De novidade à regra, currais anti-estresse tornam-se indispensáveis para o produtor que deseja se manter competitivo no mercado brasileiro e internacional.
O respeito animal é uma demanda crescente da sociedade e tem pressionado o produtor no sentido de adequar-se à esta nova exigência de mercado”, afirma Pedro Paulo Pires, médico veterinário e pesquisador da Embrapa Gado de Corte. A nova realidade de comércio exige que o bovinocultor adote práticas de bem-estar animal, e uma delas é a implementação do curral anti-estresse.
Vicente Panucci, proprietário da Panucci Currais, explica que as principais características deste curral são o seu formato curvo e a seringa fechada nas laterais. Segundo ele, “são elementos que impedem o animal de ver o ambiente externo, e não saiba para onde está indo. Este modelo de curral diminui bastante a ansiedade, evita aglomerações e a necessidade de gritos, ou do uso do bastão, que pode ocasionar lesões no animal”. Panucci revela que, atualmente, o curral anti-estresse é responsável por 90% do total do faturamento da empresa.
Manejo racional
A proposta do curral é realizar um manejo racional. “Se antes era ‘na base da paulada’ e dos gritos, a ideia agora é substituir essas antigas e inadequadas práticas pelo manejo calmo. Além disso, as instalações precisam oferecer aos animais, sombra, água, e repartições maiores”, ensina Pedro Paulo.
Também no ramo da construção de currais, ildomar Ribeiro, à frente da Execução Currais, empresa que se dedica exclusivamente à construção de currais anti-estresse, explica que, “todo o projeto do curral é baseado no respeito ao comportamento natural do animal. O bovino, quando solto, realiza a pastagem em círculos, e não em linha reta, assim, o formato curvo é o ideal”.
Menos tempo
O formato curvo, o coletivo, o embarcador e a seringa fechados, demandam menos mão de obra e menor tempo no manejo dos animais. “A seringa fechada impede a distração do animal, desse modo, ele atenderá prontamente ao comando. A tendência é que ele caminhe mais tranquilamente, sendo conduzido com mais facilidade e rapidez, e sem necessidade de ser tocado”, afirma Ribeiro.
Panucci explica que, “em comparação ao curral convencional, o anti-estresse necessita menos mão de obra e o tempo de embarque desses animais é reduzido”. Mas, ressalta: “é preciso que os profissionais sejam treinados e capacitados para a manobra do rebanho, para que haja maior segurança na lida e garanta, de fato, o manejo gentil dos animais”.
Menos prejuízo
A perda de peso está entre as principais conseqüências de um manejo inadequado. “O estresse é emagrecedor”, diz o médico veterinário, Pedro Paulo. Ele não está só. Panucci lembra pesquisas que apontam que um animal pode perder até uma arroba ao ser posto em um curral com instalações inadequadas, e faz um cálculo: “o preço médio de um curral anti-estresse fabricado por nós, é de R$ 120 mil. Se pensarmos em uma entrega de 500 cabeças/ano, a R$ 90 a arroba, em dois anos e meio as perdas podem chegar a mais de R$ 112 mil”. Ou seja, recupera-se 80% do investimento, considerando apenas as perdas no peso do bovino.
Porém, outros riscos estão envolvidos em instalações rurais que não pensam no bem estar-animal. Currais anti-estresse também evitam o uso de materiais cortantes e perfurantes, tais como arame farpado, pregos e saliências. Possuem também pisos antiderrapantes, que evitam contusões e fraturas. “Se um animal bate em um parafuso saliente, irá fazer um hematoma na carcaça. No momento da venda dessa carne, o pedaço com o hematoma será descartado. Imagine o prejuízo para o produtor em perder meio quilo em cada parafuso”, alerta o pesquisador da Embrapa.
Exigência de mercado
Pedro Paulo Pires é enfático sobre a necessidade de adoção de melhores práticas no manejo animal. “O mercado está exigindo. A carne que apresenta o selo BPA, por exemplo, é melhor aceita pelo consumidor ‘verde’. O aumento de produtores que se interessam pelo bem estar-animal está de acordo com o crescimento no número de consumidores preocupados com a questão”, frisa o veterinário.
Pedro Pires se refere ao selo de boas Práticas Agropecuárias – bovinos de Corte (BPA), desenvolvido pela Embrapa, em parceria com outras entidades. Produtos de origem animal, que possuem este selo, cumpriram uma série de normas e de procedimentos que, além de tornarem os sistemas de produção mais rentáveis e competitivos, garantem também a oferta de alimentos seguros, oriundos de sistemas de produção sustentáveis, entre eles, o curral anti-estresse.
