Tecnologia de cultivo orgânico pode aumentar em até seis vezes a produtividade do tomate
Quando os pesquisadores da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA) começaram a trabalhar com agricultura orgânica, em 1993, identificaram, por meio de uma enquete, que a oferta de hortaliças de folha, raízes e tubérculos atendiam à demanda dos consumidores de orgânicos. Porém, o mesmo não acontecia com o tomate. O mercado queria tomates orgânicos, mas os agricultores não conseguiam produzi-los em grande quantidade. Com a tecnologia disponível, os agricultores colhiam apenas 0,5 kg de tomate por pé. A APTA, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, então, iniciou estudos e divulgação de um biofertilizante criado no fim do século XIX no Japão, conhecido e utilizado somente pela colônia japonesa no Brasil, chamado bokashi.
Atualmente, esse bionutriente é preparado com resíduos oriundos do beneficiamento e processamento industrial de matérias-primas primárias, como trigo, soja, mamona, frutos do mar, osso, pena de aves e cana-de-açúcar, por exemplo. Os produtores rurais de São Roque-SP e região têm produzido até três quilos de tomate por pé, ou seja, seis vezes mais. Além disso, os pesquisadores da agência conseguiram reduzir em mais de 40% os custos de produção do bokashi, substituindo alguns ingredientes da agroindústria por outros naturais, mais baratos. A pesquisa é inédita no Brasil e a tecnologia para o preparo foi difundida pela APTA em outros países, como Paraguai, Bolívia, Caribe, Guatemala, Honduras e República Dominicana.
Pioneiros
Quando os pioneiros na produção orgânica utilizavam no cultivo de tomate apenas compostos simples, preparados com esterco animal — de cavalo ou de bovino — conseguiam produzir pouco, somente 0,5 kg de tomate por pé. Na agricultura tradicional, é possível produzir, em média, oito quilos. Atualmente, recomenda-se utilizar o bokashi em conjunto com o composto orgânico comum, à base de esterco animal, curtido com material celulósico e capim, usado como condicionador do solo, o que melhora as condições físicas e biológicas. “Na região de São Roque, mais precisamente na cidade de Ibiúna, há um grande produtor que consegue produzir até três quilos por pé, ou seja, seis vezes mais. Quando o agricultor é pequeno e familiar, pode chegar a dobrar a produção. Porém, o atendimento aos consumidores não é suficiente, pois o preço do tomate orgânico não tem baixado o suficiente para atender à verdadeira demanda”, afirma Issao Ishimura, pesquisador da APTA.
Redução de custos
A APTA conseguiu, ainda, reduzir os custos de produção do bokashi aplicado nas lavouras. Originalmente, a tonelada do biofortificante japonês custava em média, R$ 810,00. Com a substituição de alguns componentes, a pesquisa paulista conseguiu desenvolver um bokashi 44% mais barato, ao custo de R$ 460,00 a tonelada. “O farelo de soja, por ser utilizado como matéria-prima para fabricação de ração animal, é inviável para o preparo do adubo, então, o substituímos por farelo de mamona, abundante na região de São Roque e em todo mercado agropecuário do Brasil. Outra mudança foi em relação à farinha de peixe industrializada, que custa em média R$ 2,20 o quilo, por sobras da limpeza de peixes frescos das peixarias, que são distribuídas a custo zero. O farelo de arroz — fonte de amido — foi trocado por resíduos da indústria de fécula e fritas de batata, que também não custa nada”, afirma Ishimura. De acordo com o pesquisador da APTA, a composição e a dosagem aplicada variam conforme o estado do solo — degradado ou não — os níveis de nutrientes existentes e a espécie que será cultivada.
O tomateiro tem origem nos Andes chilenos, peruanos e bolivianos, regiões de alta altitude e baixa umidade. Quando cultivado nesses locais, não se observam ataques de pragas e doenças fúngicas, viróticas ou bacterianas. Porém, de acordo com Ishimura, o tomate, quando plantado em regiões de clima úmido e subtropical de São Paulo, sofre com o ataque de pragas e doenças. Por essa razão, o fruto já chegou a estar no topo da lista de alimentos com maior nível de contaminação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “No Brasil, o tomateiro fica suscetível e há ataques de todos os agentes patogênicos. A planta não tem resistência às principais doenças existentes, razão para o uso maciço de agrotóxicos”, afirma o pesquisador da APTA.
Aplicadores de defensivos
Segundo Issao, existem agrotóxicos registrados para o tomate no Brasil, porém, para os aplicadores de defensivos agrícolas do País não são exigidos o mesmo nível escolar e técnico de países da Europa, dos Estados Unidos, Canadá e Japão. “Falta, no Brasil, normatizar a profissão de aplicadores de agrotóxicos na produção de alimentos”, afirma.
O bokashi, produzido a partir de ingredientes do beneficiamento de matérias-primas fermentados por micro-organismos benéficos, evita o ataque de doenças fúngicas ao tomateiro e outras espécies suscetíveis a doenças. “Isso acontece porque a quitina presente nas penas de aves e nos frutos do mar, como casca de siri, caranguejo e camarão, induz à diminuição de micro-organismos patógenos”, explica Ishimura.
Biofertilizante
O biofertilizante pode ser utilizado no plantio de hortaliças, como cebola, batata, alcachofra e louro. Se não fosse a utilização para esse fim, os resíduos que compõem o produto seriam jogados no lixo ou em aterros sanitários. “O bokashi aplicado em solo nutricionalmente desequilibrado e degradado pelo uso excessivo de insumos químicos permite sua recuperação por meio da melhoria das propriedades químicas, físicas e principalmente biológicas, em equilíbrio com a natureza, de acordo com enfoque agroecológico. Outro impacto positivo está ligado ao fato de que seu preparo depende somente de material originado de recursos naturais renováveis sendo, portanto, uma tecnologia ecologicamente correta”, explica o pesquisador.
Ainda de acordo com Ishimura, os resíduos sólidos produzidos na região são reaproveitados na produção de alimentos dos próprios municípios, gerando riqueza. “Além da geração de riqueza, pode-se dizer que este reaproveitamento dos resíduos na região é muito importante na sustentabilidade do agricultor, além de aumentar a garantia da sua segurança alimentar, o que traz um enorme benefício para a comunidade, não tanto ligado à geração de riqueza, mas à geração de saúde e bem-estar social”, afirma.