Como nos dois séculos anteriores, o Brasil segue a “Nação do Café”, responsável por mais de um terço do consumo global
A primeira refeição do dia para os brasileiros é o café da manhã, mesmo se não incluir café. Em Portugal, chama-se pequeno almoço ou desjejum (romper o jejum), em francês é o petit déjeuner (pequeno almoço), em inglês, breakfast (quebra jejum), em italiano, colazione (reunião), e em alemão, frühstück (cedo pedaço), nenhuma menção ao café, mesmo se ele for parte quase obrigatória da mesa matinal.
O café teve e tem papel relevante na história, na economia e na sociedade brasileira. São quase 300 anos. O café chegou ao Brasil em 1727. O nome e a bebida estão associados ao cotidiano dos brasileiros: café da manhã, café da tarde, café com leite e cafezinho. Até a história consagrou a expressão “café com leite” para designar as alianças políticas entre paulistas e mineiros.
Por café, café verde ou café cru entendem‐se as sementes de duas principais espécies do gênero Coffea. A primeira é o café arábica (Coffea arabica), durante séculos o único plantado e comercializado. Originário da Etiópia, seu patrimônio genético de 44 cromossomos influencia sua vasta paleta de sabores e aromas, de um gosto frutado e floral a perfumes achocolatados, doces e de avelã. Seu teor de cafeína varia entre 0,8% e 1,4%. É um café fraco ou leve. Plantado em áreas mais elevadas, resistente a períodos secos, o café arábica representa mais de 60% da produção mundial. Café coado por excelência, ele representa boa parte dos cafés finos e gourmets. Seus grãos são grandes e apresentam uma divisão central ondulada em S.
A segunda espécie é o Coffea canephora, formada por materiais genéticos do grupo conilon e robusta. Também de origem africana, ele foi descoberto pelos colonizadores belgas na bacia equatorial do Congo. O café robusta ou o conilon têm um patrimônio genético de 22 cromossomos, duas vezes menos que o arábica. Sua paleta de sabores e aromas é menos rica, e sua bebida é cheia de corpo, amarga e potente. Seu teor de cafeína chega ao dobro do arábica variando de 1,7% a 4%. É um café forte, muito forte. Menos exigente em termos climáticos e tecnológicos, cultivado em baixas altitudes e latitudes, ele resiste ao sol, produz logo, não pede sombreamentos, e sim chuvas mais abundantes. Responde por cerca de 30% da produção do café do Brasil e 40% da do mundo. Seu pó é muito usado em cafés solúveis e nos produzidos por extração a vapor (expressos) e nos filtrados. Nas misturas (blends), garante intensidade e a “espuminha” na xícara. Comparado ao arábica, seus grãos são menores, com uma divisão central mais retilínea.
No aroma do café verde intervêm cerca de 250 espécies moleculares voláteis. No torrado são mais de 800. Durante a torrefação, a água residual dos grãos é convertida em vapor e produz reações químicas com açúcares, proteínas, lipídeos e minerais presentes no café. A torrefação desenvolve o aroma característico do café, resultado de uma mistura bioquímica complexa. O café possui mais compostos voláteis do que qualquer outro alimento.
Durante o século 19 e boa parte do 20, a agricultura brasileira foi sinônimo de café, o grande financiador da urbanização e da industrialização, ocorrida em regiões cafeeiras. A expansão da produção suscitou e seguiu a demanda mundial sempre crescente por essa bebida tão estimulante. O mercado mundial é da ordem de 170 milhões de sacas de 60 quilos por ano.
Mais de 4 bilhões de cafeeiros são colhidos todo ano no Brasil. A safra 2022 é estimada em 3,2 milhões de toneladas (Conab). A área plantada permanece em 2,3 milhões de hectares, com produtividade média de 22,5 sacas/hectare. Minas Gerais responde por 46% da produção, seguido por Espírito Santo (28%), São Paulo (11%) e Bahia (7%). São cerca de 280 mil produtores, a maioria pequenos (78%), em 1,9 mil municípios de 15 Estados.
Os principais destinos das exportações brasileiras de café são Estados Unidos, Alemanha, Itália, Bélgica e Japão. Em 2021, o Brasil exportou café para 122 países (Cecafé). Como exportador, o Brasil está longe da posição monopolista ocupada no passado. Mesmo com o crescimento significativo da quantidade exportada nos últimos anos, o café deixou de ser o principal produto da pauta de exportação agrícola. Em 2021, ocupou o sétimo lugar, depois da soja em grão, do açúcar, da carne bovina e do farelo de soja.
Como nos dois séculos anteriores, o Brasil segue a “Nação do Café”, responsável por mais de um terço do consumo global, o maior produtor e exportador, com participação média de 30% nas exportações mundiais, seguido por Vietnã (15%), Colômbia (10%), Indonésia (5%) e Etiópia (5%). O Vietnã há muito tempo ultrapassou a Colômbia e produz cerca de 1,5 milhão de toneladas de café robusta. Em peso, a metade do arábica Brasil. Em qualidade, tốt hơn là không nên nói chuyện (é melhor não falar). A Colômbia, em terceira posição, produz a metade da produção do Vietnã, cerca de 750 mil toneladas de aromáticos arábicas.
