Jundiaí é a primeira cidade do mundo a plantar e usar PANC na merenda. Programa Inova na Horta faz parte das ações de políticas públicas responsáveis, com o intuito de influenciar e melhorar a alimentação de crianças, desde o ambiente escolar
Se as plantas alimentícias não convencionais são difíceis de identificar, até porque ainda faltam informações para o consumidor em geral sobre elas, imagine adotá-las na merenda escolar de crianças e adolescentes. Pois essa iniciativa já existe no Brasil.
A Prefeitura de Jundiaí (SP), por meio do Departamento de Alimentação e Nutrição da Unidade de Gestão de Educação (UGE) do município, em parceria com o Instituto Kairós, vem desenvolvendo o programa Inova na Horta, que inclui as PANC na alimentação de estudantes do ensino público.
De acordo com o Instituto, a cidade de Jundiaí é a primeira não só do Brasil, mas do mundo, a adotar esse tipo de programa na merenda escolar, que vai da capacitação de professores e cozinheiras ao cultivo dessas hortaliças em ambiente escolar. Outras escolas brasileiras também utilizam as PANC na merenda, mas somente Jundiaí possui um projeto completo, desde o cultivo da própria horta até chegar ao prato de estudantes do ensino público municipal.
“A atual gestão busca ações de políticas públicas responsáveis, que possam influenciar positivamente a saúde dos alunos e alunas e ampliar seu repertório cultural”, diz Maria Ângela Delgado, diretora do Departamento.
Projeto Vale Verde
Segundo ela, o Inova na Horta trouxe novas possibilidades ao projeto Vale Verde que, desde 1997, mantém uma horta orgânica municipal em uma área de 15 mil metros quadrados da Escola Técnica Estadual (Etec) Benedito Storani, no bairro Recanto Quarto Centenário, em Jundiaí.
O cultivo orgânico de legumes e verduras, dentro da produção em larga escala do projeto Vale Verde, fornece hortaliças para a merenda de 110 escolas do ensino público municipal. Do espaço saem, semanalmente, dois mil pés de hortaliças folhosas e 1,5 mil quilos de legumes, que são usados no preparo da merenda escolar de 37 mil estudantes do município.
Conforme a sazonalidade das espécies são oferecidas couve-flor, brócolis, quiabo, cenoura, beterraba, tomate-cereja, couve, repolho, alface (lisa, roxa e crespa), além de salsa e cebolinha.
Pelo Vale Verde são produzidos legumes e verduras orgânicos, com a devida certificação da Organização Internacional Agropecuária (OIA) – empresa consolidada no mercado de certificação agropecuária e agroindustrial –, para a rede de educação de Jundiaí.
Agora, o Inova na Horta pretende introduzir as plantas alimentícias não convencionais, iniciando pela capacitação de cozinheiras/merendeiras, professores e outros servidores da prefeitura, especialmente para a correta identificação e uso de PANC na merenda.
“Essa iniciativa visa promover hábitos alimentares saudáveis, ampliando a oferta de alimentos ricos em nutrientes, melhorando ainda mais a qualidade e o sabor das preparações, e ajudando no resgate sobre os saberes e usos desses vegetais”, salienta Maria Ângela.
Saber diferenciá-las
Assim como é importante adultos saberem diferenciar as plantas comestíveis desse gênero, em comparação àquelas que podem ser tóxicas, as crianças do ensino público de Jundiaí também vão aprender.
Conforme a diretora do Departamento de Alimentação e Nutrição da UGE, o projeto Inova na Horta é desenvolvido com alunos e alunas do ensino infantil ao fundamental, sendo que, em um primeiro momento, será implantado em 30 unidades escolares do município.
“Nessas escolas, as crianças têm acesso às plantas na alimentação escolar, nas hortas escolares e também nas atividades pedagógicas. As hortas são disponíveis às crianças a partir das creches. A horta e as PANC são trabalhadas de forma integrada”, explica Maria Ângela.
Consumo
De acordo com ela, a maioria das plantas que será implementada, a partir da parceria entre o Instituto Kairós e UGE, pode ser consumida crua: “Seu uso é validado pelas culturas alimentares tradicionais e por estudos científicos recentes”.
Para algumas variedades, continua a diretora, “é indicado o cozimento para melhorar a textura e a palatabilidade, assim como ocorre com a beterraba, o quiabo e a couve, que poderiam ser consumidos crus, mas processados têm melhor aceitação”.
“A chaya é uma das poucas plantas que necessita mais tempo de cozimento, assim como o espinafre ou a mandioca. Elas podem ser consumidas por todas as pessoas, sem restrições.”
Processo de implantação
O Departamento de Alimentação e Nutrição da Unidade de Gestão de Educação, vinculado à Prefeitura de Jundiaí, firmou parceria com o Instituto Kairós no final de 2018 e sua efetivação ocorreu no começo de 2019, com a implantação das PANC na horta municipal, cultivada em sistema orgânico.
“Também são realizadas formações nas escolas, capacitando professores, cozinheiras e servidores. Além disso, essas espécies alimentícias são introduzidas nas hortas escolares para que as crianças tenham acesso in natura”, reforça Maria Ângela.
Conforme a diretora, as cozinheiras também foram capacitadas para o manejo e preparo adequado, aproveitando o máximo de sabor e de nutrientes dessas hortaliças. “A introdução das PANC na alimentação escolar, que começou pelas creches, será ampliada a toda a rede (do ensino público municipal) até o final do projeto.”
Para mais informações, acesse www.jundiai.sp.gov.br.
