Brasil já perdeu 34 milhões dos 82,6 milhões de hectares da Caatinga (Foto: Gabriel Carvalho/Setur-Bahia)
Os notórios efeitos das mudanças climáticas devem atingir severamente a Caatinga nas próximas décadas. Estudos por projeções estatísticas apontam que esse ecossistema deverá se tornar ainda mais quente e seco: a continuarem alterações nos padrões da temperatura e no clima, projeta-se para 2060 perda de espécies vegetais e animais em pelo menos 90% do território desse ecossistema.
O cenário é de alerta para o único bioma exclusivamente brasileiro que caminha para a desertificação em algumas áreas.
Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam que 42,6% dos 844,4 mil quilômetros quadrados do bioma já foram convertidos para outra destinação.
E do que ainda resta, muito já está fragmentado, o que prejudica a capacidade de adaptação e dispersão das espécies, assim como atrapalha os serviços ecossistêmicos.
Muitas vezes negligenciado, o bioma é mal interpretado: a rica biodiversidade vai muito além dos sempre representativos mandacarus e xique-xiques.
Além do grande número de plantas e animais, é da força da Caatinga que se provê o sustento de boa parte dos moradores do sertão e do agreste nordestinos, que vivem em uma das áreas de escassez hídrica mais populosa do planeta — são cerca de 30 milhões de habitantes.
A urgência em proteger a Caatinga também foi ressaltada recentemente pelo presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Rodrigo Agostinho, no início do ano, que alertou para a perda de 34 milhões de hectares dos 82,6 milhões de hectares originais do bioma.
Durante um seminário técnico-científico, Agostinho enfatizou a necessidade de políticas públicas específicas para o bioma, que abriga um alto grau de espécies exclusivas já impactadas pela ação humana, como desmatamento, queimadas e introdução de espécies exóticas.
Ele também destacou os desafios para alcançar a meta de desmatamento zero na vegetação nativa predominante do Nordeste brasileiro.
Em decorrência dessa ocupação, já são sentidos efeitos como a desertificação de mais de 10% do bioma, o que na visão de Agostinho deve ser enfrentado com a criação de unidades de conservação, recuperação da vegetação nativa e criação de dados de conservação para proteção integral e uso sustentável.
Parceria Brasil-China estuda impactos na Caatinga
Pesquisadores do Brasil e da China estão colaborando em um ambicioso projeto internacional para investigar os impactos das mudanças climáticas em ecossistemas tropicais, com foco particular na Caatinga brasileira.
Liderada pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) de Rio Claro e pela Beijing Normal University, com a participação da Embrapa Semiárido, a iniciativa visa analisar como a variabilidade climática e eventos extremos, como o El Niño, influenciam a fenologia vegetal e as consequências para a biodiversidade.
A parceria, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), está dividida entre as duas instituições. No Brasil, a UNESP coordena as atividades, enquanto na China, a Beijing Normal University lidera a pesquisa.
A Embrapa Semiárido, por sua vez, se concentra em dois aspectos: analisar o impacto de eventos climáticos extremos, como secas severas, na vegetação da Caatinga, e estudar diferentes escalas espaciais e temporais no monitoramento da vegetação.
No Campo Experimental da Caatinga, em Petrolina, uma torre de referência equipada com câmeras fenológicas e instrumentos para medir fluxos de carbono, água, radiação, precipitação e umidade do solo monitora diariamente as respostas das plantas às variações climáticas.
“Esse monitoramento é complementado por imagens de drone e satélites, ampliando a área de observação e oferecendo uma visão mais abrangente dos impactos climáticos”, explica a pesquisadora Magna Moura, da Embrapa.
O projeto busca também entender como as mudanças fenológicas podem impactar serviços ecossistêmicos cruciais, como a produção de frutos. Espécies como o umbuzeiro, de grande importância para as populações tradicionais do Semiárido, são estudadas para avaliar os efeitos das mudanças climáticas na sincronia de produção de frutos, o que pode gerar sérias consequências para essas comunidades.
Um dos aspectos inovadores da pesquisa é o monitoramento fenológico global do Jacarandá (Jacaranda mimosifolia Don.), uma espécie piloto distribuída em 55 países. Segundo Morellato, se o piloto for bem-sucedido, o monitoramento pode ser replicado para outras espécies e regiões, ampliando a coleta de dados.
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Outros biomas brasileiros
Além da Caatinga, o estudo também investiga os efeitos dos eventos climáticos extremos na dinâmica foliar do Cerrado. A coordenadora do projeto no Brasil, Patrícia Morellato, destaca que o aumento de secas extremas e chuvas intensas em várias regiões oferece uma oportunidade única para avaliar a adaptação e a resiliência da vegetação brasileira.
Utilizando torres de fluxo e câmeras especializadas, o projeto tem analisado a produção e perda de folhas, correlacionando esses dados com eventos climáticos como o El Niño.
“Queremos descobrir se a vegetação se tornou mais ou menos produtiva após esses eventos extremos e como isso afeta a fotossíntese e a captação de carbono”, afirma Magna Moura. A pesquisa também valida padrões de vegetação detectados por satélites para verificar como o comportamento foliar é refletido nas imagens de sensoriamento remoto.
Fontes: Agência Senado, Embrapa Semiárido e Agência Brasil