Como dizia o saudoso cafeicultor e expert Roberto Ticoulat, o crescimento do Vietnã e de outros países foi causado pelo Brasil. A exigente legislação ambiental e trabalhista brasileira procriou a formação da cafeicultura de países como o Vietnã, sustentada por mão de obra barata e sem legislações exigentes de qualquer natureza. No mundo do café, há lugar para todos.
Apesar de o Brasil consumir e exportar muito café, seu consumo per capita não fica nem entre os dez primeiros
A cafeicultura brasileira é sustentável. Com tecnologias, fertilização sofisticada e irrigação, a cafeicultura aumentou a sua produtividade. Utiliza menos terra e produz mais. Avaliações de campo das emissões de gases de efeito estufa, da Cecafé em colaboração com a ESALQ/USP, indicam balanço negativo: a cafeicultura imobiliza mais carbono no solo e na planta do que emite. É cerca de 1,6 tonelada de carbono estocado por hectare/ano. Em pomares com as melhores práticas agronômicas, chega a 3,8 toneladas. Segundo a Embrapa Café, a utilização da Braquiaria decumbens como planta de cobertura nas entrelinhas estoca até 10,7 toneladas de carbono por hectare no solo. E a cafeicultura dedica muitas áreas à preservação da vegetação nativa. Para cada hectare de café há cerca de 50 toneladas de carbono estocados em reservas legais e áreas de preservação nas fazendas.
Os brasileiros foram os primeiros a fazer o sequenciamento genético do café. Neste agosto, a Embrapa anunciou o sequenciamento do genoma do bicho-mineiro, a pior praga dos cafezais. O país reúne as melhores equipes e laboratórios de pesquisa, capazes de gerar novas variedades, além de manter coleções de espécies trazidas de todo o planeta. E tem a maior produção e exportação de máquinas e equipamentos para a cafeicultura. O Consórcio de Pesquisa do Café da Embrapa e o Centro Alcides de Carvalho do Instituto Agronômico de Campinas são exemplos.
Onde há café, há geração de emprego e renda. Se o preço pago aos produtores aumentou nos últimos anos, a volatilidade dos preços é um desafio. Em 2021, o preço da saca começou em R$ 640 e fechou em R$ 1.446, uma alta de 126% (Cooxupé). A alta deveu-se ao aumento nos custos de produção com fertilizantes, defensivos e combustível (50% a 60%), aos fenômenos climáticos (secas e geadas) reduzindo a oferta, aos baixos estoques nas origens produtoras e nos países importadores.
O consumo mundial é de 1,3 quilo por pessoa/ano e cresce de 1,6% a 2% ao ano. Apesar de o Brasil consumir e exportar muito café, seu consumo per capita não fica nem entre os dez primeiros. Os países da Europa se destacam como os maiores consumidores de café: Finlândia, Noruega, Islândia e Dinamarca. Os finlandeses são os campeões mundiais: mais de 12 quilos por pessoa/ano. Os brasileiros ocupam o 14º lugar, com cerca de 6 quilos.
Pessoas com maior poder aquisitivo buscam cafés de melhor qualidade. Produzir café especial é uma estratégia de sustentabilidade para pequenos e médios cafeicultores. Ela atende a nichos de mercado, conta com grãos selecionados, alto padrão de higiene e é certificada. Entre várias certificações existentes, a Indicação Geográfica de Procedência, dada pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial, garante origem, processos de produção e algumas características sensoriais de mais de uma dezena de cafés brasileiros. Os cafés finos, por serem bem remunerados, levaram o produtor a investir em qualidade.
O café, bebida sem aditivos, está presente em 95% dos lares brasileiros. Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Café, os brasileiros estão consumindo mais xícaras de café e diversificam as formas da bebida. Ao café filtrado nos lares, os consumidores agregaram café expresso, cappuccino, cápsulas, combinações com leite e outros aditivos. Cursos, livros, palestras, concursos, seminários, revistas especializadas, sites na internet e diversos projetos apoiam o desenvolvimento do paladar e do gosto pelo café. E linhas de novas máquinas e cafeteiras para lares, bares, restaurantes, empresas e cafeterias. A indústria aposta na qualidade para ampliar o consumo.
O Brasil é um país movido a café. Com o cafezinho, a agricultura está presente ao longo de todo o dia nos lares e no trabalho dos brasileiros, e de bilhões de pessoas. Com o cafezinho estão presentes produtores de leite, cana-de-açúcar, estévia, cacau, frutas e os produtos agrícolas utilizados na confecção de bolachas, pães, bolos e biscoitos.
Uma xícara de café é um prazer sensitivo, estimula a criatividade e a produtividade, aguça os sentidos, auxilia na digestão e perfuma o ambiente. O maior conhecimento dos cafés brasileiros permitirá aos consumidores urbanos, cada vez mais numerosos e distantes do campo, reconhecerem e admirarem o trabalho dos cafeicultores brasileiros. Eles são jardineiros da natureza, da qual vivem e dependem. Cabe defendê-los, aqui e no mundo.