Custo de aplicação é pouco acima de 70 reais por hectare, o que equivale a meia saca de soja ou 75% do valor de uma saca de milho (cotações da primeira quinzena de junho)
Um produto biológico capaz de provocar a morte de 100% da população da lagarta-do-cartucho (Spodoptera frugiperda) foi desenvolvido pela Embrapa em parceria com a empresa suíça Andermatt Biocontrol e recebeu o nome comercial de Spodovir.
O novo biodefensivo tem na composição um vírus que infecta a praga sem trazer riscos à saúde humana ou ao meio ambiente. “Isso porque sua base é um baculovírus, tipo de vírus que causa a morte somente de insetos e não prejudica microrganismos, plantas, mamíferos e vertebrados”, explica o pesquisador da Embrapa Milho e Sorgo, Fernando Hercos Valicente, desenvolveu e é responsável pela tecnologia.
Segundo ele, o Spodovir será o primeiro lançamento global de um produto biológico com tecnologia Embrapa, pois foi desenvolvido em coparticipação de uma empresa privada com rede de atuação em diversos países.
O produto foi registrado no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para o controle da lagarta-do-cartucho, Spodoptera frugiperda, “principal praga do milho, capaz de limitar, em mais de 50%, a produção dessa cultura”, informa o especialista, completando que biodefensivo “pode ser usado em diversos cultivos, como soja, sorgo, algodão, arroz, pastagens e hortaliças”.
Inúmeras vantagens
“Por ser um produto biológico, o Spodovir não afeta o meio ambiente, não intoxica aplicadores, não mata os inimigos naturais das pragas (insetos benéficos), não polui rios e nascentes e não deixa resíduos nos alimentos a serem vendidos nos supermercados, contribuindo para uma melhor sustentabilidade e superior qualidade do produto disponibilizado para os consumidores”, ressalta o pesquisado da Embrapa.
Segundo Valicente, os biodefensivos à base de baculovírus têm melhor ação quando as lagartas são pequenas, desde recém-nascidas até, no máximo, o tamanho de um centímetro de comprimento, no caso da lagarta-do-cartucho.
Correta aplicação é essencial
Ele orienta que “o posicionamento do Spodovir no campo é imprescindível para causar a mortalidade desejada e é dependente da região e do início de ataque da praga”, e frisa que “a eficácia de 100% do produto, obtida em experimentos, foi também resultado da aplicação correta dele”.
O cientista da Embrapa destaca que, para fazer efeito, o biodefensivo deve ser ingerido pelos insetos, por via oral. “Dessa forma, a pulverização tem de respeitar esse fator (ingestão pelo inseto) e a operação precisa ser bem-feita”.
Ele revela que os baculovírus não possuem ação de contato. “Podem ser feitas aplicações a UBV (ultrabaixo volume) desde que com os equipamentos adequados”, e anuncia que “serão iniciados testes para a pulverização com drones em soja e algodão”.
Melhor hora de aplicar
O especialista salienta que “o produto deve ser aplicado, quando possível, após as 16h, período com menor incidência de raios ultravioletas (UV), que desativam as partículas virais no campo”.
Outro motivo, de acordo com o pesquisador da Embrapa, é que a lagarta-do-cartucho possui hábito noturno, iniciando sua alimentação no início da noite. “Se a pulverização for feita no fim da tarde, não haverá desativação das partículas virais (não há radiação UV) e haverá o consumo do baculovírus que foi pulverizado sobre a plantação, por meio da raspagem das folhas pelas lagartas, causando a morte desses insetos”, ele explica.
Valicente recomenda que a aplicação seja ajustada com a necessidade e o tamanho da cultura e de acordo com a logística da propriedade.
Custo por hectare
Markus Ritter, CEO da Andermatt Biocontrol Brasil, que desenvolveu o Spodovir em conjunto com a Embrapa, revela que “após diversos testes realizados nos nossos laboratórios, verificamos que o produto apresentava uma eficácia excelente, o que impulsionou a empresa a fechar a parceria”.
Responsável pela gerência da Andermatt Brasil, a engenheira-agrônoma Viviane Dutra destaca que o custo de uma aplicação do produto por hectare é inferior a 50% do valor da saca de soja, adiantando que “seria de, aproximadamente, 0,75 saca de milho, considerando, por exemplo, o preço da saca do cereal no dia 10 de junho deste ano, a R$ 96,57, o produtor de milho gastaria R$ 72,42 por hectare e de 0,45 saca de soja, com preço de R$ 167,62; dados do mesmo dia”.
“Dessa forma, o sojicultor gastaria R$ 75,42 por hectare para aplicar o Spodovir”, salienta a agrônoma.
