A mudança nas normas de classificação comercial do trigo brasileiro começa a vigorar em 1º de julho, mas o tema ainda é motivo de discussão entre lideranças do setor. Na hora da compra de insumos para a implantação das lavouras de inverno acontece a dúvida do produtor em relação a qual cultivar plantar. A Embrapa Trigo explica que a qualidade tecnológica do trigo afeta a elaboração de pães, massas e biscoitos.
O trigo é reconhecidamente uma commoditie, com a liquidez regulada pelo mercado internacional. O ganho genético em produtividade foi de 44 kg/ha/ano, passando dos 700 kg/ha para 2.500 kg/ha. A produção de 5,6 milhões de toneladas em 2010 ainda foi insuficiente para atender a demanda brasileira de 10 milhões de toneladas. Contudo, o Brasil exportou 1,6 milhões de toneladas nesta safra.
O desequilíbrio na balança entre produção e consumo está na qualidade industrial do trigo brasileiro. Do total consumido pela indústria, 60% é para a produção de pães, o que exige trigo da classe pão, com força de glúten (W) superior a 220. Porém, grande parte do trigo produzido nos últimos anos tem apresentado força de glúten abaixo de 180, classificado como trigo brando. “Para a fabricação do pão doméstico a farinha até pode ser aceita, mas o aumento do consumo do pãozinho francês da padaria, com casquinha crocante e bom volume, depende de valor mínimo de 200 de força de glúten”, explica a pesquisadora da Embrapa Trigo, Martha Z. de Miranda.
De acordo com o chefe-geral da Embrapa Trigo, Sergio Roberto Dotto, a mudança no cenário agrícola não tem acontecido somente no Brasil: “Historicamente, a indústria brasileira importava da Argentina um trigo melhorador, com força de glúten de 350 que, misturado ao trigo brando brasileiro, permitia a mescla para a panificação. Hoje, novas cultivares foram introduzidas na Argentina, resultando num trigo de menor força de glúten, um trigo pão que entra no Brasil com a farinha pronta. Por isso a pressão aumentou sobre o nosso produtor no quesito qualidade”.
O que muda na norma de classificação
A principal mudança na classificação técnica do trigo é o valor mínimo da força de glúten para o enquadramento como trigo pão, que passa de 180 para 220. A indicação do trigo brando deixa existir com a inclusão do trigo de uso doméstico (W=160), básico (W=100) e outros usos para qualquer valor abaixo de 100 (confira as tabelas na página ao lado). “Não significa que o produtor não vai poder vender o trigo como pão, mas certamente a indústria vai seguir este padrão internacional no momento da compra, assim como nos programas de aquisição do Governo”, esclarece a pesquisadora da Embrapa Trigo, Eliana Guarienti.
Segundo Sergio Dotto, as discussões sobre as mudanças na legislação são alvo na cadeia produtiva do trigo há mais de 10 anos. Ele acredita que o Governo Federal não atenderá a reivindicação das organizações de produtores para prorrogar a vigência da norma: “O problema não está no produtor, mas principalmente no obtentor, responsável pelo desenvolvimento do material genético. Para registrar a qualidade tecnológica da cultivar, os obtentores seguem a classificação oficial brasileira e, sem alteração da norma, vão continuar mantendo um produto abaixo da demanda do mercado, ou seja, continuarão desenvolvendo cultivares que não servem para fazer pão”, explica o chefe-geral da Embrapa Trigo.
Dificuldades na implantação
A primeira ação dos obtentores é a reclassificação de todas as cultivares que estão no mercado, além de estabelecer parâmetros para indicar a classe das cultivares. “Hoje não existe regra adequada para o obtentor indicar uma cultivar como trigo pão. O que se faz é analisar a qualidade tecnológica de um volume indefinido de amostras e fazer a média dos valores para indicar se é melhorador, pão ou brando. Na Embrapa Trigo a nova reclassificação prevê que num volume de amostras 80% precisam apresentar força de glúten acima de 220 para classificar como trigo pão. É uma maior segurança para o produtor, já que o valor varia muito em função das condições climáticas de cada região e de cada nova safra”, afirma Sergio Dotto.
A falta de sementes para produção de trigo pão, segundo a Embrapa Transferência de Tecnologia, seria outra dificuldade no primeiro momento. O volume de sementes disponíveis para trigo pão seria suficiente para atender quase todas as regiões tritícolas, com exceção das regiões frias do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, onde a força de glúten varia muito entre diferentes locais. “A tendência é a redução no número de cultivares no mercado, com a cada vez maior regionalização das áreas tritícolas. A pesquisa pode indicar um grupo de cultivares para cooperativas e cerealistas de uma região, permitindo a identificação da área de produção com um tipo pré-definido de trigo que serve de orientação tanto ao comprador quanto ao produtor”, defende o pesquisador Eduardo Caierão.
Avaliação da Emater/RS
Na avaliação da Emater/RS, pela atual classificação de trigo (IN 7/2001), em 287 amostras da safra 2009, 55% seriam enquadradas como pão; pela nova classificação (IN 38/2010), das 287 amostras, apenas 13% seria trigo pão. Na observação da Ocepar, 47% do trigo da safra do Paraná 2008, uma das melhores da década, seria destinado a outros usos pela nova classificação.
Apesar das dificuldades, os diferentes segmentos da cadeia produtiva do trigo concordam que as mudanças na norma de classificação são necessárias para garantir o escoamento da safra, facilitando a compra pela indústria brasileira e as exportações.
Norma atual: Instrução Normativa nº 7, 2001
Classe | Força de Glúten (W) | Número de Queda (s) |
Brando | 50 | 200 |
Pão | 180 | 200 |
Melhorador | 300 | 250 |
Outros Usos | Qualquer | <200 |
Durum | – | – 250 |
Nova norma: Instrução Normativa nº 38, 2010
Classe | Força de Glúten (W) | Estabilidade (min) | Número de Queda (s) |
Melhorador | 300 | 14 | 250 |
Pão | 220 | 10 | 220 |
Doméstico | 160 | 160 | 220 |
Básico | 100 | 3 | 200 |
Outros Usos | Qualquer | Qualquer | Qualquer |