar. Quais foram, nesse setor tão longevo e rentável, as principais evoluções que testemunhou desde o início de sua carreira?
Eu tive a oportunidade de conhecer e atuar no setor em meados da década 1980. Foi uma época vibrante para o setor graças à instalação de inúmeras destilarias de etanol no interior do Brasil, e com o crescimento da indústria de equipamentos em Sertãozinho, com a Zanini, e em Piracicaba, com a Dedini. Eu, engenheiro egresso do setor imobiliário em São Paulo, me entusiasmei e decidi ficar neste setor. Conheci minha esposa em Olimpia, casamos e tivemos três filhos. Construímos uma fábrica de açúcar em uma época em que se montavam destilarias de etanol. A decisão se mostrou acertada, pois o novo governo congelou os preços da gasolina para controlar a inflação – a história se repete e não aprendemos com nossos erros. Com isso, a expansão da cana foi estancada, o que causou falta de etanol para abastecer os carros, provocando o descredito no programa do Álcool e uma crise no setor. Entre 1980 e 1990, graças ao crescimento veloz da moagem de cana e, consequentemente, da produção do biocombustível, surgiam no País os carros movidos exclusivamente a etanol, cuja comercialização atingiu seu auge em 1986, com o licenciamento de quase 700 mil unidades. Em 1990, o Governo Collor extinguiu o Instituto do Açucar e Álcool (IAA) eliminando o monopólio das exportações de açúcar. Na época o Brasil tinha uma participação no mercado mundial de 7% comparados com 40% atualmente. Assim, o setor passou uma nova fase de expansão com a produção de açúcar durante a década 1990. No início do século XXI, dois fatores contribuíram para a maior diversificação da produção sucroenergética. Primeiramente, o “apagão” energético ocorrido em 2001, o que incentivou o maior uso da bioeletricidade gerada a partir do bagaço e da palha da cana na rede elétrica nacional. Vinte anos depois, a geração de bioeletricidade da cana atingiu 20,2 TWh. O montante equivale a quase 30% da energia elétrica produzida pela Usina Itaipu ou ao atendimento de 13% de todo o consumo residencial no Brasil. Em março de 2003, a indústria automotiva e o segmento sucroenergético lançaram conjuntamente a tecnologia flex-fuel. Com a possibilidade de escolha na hora do abastecimento do veículo, o consumidor brasileiro aderiu fortemente ao carro flex. Atualmente, segundo dados da UNICA, 80% da frota circulante e 40% das motos são flex. Observando-se o sucesso dos carros flex, a indústria automotiva aperfeiçoou a tecnologia e adaptou-a ao processo de eletrificação veicular lançando, em 2019, o primeiro veículo híbrido flex do mundo, que foi o Toyota Corolla. Outros usos do etanol se dão em aeronaves agrícolas e também na produção de bioplásticos, como é o caso da fábrica da Braskem, no Rio Grande do Sul. Na aviação comercial, empresas como a Embraer, juntamente com Boeing e Airbus, estão estimulando a produção do SAF (Sustainable Aviation Fuel). Além de liderar o mercado mundial de açúcar, o setor sucroenergético produz biogás e biometano a partir da vinhaça e outros resíduos da indústria. As usinas não apenas modernizaram o cultivo da cana com a mecanização da colheita e aplicação de técnicas ESG, como ainda criaram o maior programa de descarbonização da matriz de transporte do mundo, o RenovaBio. Este programa, incentivando a eficiência energética nas unidades de produção, é pioneiro na geração de Créditos de Descarbonização (CBIOs), fatores que tornam o setor de combustíveis cada vez mais sustentável.
SNA: As últimas décadas marcaram o protagonismo brasileiro na produção e exportação de gêneros alimentícios. O setor sucroenergético é determinante para a manutenção dessa liderança. De que forma o segmento conseguiu blindar-se das crises e concorrências que afetaram, em maior ou menor grau, outros cultivos?
Atualmente, um dos maiores desafios enfrentados pelo setor sucroenergético e pela agricultura de forma geral, em todo o mundo, é superar os efeitos negativos da guerra na Ucrânia. Sanções impostas à Rússia e à Bielorrússia, os nossos principais fornecedores de fertilizantes, vem criando dificuldades para os produtores brasileiros. No País, a dependência por fertilizantes importados atinge cerca de 90% da demanda. Para atenuar o quadro no curto prazo, o Ministério da Agricultura, com grande agilidade, diversificou a lista de países fornecedores destes insumos, incorporando o Canadá. Outro caminho, visando o médio e o longo prazo, foi o lançamento do Plano Nacional de Fertilizantes em 2022, para reduzir as importações de fertilizantes de 90% para 60% até 2040. A pandemia da Covid-19 foi também um desafio e, ao mesmo tempo, criou uma oportunidade para o agro brasileiro. No período, o País firmou-se ainda mais como celeiro global no abastecimento de soja, açúcar, carne bovina, carne de frango, suco de laranja, milho e café. Em meio à crise sanitária, o Brasil tornou-se um fornecedor confiável de alimentos no mercado externo. Importante sublinhar que nos últimos 50 anos o Brasil saiu da posição de importador de alimentos, apresentando-se como potência agrícola e garantindo a segurança alimentar do mundo. Atualmente, o agronegócio brasileiro lidera a exportação mundial de alimentos industrializados por volume, à frente dos Estados Unidos. Enquanto a indústria da transformação em geral encolheu 1,2% de janeiro a setembro de 2023, a de alimentos avançou 3,9%. Na pauta de exportações de 2023, geramos US$ 167 bilhões em exportações de produtos agrícolas. Neste cenário, os três itens que mais cresceram foram o açúcar (+35%), o suco de laranja (+23) e o milho (+11%). O desenvolvimento da indústria de alimentos aliado à força motriz da agricultura nacional, propicia uma nova oportunidade: podemos ser um grande supermercado do mundo. Além de exportarmos grãos, carnes e alimentos in natura, temos condições de aumentar a nossa participação internacional, fornecendo produtos industrializados que atendam diferentes segmentos de consumidores.
