O desequilíbrio causado por inseticidas de largo espectro de ação tem ocasionado a ocorrência exagerada da lagarta preta, além de outras pragas
No planejamento adequado de uma cultura agrícola, é importante a adoção de estratégias de controle de insetos, considerando o contexto do Manejo Integrado de Pragas (MIP). A proposta do MIP baseia-se na premissa que não são todos os insetos que necessitam de controle e que alguns níveis de infestação são toleráveis sem ocasionar redução econômica de produção. Nesse contexto, foi definida a menor população de pragas que pode causar dano, o chamado “Nível de Dano Econômico” (NDE).
Fatores
Entretanto, para evitar que seja atingido esse NDE, é preciso levar-se em consideração diferentes fatores como, por exemplo, o tempo necessário para uma medida de controle ser eficiente, a precisão da amostragem, fatores climáticos que podem atrasar a operacionalização da medida de controle entre outros. Sendo assim, a decisão de controlar, ou não a população de pragas deve ser realizada.
Na prática, há sempre uma margem de segurança em relação ao NDE. Este nível de segurança, em geral, é ligeiramente mais baixo comparativamente ao NDE e é conhecido como “Nível de Ação” (NA). Ele representa o momento certo de iniciar o controle.
Seis aplicações
No início da década de 1970, antes da criação da Embrapa Soja, ocorria uma média de seis aplicações de inseticidas por ciclo da soja, com produtos de largo espectro de ação. Com a criação da Embrapa Soja, em 1975, os trabalhos de MIP da soja foram iniciados visando ao uso racional de inseticidas e à preservação do controle biológico natural, em conjunto com a Emater, IAPAR e outras instituições parceiras. Após a determinação dos níveis de ação para as principais pragas (desfolhadoras e sugadoras) da cultura, passou-se a recomendar o uso de inseticidas apenas quando necessário, ou seja, quando a população de pragas estivesse igual ou acima do NA e dando preferência sempre para os produtos mais seletivos que preservam a ação do controle biológico natural.
Pano de batida
Em alguns anos de trabalho e após o treinamento e a divulgação desses níveis, aliado à difusão de outras táticas de MIP, como, por exemplo, o uso do pano de batida, variedades mais resistentes etc., aquele quadro de aplicação de agrotóxicos foi revertido para, em média, duas aplicações por ciclo. Infelizmente, nos últimos anos, tem havido um grande retrocesso do MIP soja, resultando em aumento do uso abusivo – e errôneo – de agrotóxicos.
Nível de ação
Os inseticidas têm deixado de ser usados com base na população de pragas e respeitando-se o nível de ação. Passaram a ser utilizados baseados em critérios subjetivos de percepção do sojicultor, que utiliza aplicações pré-programadas em calendário, visando, muitas vezes, aproveitar outras operações agrícolas, como a aplicação de herbicidas e/ou fungicidas.
Com esta prática, as aplicações voltaram a atingir atualmente a média de quatro a seis aplicações por ciclo, um aumento desordenado do uso de inseticidas que tem ocorrido na cultura da soja nacionalmente.
Em algumas localidades, quadros ainda piores são observados, com um total de até 10 aplicações de inseticidas em um único ciclo.
Inimigos naturais
Esta realidade prejudica enormemente a ação dos inimigos naturais das pragas e permitiu surtos de artrópodes, anteriormente considerados sem importância econômica. As pragas secundárias sempre existiram na soja, mas eram mantidas em equilíbrio, ou seja, abaixo do nível de dano econômico, GRAças à ação do controle biológico natural. Com a eliminação da ação desse controle biológico natural pelo uso de agrotóxicos não seletivos, a população de insetos cresce descontroladamente e passa a ocupar patamares acima do nível de dano econômico (Gráfico 1).
Desequilíbrio: principais pragas
Entre os exemplos de pragas com as quais essa mudança tem ocorrido estão o complexo de lagartas do gênero Spodoptera (lagarta-preta-da-soja), a lagarta-falsa-medideira, a mosca-branca e os ácaros.