“As PANC estão sendo introduzidas no Projeto Inova na Horta”
Cultivo simples e fácil
Plantas alimentícias não convencionais são mais fáceis de cultivar, principalmente por quem tem menos experiência, como os alunos do ensino infantil e fundamental do município de Jundiaí, interior de São Paulo
Fazendas, sítios, praças, jardins, hortas urbanas e escolares, casas com quintal ou até mesmo em apartamentos. Não existe lugar onde as plantas alimentícias não convencionais não possam ser cultivadas.
“Geralmente, as PANC são mais rústicas e resilientes, portanto, mais fáceis de cultivar, principalmente por quem tem menos experiência”, ressalta o gestor ambiental do Instituto Kairós Guilherme Reis Ranieri, cozinheiro, educador e mestre em Ciência Ambiental.
Ao lado do também gestor ambiental da instituição, o professor de Geografia e produtor de orgânicos Daniel Filardi, ele é um dos responsáveis pelo projeto Inova na Horta da Prefeitura de Jundiaí, que introduzirá PANC na merenda escolar por meio do cultivo e colheita dessas plantas de hortas escolares próprias.
O início do programa ocorreu em abril de 2019, com a capacitação de professores, servidores, cozinheiras, entre outros profissionais, ligados à rede de ensino público do município.
Apesar de o cultivo ser considerado fácil, Ranieri alerta: “Deve-se ter muito cuidado em relação à origem das mudas e sementes, pois a identificação é a principal dificuldade para o cultivo delas”.
O grupo das PANC inclui milhares delas e muitas são espontâneas, cosmopolitas e vão bem em quase todos os lugares. Outras têm exigências específicas, como mais umidade, sombra e pouca rega.
“De modo geral, uma horta PANC pode aproveitar áreas que não são aptas aos cultivos convencionais, justamente porque sempre têm uma ou mais plantas adaptadas à condição do local, ou seja, ao invés de adaptar o local às necessidades dos cultivos, procuramos plantas adaptadas às condições do local”, explica Filardi.
Pequenos e grandes espaços
Segundo Ranieri, muitas dessas espécies se desenvolvem bem em vasos e floreiras.
“As trepadeiras, por exemplo, aproveitam a luz nas janelas e parapeitos, como a beldroega, major-gomes, bertalha-coração, capuchinha, azedinha, entre outras.”
As PANC também resistem bem ao cultivo em grandes espaços rurais e podem ser consorciadas com outras culturas de hortaliças, sem a adição de defensivos agrícolas, ou seja, devem ser plantadas no sistema orgânico.
Protocolos de cultivo
“Muitas das plantas alimentícias não convencionais – sejam elas espontâneas ou não – são muito resistentes e produtivas. Contudo, é necessário observar que, para algumas delas, ainda faltam protocolos de cultivo, manejo, além de programas de melhoramento”, informa Filardi.
Tanto a major-gomes (acima) quanto a beldroega (abaixo), são nutritivas e ornamentais e se desenvolvem bem em vazos e floreiras.
Nesse sentido, ele conta que, na Unidade Hortaliças (DF) da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), “a equipe do pesquisador Nuno Madeira, tem excelentes referências sobre isso e diversos protocolos de cultivo, manejo e pós-colheita”.
“Elas também podem ser mais resistentes a certas enfermidades, excesso de água, estresse hídrico e solos degradados. Não é permitido o uso de veneno em seu cultivo e não há produtos voltados especificamente para seu plantio. Elas também podem ser plantadas em consórcio, desde os simples aos mais sofisticados, como o cultivo sintrópico ou o agroflorestal”, relata Filardi.
Para Ranieri, “muitas pessoas ainda desconhecem a importância desses vegetais para a saúde, além do seu sabor delicioso e facilidade de cultivo”, mas a tendência é que esse cenário mude nos próximos anos, no Brasil.
Autonomia de cultivo
Ao tratar da autonomia de cultivo das PANC, Filardi explica que elas são “plantas de fácil multiplicação se dá facilmente por estacas, rizomas e sementes, dispensando a aquisição constante de insumos, como no cultivo de beterraba, cenoura, rúcula, cebolinha, que sempre precisam ter sementes novas”.
“Seu cultivo é simples e descomplicado. Por isso, pode ser implementado em unidades escolares.”
Conforme Ranieri, “o uso e resgate das PANC, que também são chamadas de ‘hortaliças tradicionais’, é uma forma de ampliar o repertório alimentar das crianças, assim como vem sendo trabalhado no projeto Inova na Horta, da Prefeitura de Jundiaí”.
“Muitos desses alimentos, ainda que comuns no passado, estão desaparecendo. A serralha, caruru, araruta, beldroega e bertalha são todas plantas que, nas últimas décadas, deixaram de ser produzidas e estão caindo no esquecimento, ainda que sejam muito mais nutritivas do que as hortaliças comuns encontradas nos mercados, atualmente”, comenta o gestor ambiental.
Ainda segundo ele, “seu cultivo é muito mais simples, adequado ao manejo orgânico e agroecológico, sem venenos”.
“Jundiaí é pioneira (no cultivo e implantação de PANC na merenda escolar), devido à amplitude do projeto Inova na Horta. Além do plantio em larga escala na horta municipal, o Instituto Kairós realiza formações in loco com a equipe de cozinheiros e o plantio nas hortas escolares”, destaca Ranieri.
Para mais informações sobre o projeto, acesse www.jundiai.sp.gov.br e https://institutokairos.net.