No estudo realizado pela Embrapa em parceria com a Universidade Federal do Ceará, apesar de consumirem uma dieta hipercalórica, animais testados em laboratório mantiveram normais os níveis de leptina e insulina e ainda reduziram a grelina, hormônio relacionado à fome
Retirar açúcares e outros compostos de baixo peso molecular das fibras do bagaço de caju pode inibir a obesidade de animais. Os testes foram feitos em ratos submetidos a uma dieta hipercalórica. Os animais receberam uma dieta rica em gorduras durante 15 semanas.
Uma parte deles recebeu também a fibra processada em laboratório. O resultado animou os cientistas da Unidade Agroindústria Tropical (CE) da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e da Universidade Federal do Ceará (UFC), que realizaram a pesquisa.
De acordo com a estatal, a fibra controlou o peso, a gordura abdominal, o apetite e preveniu o aumento da glicemia, das taxas de insulina no sangue e da gordura no sangue (triglicerídeos). Preveniu também o processo inflamatório e reduziu a lesão hepática causada pela dieta hipercalórica.
Na obesidade, o organismo passa a apresentar resistência aos hormônios que atuam no controle da saciedade, fazendo com que o indivíduo sinta mais fome, conforme explica a nutricionista Diana Valesca Carvalho, professora da UFC e uma das responsáveis pelo experimento.
No estudo, apesar de os animais consumirem uma dieta hipercalórica, eles mantiveram normais os níveis de leptina e insulina e reduziram a grelina, o hormônio relacionado à fome, o que representou o controle da saciedade.
Ácidos graxos de cadeia curta
Fibras alimentares são metabolizadas pelas bactérias da microbiota intestinal. Durante esse processo, as bactérias produzem e liberam ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) no lúmen intestinal. Esses compostos são importantes vias de comunicação entre a microbiota e as células do corpo (Fonte: Unicamp).
O organismo humano não digere as fibras de origem vegetal. Algumas bactérias do intestino fermentam essas fibras para obter energia e nutrientes, liberando os ácidos graxos de cadeia curta, moléculas simples compostas por cadeia de um a cinco átomos de carbono e um grupo carboxila.
Esses compostos, principalmente acetato, propionato e butirato, são absorvidos pelas células do intestino, sendo responsáveis por até 90% de toda energia consumida por elas. Diversos efeitos benéficos são atribuídos ao processo de fermentação e produção desses compostos, como redução do risco de desenvolver câncer, diabetes, doenças inflamatórias do intestino e até transtornos psiquiátricos.
A técnica
Utilizando a técnica da ressonância magnética nuclear, os pesquisadores descobriram que havia ácidos graxos de cadeia curta no soro e nas fezes dos animais que receberam a fibra processada. A presença desses ácidos graxos está associada ao controle da saciedade e à promoção do crescimento da flora bacteriana benéfica, que auxiliam o controle do peso corporal.
“Provavelmente, todos esses efeitos que a fibra provocou na prevenção da obesidade dos animais sejam decorrentes da produção dos ácidos graxos de cadeia curta”, comenta Diana.
A pesquisadora esclarece que a presença desses ácidos significa que a fibra fermentou no intestino. O achado é relevante porque 80% da fibra do caju é insolúvel e normalmente os estudos científicos associam as fibras solúveis a esse tipo de fermentação.
“Nossa perspectiva é avaliar, futuramente, os efeitos dessa fibra na microbiota intestinal”, anuncia. Conforme a professora, também deve ser avaliado nos próximos estudos o efeito do potencial dessa fibra para a prevenção da obesidade em humanos.
“Existem poucos estudos com fibras de frutas, principalmente como ingredientes. A esmagadora maioria do conhecimento é sobre fibra de cereais. É um universo todo a ser explorado”, explica o pesquisador da Embrapa Agroindústria Tropical Edy Brito. Ele coordena o Laboratório Multiusuário de Química de Produtos Naturais, onde foram realizados os testes químicos com o bagaço de caju.
Segundo Brito, a perspectiva é contribuir para o desenvolvimento de um novo ingrediente para a indústria alimentícia, a partir de uma matéria-prima regional com bom potencial funcional e nutricional.
Fibra tratada x integral
Na primeira fase da pesquisa os cientistas haviam avaliado o consumo do bagaço de caju integral, sem a retirada dos compostos de baixo peso molecular. Os resultados foram bem diferentes. Em animais submetidos a uma dieta normal, a fibra integral alterou o metabolismo dos lipídeos, aumentando colesterol e triglicerídeos.
Quando os compostos de baixo peso molecular foram excluídos e mantida a dieta com padrões normais de calorias, o efeito foi diferente, com redução da glicemia, da insulina e da grelina. O metabolismo dos lipídeos nos animais manteve-se inalterado. A partir desses resultados, os pesquisadores decidiram utilizar a fibra processada em animais submetidos à dieta hipercalórica.
Conforme a pesquisadora Diana Carvalho, a fibra integral não deve ter apresentado bons resultados por conta do alto teor de frutose, o açúcar das frutas. “A frutose está muito relacionada ao aumento da gordura abdominal. Observamos aumento da gordura abdominal no grupo que consumiu a fibra em sua forma integral”, diz.
Conforme a pesquisadora, a partir desses estudos, pode-se concluir que o bagaço de caju integral deve ser consumido com cautela. “Para que se tenha um efeito funcional na redução de peso, é necessário submeter a fibra a um tratamento”, frisa. Os estudos com animais contaram com a colaboração da professora Flávia Almeida Santos, do Departamento de Fisiologia e Farmacologia da UFC.
Química do caju
Os resultados obtidos no estudo fazem parte de um esforço de desenvolvimento de produtos de alto valor agregado a partir do caju. Na Embrapa Agroindústria Tropical, diversos estudos relacionados ao tema são realizados, entre eles para o aproveitamento do bagaço de caju, um resíduo abundante da indústria de suco que é desperdiçado.
Entre os resultados já obtidos, está o desenvolvimento do extrato concentrado de carotenoides. De intensa coloração amarela, acredita-se que o produto possa apresentar potencial para uso como substituto de corantes artificiais pela indústria de alimentos.
Outro trabalho realizado foi a caracterização da fibra do bagaço de caju, um importante passo para o aproveitamento na indústria alimentícia.
Todos esses estudos têm em comum a participação do Laboratório Multiusuário de Química de Produtos Naturais. Uma estrutura dedicada à descoberta de novas moléculas bioativas, ao estudo de espécies produtoras de princípios ativos para alimentos funcionais, fármacos, biodefensivos e outros produtos.
Esse Laboratório funciona na sede da Embrapa Agroindústria Tropical, em Fortaleza (CE), onde dispõe de uma infraestrutura de 850 metros quadrados destinada à extração, fracionamento, isolamento, quantificação e identificação de compostos químicos naturais e sintéticos.
É dotado de equipamentos como cromatógrafos líquido e gasoso, ressonância magnética nuclear, espectrômetro de massa e na região do infravermelho. A estrutura conta, ainda, com uma planta-piloto de extração e purificação de compostos voláteis.
Fonte: Embrapa Agroindústria Tropical