Na cultura da soja, as espécies do gênero Spodoptera mais importantes são a Spodoptera cosmioides e a Spodoptera eridania, principalmente a partir do início da fase reprodutiva da cultura quando, além de se alimentarem das folhas, atacam também as vagens da planta.
As lagartas podem ser diferenciadas pela presença nos últimos ínstares da listra lateral alaranjada até a cabeça, como é o caso da S. cosmioides. Em lagartas de S. eridania há a presença de uma listra lateral branca que é interrompida antes da cabeça. Entretanto, a diferenciação entre as lagartas, nos primeiros ínstares, não é nada fácil.
Porém, é importante salientar que, normalmente, ocorrem infestações mistas e as medidas de manejo, quando necessárias, são adotadas para o complexo de espécies e não para uma delas isoladamente.
Um marco importante no histórico do MIP-soja foi o aparecimento da ferrugem asiática e a liberação da soja transgênica RR®. Aplicações de fungicidas e herbicidas passaram a ser mais frequentes durante o ciclo da soja, em épocas mais ou menos pré-estabelecidas.
Infestação de insetos-pragas
Muitos agricultores, na tentativa equivocada de otimizar a aplicação de herbicidas em pós-emergência no início do desenvolvimento, e, posteriormente, de fungicidas no período reprodutivo, adicionam inseticidas em mistura de tanque, sem qualquer consideração com a real infestação de insetos-pragas na lavoura. Dessa forma, não em decorrência direta do uso de herbicida e/ou fungicida, mas, sim, por causa do uso errôneo de inseticidas em mistura com esses produtos, os problemas com aquelas pragas têm aumentado nas lavouras de soja nos últimos anos.
“Uso do cheirinho”
Para piorar ainda mais esse cenário, muitas vezes os produtores, ou até mesmo a assistência técnica menos preparada, ao perceberem a baixa infestação de pragas, decidem usar doses de inseticidas abaixo do registrado para uso na cultura, o que é popularmente conhecido com “uso do cheirinho” ou “aproveitamento de operação”, que segundo a percepção do produtor, é utilizado na tentativa de prevenir o surgimento da praga. Entretanto, é importante salientar que nunca é recomendada a aplicação preventiva de produtos químicos para o controle de pragas da soja ou mesmo utilizar algum tipo de controle quando o custo deste controle for maior que o prejuízo causado pelo inseto.
Nível de ação
Esse nível de infestação é exatamente o nível de ação (NA) definido anteriormente.
O NA para lagartas ou desfolhares em geral (incluindo a lagarta preta do gênero Spodoptera) é de quando a desfolha for igual ou superior a 30% no período vegetativo ou 15% no período reprodutivo da soja.
Qualquer aplicação de inseticidas para controlar as pragas antes que atinjam esses níveis é desnecessária e pode causar mais prejuízos do que benefícios, principalmente quando são usados produtos não seletivos aos inimigos naturais.
Momento correto
Para detectar o momento correto de fazer o controle com inseticidas, a lavoura precisa ser monitorada. A maneira recomendada de se avaliar essas populações na soja é através do uso do pano de batida. Ainda, o controle químico deve ser utilizado somente quando a população de pragas atingir o NA.
Nesse contexto, os produtos mais adequados para serem utilizados no MIP-soja são aqueles que combinam o bom controle do alvo, a praga, com o mínimo de impacto sobre os inimigos naturais, sendo a integração de produtos químicos com o controle biológico, na maioria dos casos, crucial para o sucesso do MIP-soja.
A conservação dos inimigos naturais é muito importante, não só no manejo da Spodoptera spp., mas também para todos os demais insetos-pragas da cultura. Entre os produtos normalmente considerados seletivos para a maioria dos insetos benéficos encontram-se os inseticidas reguladores de crescimento (também denominados inapropriadamente de “inseticidas fisiológicos”).
Atuação mais lenta
Esses inseticidas agem sobre a estrutura do tegumento dos insetos e sobre os mecanismos de controle da metamorfose e ecdise (troca de pele), atuando, principalmente, nas fases imaturas dos insetos e, portanto, são de atuação mais lenta em comparação com os inseticidas neurotóxicos. Entretanto, mesmo não matando as lagartas imediatamente após a aplicação, os insetos diminuem a alimentação após o contato com o produto.