SNA: O uso do etanol como combustível revolucionou a indústria no país e representou um pioneirismo em escala mundial, servindo de bússola para outros países, sobretudo após a primeira crise do petróleo, em fins dos anos 70. Que balanço faz desse fenômeno e como enxerga o futuro do setor diante da migração gradual para a propulsão elétrica?
Meio século depois de o Brasil iniciar pioneiramente a revolução verde graças à produção de etanol de cana-de-açúcar, hoje os biocombustíveis vêm reforçando o seu papel na transição energética mundial. Deixaram de ser uma bandeira específica de alguns setores da economia para atingir um novo patamar na estratégia de descarbonização. Isto se evidenciou em setembro de 2023, durante a última reunião do G20, com a criação da Aliança Global de Biocombustíveis (GBA, na sigla em inglês), que agrega 19 países e 12 organizações internacionais para acelerar a produção de etanol e outros combustíveis sustentáveis. Expandir o consumo de biocombustíveis é hoje objetivo multilateral para que o planeta reduza suas emissões de gases de efeito estufa até 2030, ano-limite para o cumprimento das metas climáticas acordadas em 2015 na Conferência das Nações Unidas. A formação da GBA é parte deste esforço. Em relação à eletrificação veicular, cada país encontrará o melhor caminho para a descarbonização nos transportes. No Brasil, a eletrificação é inevitável e ocorrerá tendo o etanol como fonte de energia. Este é o caso já mencionado do primeiro veículo híbrido flex do mundo, o Toyota Corolla, lançado no Brasil há quatro anos. Desde então, gigantes do mercado automotivo como Volkswagen, Caoa Chery, Nissan, Great Wall Motors e o grupo Stellantis (que reúne as marcas Fiat, Jeep, Peugeot, Citroen e RAM) vêm demonstrando interesse pela fabricação deste modelo. Estas marcas também apostam na utilização do etanol, rico em hidrogênio, para abastecer uma célula de combustível e acionar um motor elétrico. Adotando soluções imediatas para a transição energética, principalmente na fabricação de etanol, biodiesel, biogás e, futuramente, bioquerosene de aviação, a agroindústria canavieira contribui globalmente para a geração de benefícios ambientais, sociais e econômicos. Neste contexto, é importante que o Brasil assegure sua posição de liderança neste mercado, impulsionando políticas públicas como o Programa Combustível do Futuro, o RenovaBio e a regulamentação do mercado de créditos de carbono.
SNA: Nesse sentido, quais os desafios para a indústria de açúcar e outros derivados da cana frente às demandas por práticas sustentáveis, como fontes limpas e renováveis de energia, biocombustíveis, biomassa, mercado de carbono etc., no contexto das mudanças climáticas?
Temos três desafios importantes; o primeiro é consolidar a eletrificação por meio dos veículos híbridos-flex e com o uso do etanol. Estes serão os automóveis com a menor pegada de carbono no conceito do ciclo de vida do berço ao tumulo, e mesmo no conceito do poço à roda. O segundo é consolidar o uso do SAF na indústria de aviação, através da rota A to J, com o etanol cumprindo papel fundamental como matéria prima para a produção sustentável desses combustíveis. O Brasil tem todas as condições para liderar esse segmento. O terceiro desafio envolve a produção do biogás e biometano, como exemplos para ampliar o uso dos subprodutos do setor sucroenergético, garantindo novas receitas e melhorando a nota ambiental das usinas. Além da possibilidade de substituição do diesel pelo biometano. Um desafio no aspecto ambiental é a redução do uso de nitrogenados produzidos a partir de energia fóssil, substituindo-os por nitrogenados a partir de renováveis ou biofertilizantes.
SNA: O senhor compôs conselhos de entidades relevantes de representação do mercado, cuja interlocução com os governos ajuda a formular políticas públicas e canalizar os anseios e temores de quem produz. Quais as nuances desse diálogo e que lições essa outra frente lhe trouxe em sua atuação como gestor privado, sobretudo em épocas mais recentes, de forte polarização?
O gestor privado deve cultivar uma visão política de modo a compatibilizar seus pontos de vista com os governos das três esferas e com a sociedade. O importante é manter o foco no que é essencial no negócio, de modo a trazer o necessário desenvolvimento econômico e social, sabendo que os governos passam, mas o negócio precisa continuar. A sensibilidade política no sentido amplo é essencial. São nuances que não obedecem a um manual e dependem, fundamentalmente, da intuição e da competência de cada gestor.