Alta qualidade
Ela salienta que o processo de produção do Spodovir ocorre totalmente no Canadá, em uma das unidades da Andermatt especializadas na produção e formulação de baculovírus. “Nosso processo de produção e de multiplicação do vírus é muito criterioso. A equipe tem grande expertise com esse tipo de microrganismo, o que nos proporciona alta qualidade”, sublinha a gerente.
A engenheira agrônoma explica ainda que a formulação do produto biológico apresenta alta solubilidade, não forma sedimentos e é de fácil mistura.
“Em todos os testes realizados, o Spodovir obteve performance igual ou superior aos produtos já utilizados para o controle da praga. Acreditamos que teremos uma excelente aceitação dos agricultores, uma vez que ele tem alta eficácia, e o agricultor brasileiro já está habituado ao uso de produtos biológicos”, aposta Dutra.
Sucesso garantido
Na opinião da especialista, a experiência do Grupo Andermatt na produção de microbiológicos, em conjunto com o conhecimento da Embrapa, resultará em sucesso. “Será possível atender as necessidades dos produtores rurais de forma sustentável, sem causar danos ao meio ambiente, aos trabalhadores e aos consumidores”, enfatiza a especialista.
Dutra acentua que o Spodovir pode, também, compor ações do conhecido Manejo Integrado de Pragas (MIP), “com vantagens sobre os inseticidas químicos”.
Demanda dos produtores
A expectativa da empresa, de acordo com Markus Ritter, é que a comercialização do novo bioinseticida já atenda a demanda dos produtores para os primeiros plantios da safra de milho.
“Nosso objetivo é levar soluções aos diversos perfis de produtores, independentemente do tamanho de sua propriedade ou da escolha no manejo da sua lavoura. Estamos prontos para atender todos os públicos, desde pequenos agricultores familiares até os grandes grupos empresariais”, adianta o executivo.
Inseticida à base de baculovírus
A identificação de isolados eficientes do baculovírus para ação contra a Spodoptera frugiperda teve início ainda na década de 1980, quando pesquisadores da Embrapa iniciaram a coleta e fizeram levantamentos de lagartas para identificação dos insetos doentes.
“Para se produzir um inseticida à base de baculovírus, devem ser coletadas lagartas em campo, isoladas aquelas que possuem sintomas de infecção e estudadas uma a uma em relação às lagartas sadias”, esclarece Valicente.
Ele continua explicando que “os melhores isolados são trabalhados em laboratório e faz-se a caracterização, utilizando, se necessário, ferramentas de sequenciamento gênico”.
Segundo o pesquisador da Embrapa, a caracterização dos isolados induz à escolha da melhor cepa e esta será trabalhada em termos de produção-piloto, formulação do produto biológico e experimentos de campo.
Anos de dedicação
Valicente relata ainda que “após todos os estudos, foi possível obter parâmetros para a produção. Lagartas sadias criadas em laboratório são usadas como hospedeiras para multiplicar os vírus e dar origem ao produto”, revela.
“São anos de dedicação, de investimento em pesquisas, de experimentos em laboratórios e testes nos campos para tornar o produto viável”, conta o pesquisador da Embrapa.
Ele destaca que os sintomas de infecção do baculovírus nas lagartas começam com perda de apetite, redução na mobilidade, descoloração do corpo e morte. “Além da eficiência, a tecnologia apresenta como diferenciais o baixo número de aplicações e a preservação de mananciais de água e de inimigos naturais da praga” sublinha Valicente.
Como aplicar
O CEO da Andermatt, Markus Ritter explica que o Spodovir “vem em uma formulação em pó molhável, com recomendação de 50 gramas por hectare e a empresa tem estoque suficiente para cobrir 18 mil hectares nessa primeira fase”.
Segundo ele, a fábrica no Canadá está em plena operação e novos volumes serão importados. “Seguindo a recomendação da dosagem, um quilo do produto é suficiente para 20 hectares”, orienta.
“Recomenda-se usar bico leque e a vazão aprovada pela pulverização convencional de 100 litros a 120 litros por hectare, podendo chegar a 150 litros por hectare e um mínimo de 80 litros por hectare. Toda aplicação deve incluir um espalhante adesivo para melhorar a aderência do produto às folhas pulverizadas, tomando-se o cuidado para que o pH da calda fique entre 5 e 7,2. Há espalhantes no mercado que mantêm o pH da calda nesse intervalo, o que facilita a aplicação na cultura do algodão”, informa o executivo.
O técnico ressalta as observações já citadas, enfatizando que “é importante que a aplicação leve em conta o modo de ação do produto, a ingestão dele pelo inseto. Portanto, o horário ideal de aplicação é a partir das 16h, quando há menos incidência de raios ultravioleta (que afetam o bioproduto) e já prepara as folhas para a lagarta que se alimenta à noite”, complementa.