Fruto da planta é usado em alimentos para pessoas com dietas restritivas
A alfarrobeira (Ceratonia siliqua) é árvore de cerca de dez metros de altura, de folhas perenes, que permanecem o ano todo, tronco castanho e irregular, de casca lisa e com algumas saliências. A árvore costuma florir uma vez ao ano, entre agosto e outubro. Seus frutos, um tipo de vagem que mede entre 10 e 25 centímetros, são a fonte de um alimento rico em fibras, já conhecido por substituir o chocolate em dietas de baixas calorias e para alérgicos.
Foi a demanda de matéria-prima de fábricas paranaenses, que importam dezenas de toneladas de farinha de alfarroba anualmente, que motivou pesquisa que introduziu a espécie legalmente no País e agora desenvolve cadeia produtiva para alfarrobeira. Planta típica da região do Mediterrâneo, bastante disseminada pela África e pela Europa, pode chegar ao cotidiano dos brasileiros de forma mais ágil e barata, dentro de pouco tempo, e facilitar a vida de indivíduos com intolerâncias alimentares.
Esse novo cenário deve-se a pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Agronomia e do Grupo de Estudo e Pesquisa em Estaquia (Gepe) da Universidade Federal do Paraná (UFPR). que conseguiram introduzir a espécie, de forma pioneira, no Brasil. A professora Katia Christina Zufellato Ribas e seu orientando de doutorado, Leandro Porto Latoh, decidiram portar sementes de alfarrobeira, com fins de pesquisa acadêmica, para a produção de mudas dessa espécie no Brasil. A tese de doutorado que Latoh está desenvolvendo viabilizou o processo, dos trâmites legais aos experimentos práticos.
As mudas estão sendo cultivadas em uma área ao ar livre do Laboratório de Micropropagação Vegetal do Departamento de Botânica da UFPR, em Curitiba (PR). Até o momento, foram produzidas pouco mais de 1,6 mil mudas, a maior parte delas usadas em análises bioquímicas. Aproximadamente 400 mudas são cultivadas a cada três meses ao longo dos experimentos.
Pesquisa
A introdução da alfarrobeira no Brasil, para pesquisa, levou cerca de dois anos, tempo mais longo que o usual, devido à pandemia de Covid-19, que ocasionou o bloqueio de fronteiras e demais agentes logísticos.
Em 2019, os pesquisadores conseguiram as permissões do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e da Vigilância Agropecuária Internacional (Vigiagro) para a importação das sementes de Portugal, um dos maiores produtores de alfarroba. As sementes chegaram ao Brasil em 2020 e, após passarem por uma quarentena no Instituto Agronômico de Campinas (IAC), foram liberadas para o início dos experimentos de germinação.
Multiplicação
A propagação vegetativa da espécie, técnica que consiste em multiplicar assexuadamente partes do vegetal, originando indivíduos geralmente idênticos à planta mãe, está sendo estudada para que sejam fornecidas mudas de qualidade para futuros plantios. “Estamos desenvolvendo trabalhos voltados à produção de indivíduos de qualidade”, explica Katia.
Fazem parte desse conjunto os estudos sobre propagação vegetativa das alfarrobeiras via miniestaquia caulinar, com uso de reguladores vegetais do grupo das auxina, hormônios vegetais que atuam diretamente no crescimento das plantas. Também há pesquisas voltadas à germinação de sementes e estudos bioquímicos, que ajudam na compreensão da fisiologia (funcionamento do organismo) da espécie.
O maior objetivo é a criação de um protocolo padrão para o desenvolvimento de materiais selecionados, para que futuros produtores possam usufruir dessa cultura, produzindo, a longo prazo, farinha de alfarroba nacional a um menor custo. Depois que a espécie é homologada pelo Mapa e por outras entidades fiscalizadoras responsáveis, ela pode ser cultivada em lugares com características e capacidade produtiva para tal.
Ideia é que introdução da alfarroba ajude a popularizar produtos funcionais. “As principais vantagens são a redução de custos operacionais da matéria-prima alimentícia e a abertura de espaço de consumo para todas as classes que optem por alimentos funcionais ou que necessitem deles para uma boa nutrição”, explica Latoh.
A farinha
O processo teve apoio de Cristiane Vieira Helm, pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que, junto com Latoh, testou a farinha de alfarroba na elaboração de biscoitos. “A farinha de alfarroba é um ingrediente que favorece e marca o sabor de chocolate, conferindo aos produtos uma coloração caramelo e uma elevada concentração de compostos fenólicos, substâncias que apresentam ação antioxidante”, descreve a especialista
Ela acrescenta que a concentração de açúcar na farinha de alfarroba é baixa, tornando-a apta para o consumo por indivíduos diabéticos. “Não apresenta teobromina, nem cafeína na composição química, diferindo do cacau”, informa Cristiane.
Alimento alternativo
A antes da introdução da espécie no Brasil, a professora Claudia Carneiro Hecke Kruger, do Programa de Pós-graduação em Alimentação e Nutrição da UFPR, realizou estudos de abordagem nutricional envolvendo a farinha da alfarroba. Ela e seu grupo de pesquisa desenvolveram uma pesquisa visando a incorporação da alfarroba em formulações fermentadas, para permitir o consumo por intolerantes à lactose. A equipe verificou que o acréscimo do alimento aos iogurtes aumentou os teores de mineiras e fibras dos produtos finais.
Em outro estudo, o grupo mensurou a glicose liberada ao longo do tempo em indivíduos que consumiram tabletes de alfarroba. O experimento obteve valores de índice glicêmico inferiores a 50, sendo que em testes que utilizam a glicose como alimento padrão, considera-se o índice glicêmico baixo quando seus valores são menores ou iguais a 55.
“A inclusão de alimentos ricos em fibras na dieta tem sido associada com a diminuição do risco de obesidade e de diabetes. A fibra alimentar também possui potencial efeito preventivo contra certos tipos de câncer, em particular aqueles que atingem o trato gastrointestinal”, arremata Claudia.