Viabilidade econômica
Resultados obtidos por pesquisas da Embrapa Soja mostram a viabilidade econômica da adoção do MIP nesta cultura, quando diferentes manejos foram comparados:
- Uso exclusivo do controle biológico (CB);
- Manejo Integrado de Pragas (utilizando-se produtos mais seletivos somente quando a infestação atinge o nível de ação);
- Tratamento produtor (com uso abusivo de piretróides) e
- Testemunha (sem controle) (Gráfico 2).
MIP-Soja
Portanto, a retomada da adoção do MIP-soja com a revitalização do uso do pano de batida para monitoramento e tomada de decisão de controle apenas quando a população atingir os níveis de ação preconizados pela pesquisa, é realmente a única maneira para o sojicultor manter-se competitivo no mercado com redução dos custos e maximização da produtividade, associado a um preservação do agroecossistema e produção de alimentos mais seguros.
Adeney de Freitas Bueno – Pesquisador Embrapa Soja; Clara Beatriz Hoffmann-Campo – Pesquisadora Embrapa Soja e Regiane Cristina Oliveira de Freitas Bueno – Pós-Doutoranda, Bolsista PNPD CAPES/FESURV/Embrapa Soja
Manejo para controle das pragas iniciais
O período de preparo para o plantio da próxima safra exige vários cuidados do produtor para que tudo seja muito bem planejado e a colheita seja satisfatória. Uma das atenções que o produtor deve ter é com as pragas das lavouras. Para que estas não se tornem inimigas da produção, o produtor deve vistoriar as áreas para saber quais pragas se encontram nas plantas usadas como cobertura.
De acordo com Lúcia Vivan, entomologista da Fundação MT, tem-se observado que plantios de sorgo aumentam a incidência da lagarta spodoptera. Para evitar o aumento de incidência destas pragas, recomenda-se a dessecação antecipada de 20 a 25 dias antes do plantio para desfavorecer estas lagartas. “Isso evita a aplicação de inseticidas no início do plantio”, salienta a pesquisadora.
Produtos seletivos
O posicionamento correto de inseticidas e uso de produtos mais seletivos, como, por exemplo, os fisiológicos para lagartas no início do plantio, é outra recomendação feita por Vivan.
A pesquisadora lembra que o uso de produtos como os fisiológicos apresentam residual satisfatório e mantêm os inimigos naturais nas áreas. Conforme Vivan, deve-se evitar uso de piretroides na dessecação, pois pode acarretar problemas futuros com altas populações de pragas.
“O uso de piretroides causa desequilíbrio nas áreas por ser muito tóxico, fazendo com que diminuam os inimigos naturais. Esta prática causa ressurgência de pragas. Os piretroides também podem ocasionar aumento na população de ácaros”, destaca Vivan.
Lagartas
Com relação às pragas iniciais, a pesquisadora esclarece que a atenção deve ser voltada para as lagartas spodoptera, lagarta-elasmo e besouros metálicos. As primeiras, como já afirmado por Vivan, podem ficar na palhada como as lagartas-rosca.
Para monitorá-las, o produtor e equipe devem movimentar a palhada, pois estas lagartas não são visíveis durante o dia. Isso também vale para a lagarta-elasmo e deve-se, da mesma forma, verificar a presença de adultos e larvas, principalmente nas áreas com histórico de ataque e nos plantios mais precoces, sujeitos aos períodos de veranicos.
Ataque
Os besouros metálicos como Colaspsis, Maecolaspis, vaquinhas, podem atacar no início do plantio. Para estes recomenda-se o tratamento de sementes para controle inicial e, após 20 dias, as pulverizações aéreas.
“As lagartas falsa-medideira e lagarta-da-soja também ocorrem de maneira generalizada nos plantios de soja, e, se o período estiver mais seco, ocorrerá aumento da população. Deve-se, então, observar as primeiras infestações e realizar o controle com produtos fisiológicos”, salienta Vivan.
Para os percevejos, Vivan recomenda o uso de misturas e fosforados. “É importante rotacionar o modo de ação para evitar evolução à resistência a alguns inseticidas”.