Consultora EY coloca mudanças climáticas, gargalos na infraestrutura e agricultura de baixo carbono entre os dez desafios que o agronegócio deve superar para manter o crescimento dos últimos anos, principalmente no Brasil, Argentina e Chile
Nos últimos dez anos, Brasil, Argentina e Chile, integrantes do Cone Sul, registraram um aumento de 56% na produção agrícola, frente a 29% da média global, reforçando o processo de desenvolvimento e alavancagem da economia e dos investimentos.
Pensando na importância desse setor econômico para os três países sul-americanos, a consultora EY acaba de lançar o estudo “Top 10 riscos e oportunidades para o Agronegócio”, que contou com a avaliação de executivos de empresas dos três países, sendo 59% destes com cargos C-level.
Na Argentina, segundo o “El Agro en Argentina y su papel en la economía nacional”, o setor do Agronegócio representa aproximadamente 10% do Produto Interno Bruto (PIB) e 22% do total dos empregos.
No Brasil, com mais de R$ 2 trilhões gerados, o Agro corresponde a 28% do PIB, respondendo por 20,3% dos postos de trabalho, como indica o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA), da USP (Universidade de São Paulo), e no Chile, de acordo com o Ministério de Agricultura do país, o setor responde por 9,7% do PIB e mais de 24% do total de exportações, atrás apenas das vendas de cobre ao mercado externo.
Mudanças climáticas no topo
As mudanças climáticas aparecem como principal risco e podem impactar diretamente a produtividade do setor.
Além das variações das temperaturas em si, a maior ocorrência de ‘eventos extremos’ como fortes geadas, variações de temperatura fora de época e chuvas de alto volume também devem ser consideradas já que o aumento da imprevisibilidade climática impacta não apenas a produtividade do campo, como também investimentos e movimentos financeiros que empresas, bancos e demais entidades fazem, como a concessão de crédito rural.
De acordo com a pesquisa realizada pelo EY Decarbonization Framework, 47% dos investidores reconsiderariam o investimento com base nos riscos climáticos.
“Esse indicativo reforça a importância de as empresas precisarem estar informadas e preparadas nos seus modelos de análise tanto sobre como o clima quanto sobre como a inevitável mudança climática impactará diretamente os riscos financeiros e operacionais de forma cada vez mais relevante”, afirma Alexandre Rangel, sócio-líder de consultoria para o setor de agronegócios da EY para América Latina Sul.
“O agronegócio é uma ‘indústria a céu aberto’ e, por causa disso, ter gestão ativa dos riscos climáticos é atividade crítica do core business do setor”, completa.
Modal rodoviário
Em segundo lugar, vêm os gargalos na infraestrutura, que tem o sistema rodoviário como principal modal de transporte.
“A despeito dos grandes investimentos recentes, a produção do Agro no Brasil continua a aumentar de tal forma que a limitação dos modais de transporte e, principalmente, a falta de armazenagem na cadeia permanecem como grande entrave para a maior competitividade do agronegócio no Brasil”, conta Rangel.
Segundo ele, algumas regiões do país já conseguem colocar soja no mercado chinês com um custo de transporte simular a produtores do meio-oeste americano, mas isso ainda não acontece em todas as regiões do Brasil.
“Precisamos atingir de forma homogênea o mesmo nível de eficiência e investimento privado no transporte tal como fizemos na produção do Agro”, pontua.
Segundo a Confederação Nacional do Transporte, 62% das rodovias do país são inadequadas, apenas 30 mil quilômetros de ferrovias e um terço dos rios que têm capacidade para transporte hidroviário em grande escala são utilizados.
Para o executivo, “depois de décadas de pouco investimento dos governos em transporte hidroviário e ferroviário e a despeito dos esforços recentes, ainda existe falta de alternativas de logística de grande volume mais eficientes em determinados corredores de transporte para as novas regiões produtoras”
Rangel analisa que isso prejudica a competitividade dos produtos, eleva o custo de produção e resulta em perdas durante o processo de transporte, tanto dos insumos quanto da produção agrícola do país.
“É fundamental acelerar os investimentos privados em ferrovias, novos portos e principalmente em armazenamento”.
