Pesquisadores da Universidade de Passo Fundo (UPF), da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e da Universidade do Kansas (EUA) desenvolveram, em conjunto, um aplicativo que visa à vigilância das lavouras e formação de um banco de dados sobre epidemias de brusone, uma das principais doenças do trigo no mundo.
O Pic-a-Wheat-Field (“fotografe um campo de trigo”, em livre tradução) pode ser acessado pelo telefone celular, baixando o app no smartphone, via sistema iOS ou Android, e cadastrando um usuário.
Segundo a Embrapa, a intenção é que, nos próximos meses, o aplicativo interaja com o Sisalert (http://sisalert.com.br), tecnologia criada pela estatal para analisar dados climáticos e avaliar riscos de epidemias para as lavouras.
O sistema Pic-a-Wheat-Field foi desenvolvido visando à interação com o produtor rural ou assistência técnica no abastecimento dos dados. O acesso é simples: basta o usuário ligar o GPS do celular, antes de fotografar a lavoura ou as espigas com sintomas de brusone.
Coordenadas geográficas
As coordenadas geográficas (latitude e longitude) serão extraídas das fotos e identificadas no mapa para uma localização no globo. Um algoritmo de banco de dados, por sua vez, verifica a existência de uma estação meteorológica no raio de cem quilômetros do local da imagem.
Caso tenha sido informado um campo de trigo com brusone no mundo, a tecnologia avalia a adequação do clima para ocorrência da doença.
“Os dados coletados no sistema deverão servir para o ajuste fino dos modelos de simulação da ocorrência da brusone no trigo baseados em dados meteorológicos”, avalia o agrônomo e doutor em Fitopatologia José Maurício Fernandes, pesquisador da Embrapa Trigo (RS).
A partir do login e da senha gerados no aplicativo, o usuário pode acessar o portal “Pic-a-Wheat Field” (em http://picawheatfield.org/site) de qualquer dispositivo – nos idiomas inglês, português e espanhol – e visualizar o mapa com a distribuição de lavouras de trigo com ocorrência da doença.
“O mapa de distribuição da brusone facilitará a adoção de medidas de controle na eminência de surgimento de uma epidemia ou mesmo na total ausência da doença”, explica Fernandes.
Avaliação
Do ponto de vista da pesquisa, o registro da ocorrência da brusone abastecerá o banco de dados coletados ao longo dos anos, permitindo avaliar tanto a dispersão da doença quanto a agressividade do fungo a cada safra de trigo.
Para o usuário, a vantagem será a interação do “Pic-a-Wheat Field” com sistemas de vigilância (como o brasileiro Sisalert), que poderão alertar o usuário, por meio de mensagens, sobre o risco de epidemias nos próximos sete dias, orientando o melhor momento de aplicação dos fungicidas, como forma de reduzir danos à triticultura.
“No momento, é possível somente cadastrar o usuário e enviar fotos para localizar a incidência da brusone, mas o aplicativo deverá estar completo até o fim deste ano”, diz Willingthon Pavan, pesquisador da Universidade de Passo Fundo (RS).
Pesquisa financiada
O app “Pic-a-Wheat Field” é um dos resultados do trabalho de pesquisa financiado pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês), no controle da brusone no trigo e no arroz.
Sob a coordenação da pesquisadora da Universidade do Estado do Kansas (EUA) Barbara Valent, também participaram do desenvolvimentos do software pesquisadores do Brasil, Bolívia, Paraguai, México e Bangladesh.
“O projeto tem como objetivo gerar novas soluções em monitoramento e biotecnologia para combater a brusone, com ações que buscam desenvolver um germoplasma resistente, criar sistemas de alerta de epidemias em tempo real e difundir estratégias de manejo no uso de fungicidas para controle da doença”, explica Barbara.
Brusone, uma das doenças que mais ameaçam o trigoA brusone é uma das principais doenças de impacto econômico no trigo. O agente causador é o fungo da Magnaporthe oryzae que, quando ataca a ráquis da espiga, resulta em grãos deformados e com baixo peso específico, o que reduz o rendimento das culturas. Até pouco tempo, os relatos de ocorrência da brusone no trigo estavam restritos a eventuais epidemias em áreas tropicais bem definidas no Brasil, Bolívia e Paraguai. Entretanto, em 2016, a doença foi registrada em lavouras de trigo em Bangladesh, no sul da Ásia, continente com o maior consumo mundial de cereais, chamando a atenção para a ameaça global que a brusone representa. Vale lembrar que a maioria das variedades de trigo em cultivo no mundo são suscetíveis à brusone, e os fungicidas disponíveis são ineficientes quando a intensidade da doença é elevada. Apesar de, ainda, não representar risco para os países produtores de trigo no Hemisfério Norte (o clima não favorece a sobrevivência do fungo causador da brusone nas condições atuais, sem considerar mudanças climáticas e possíveis mutações do fungo), os principais centros de pesquisa com cereais estão alertas à disseminação da doença no mundo, o que pode comprometer a segurança alimentar, principalmente nos países pobres da Ásia e África. |