“Não há como voltar atrás. o curral anti-estresse não é mais novidade, se tornou uma necessidade”, também decreta Ildomar Ribeiro. “Do comprador para o fornecedor, os mercados interno e externo exigem o manejo racional. Está virando regra: a fazenda que adota esse modelo se manterá competitiva”, assegura.
Características do curral adequado, segundo as normas da BPA
Cercas
- Devem ser, preferencialmente, de arame liso com balancins, pois as de arame farpado podem provocar riscos e furos no couro do animal.
- Lascas e moirões não podem possuir saliências, farpas, pregos ou parafusos que possam ferir os animais.
- As cercas eletrificadas precisam estar com a voltagem adequada, aterramento e isolamento seguros, a fim de evitar descargas elétricas.
Corredores
Para facilitar a condução dos animais, a propriedade necessita ter corredores para condução ao curral ou mudança de pasto. É preciso tomar precauções quanto às cercas dos corredores, conforme recomendações anteriores.
Curral
Deve ser construído de forma a permitir a realização com eficiência, segurança e conforto, de todas as práticas necessárias ao trato do gado, tais como: apartação, marcação e identificação, castração, vacinação, descorna, inseminação, pesagem, controle de ecto e endoparasitos, exames ginecológico e andrológico, embarque e desembarque de animais. É importante considerar:
Localização:
- Deve ser localizado, de preferência, em terreno elevado, firme e seco, situado em local estratégico, de modo a facilitar o manejo dos animais ou o seu embarque nos caminhões.
Paredes internas:
- No curral, no brete, no tronco de contenção e nas rampas de acesso do embarcadouro, estas devem ser lisas e livres de saliências, como pontas de pregos, parafusos ou ferragens, que possam provocar lesões nos animais.
Pisos:
- É fundamental que sejam regulares e antiderrapantes, para prevenir a queda dos animais;
- A utilização de balança eletrônica, ou mecânica, é necessária para monitoramento do desenvolvimento ponderal dos animais;
- A construção do embarcadouro deve ser planejada de forma a facilitar a entrada dos animais no caminhão;
- A rampa de acesso precisa ter inclinação suave e o último lance construído com aproximadamente 2,20m na horizontal;
- As paredes da rampa de acesso e do embarcadouro devem ser vedadas nas laterais para facilitar o embarque e reduzir o estresse dos animais;
- O nivelamento do piso de saída do embarcadouro precisa ser o mesmo do piso da carroceria do caminhão;
- É importante que a seringa do embarcadouro seja afunilada e, preferencialmente, vedada nas laterais.
Instalações:
- É recomendada a limpeza periódica das instalações, principalmente brete, tronco e balança, para evitar o acúmulo de terra e esterco;
- A disponibilidade de pontos de água (torneira e bebedouros) e energia elétrica é muito importante;
- A disponibilidade, no curral ou nas suas proximidades, de um banheiro para uso dos funcionários é necessária;
- A disponibilidade de recipiente adequado para coleta do lixo produzido durante os trabalhos de manejo (exemplo: frascos vazios de vacinas e medicamentos) também é indispensável.
Mulher autista que revolucionou a produção animal
Nascida em 1947, a americana Temple Grandin, doutora em Zootecnia, revolucionou a indústria mundial de produção de animais, com a criação de currais anti-estresse, e outras técnicas de bem-estar animal. Mais de 50% dos matadouros e criadores de gado americanos, incluindo os fornecedores da rede de fast food Mc Donald’s, utilizam os métodos e designs que ela criou.
Diagnosticada com autismo, ainda na infância, quando adolescente criou a “máquina do abraço”, uma engenhoca capaz de lhe pressionar como se estivesse sendo abraçada, o que a acalmava, assim como a outras pessoas com autismo. A partir daí, pensou em métodos capazes de acalmar os animais durante o pré-abate. Um deles foi o curral circular, em formato curvo.
Em 2010, foi eleita pela revista norte-americana Time com uma das 100 pessoas mais influentes do mundo, na categoria Heróis. No mesmo ano, teve sua vida contada no cinema, pelo filme Temple Grandin, vencedor de um Globo de Ouro e cinco Emmys, o maior prêmio da televisão mundial.
Aos 66 anos, Grandin já publicou diversos livros sobre autismo e bem-estar animal, e continua dando palestras e viajando o mundo todo, prestando consultoria sobre as boas práticas de manejo pecuário.