Estima-se que as perdas logísticas da soja e do milho, por exemplo, equivalem a 2,44% da produção, o que corresponde a R$ 4,5 bilhões.
“Quando falamos de infraestrutura, também temos que considerar como risco a falta de espaço para armazenagem, que gera redução do lucro dos agricultores, que precisam escoar seus produtos sem capacidade e tempo hábil de exercer melhores negociações”, ressalta o porta-voz.
Agricultura de baixo carbono
Fechando o top 3, o estudo traz a agricultura de baixo carbono como oportunidade que deve se tornar uma prática cada vez mais urgente no Brasil, já que o país vem se comprometendo com a mitigação das emissões de gases de efeito estufa.
Para isso, o plantio direto, a recuperação de pastagens degradadas, o tratamento de dejetos animais e a integração lavoura-pecuária-florestas são alguns dos caminhos que têm sido adotados, com linhas de crédito específicas para tal.
“Além disso, a participação da esfera pública é essencial na criação de incentivos positivos para a descarbonização das cadeias produtivas, viabilizando um número cada vez maior de produtores e empresas do agronegócio com práticas sustentáveis”, diz Alexandre.
“O setor tem que ser sustentável, mas não pode ter prejuízo por isso. Para ser mais eficiente é preciso contar com fontes de financiamento de práticas sustentáveis, lembrando que os bancos têm suas próprias metas de descarbonização. Isso tem que ser tratado como oportunidade e não como punição ao produtor”, completa o executivo.
Outros riscos e oportunidades
Produtividade e custos: estudo aponta que as mudanças climáticas são o principal fator nas perdas de produtividade no campo, e que as empresas têm se apoiado cada vez mais no uso de tecnologias. As soluções para maximizar a produtividade na safra estão diretamente ligadas à capacidade de relacionar antecipadamente os efeitos climáticos.
Restrição ao uso de agroquímicos: o panorama de produção futura passará por modificações, contando com grande foco na agenda ESG por parte da própria sociedade. Por fim, é importante ratificar que o padrão atual de uso de agroquímicos e defensivos terá de ser repensado e munido de tecnologia e ciência para continuarmos nos destacando como modelos de
alta produtividade.
Ética e compliance: a adoção de práticas de Compliance está diretamente ligada a maior vantagem competitiva e maior produtividade, permitindo que as empresas estabeleçam controles internos voltados à prevenção de fraudes e desvios, que documentem informações e estejam aptas a prestar informações de forma voluntária ou quando demandadas com maior transparência, bem como estejam mais preparadas para atender à crescente demanda internacional por padrões de integridade e sustentabilidade.
Intervenção governamental e reformas regulatórias: estudo destaca a importância da Reforma Tributária. “É talvez, a mais importante dentre as reformas estruturantes que o Brasil precisa implementar para propiciar, além de racionalidade do sistema, maior atratividade de investimentos, geração de empregos e crescimento econômico.
Qualificação da mão de obra e cultura inovadora: a alta demanda por profissionais no setor do Agronegócio, aliado à necessidade de mão de obra especializada para atuação, por exemplo, em atividades relacionadas ao aumento da maturidade digital no campo, representa um grande desafio. Mas este desafio não é somente “dentro da porteira”.
“Em todos os elos da cadeia, a escassez de mão de obra qualificada tem sido uma dor e ainda teremos um grande desafio daqui para frente”, diz o estudo.
Rentabilidade e variação cambial: documento ressalta que a empresa, ao ter visibilidade de seu caixa, estará mais preparada e sofrerá menos consequências aos eventos econômicos e/ou expectativas inesperadas geradas pelo mercado, que muitas vezes são a fonte da volatilidade cambial.
Profissionalização e evolução da governança: as empresas do Agro no Brasil experimentaram um crescimento acelerado nos últimos dez anos. Empresas familiares, operando como ‘pessoas físicas’ passaram a ser conglomerados multi-atividades com faturamento de bilhões.
“Assim, as exigências sobre governança corporativa, gestão de riscos e transparência são cada vez mais complexas e devem ser acompanhadas por processos e tecnologias corporativas no mesmo grau de sofisticação que vemos em multinacionais industriais e do setor de serviços. As empresas do Agro no Brasil já são multinacionais globais e precisam operar seus ‘backoffices’ como tal” conclui Rangel.