As ovelhas Booroola são portadoras de uma mutação genética natural que resulta em elevada prolificidade, ou seja, ocorre uma alta frequência do nascimento de dois ou mais cordeiros por parto. Na década de 1970, essas ovelhas foram identificadas em um rebanho Merino na Austrália. Não se trata, é bom destacar, de uma raça específica. No Brasil, a linhagem Booroola foi introduzida pela Embrapa, que importou carneiros da Nova Zelândia ainda no final daquela década.
Durante os anos 1980 e 1990, essa linhagem foi usada no País somente como modelo experimental para a implementação de estudos sobre fisiologia da reprodução realizados na Embrapa Pecuária Sul, unidade de pesquisa localizada em Bagé (RS). Mas no ano de 2001, três grupos de pesquisa independentes identificaram que a alta prolificidade das ovelhas Booroola é causada por uma mutação que ocorreu naturalmente no gene do receptor para proteínas morfogenéticas de osso tipo1 B (BMPR1B). A descoberta proporcionou o desenvolvimento de técnicas moleculares para o seu diagnóstico.
Ovulações por ciclo
Até o momento, a única diferença identificada nas fêmeas adultas portadoras da mutação é um aumento no número de ovulações por ciclo, o que determina maior número de cordeiros nascidos (partos múltiplos). O efeito do alelo Booroola (cada gene possui dois alelos ou cópias) é aditivo: cada cópia adiciona uma a duas ovulações sobre a média de ovulações do rebanho em que foi introduzido. Assim, ovelhas homozigotas para a mutação Booroola, ou seja, com duas cópias do gene mutado (BB) geralmente apresentam prolificidade excessiva, com alta frequência de partos triplos e quádruplos, podendo chegar a quíntuplos. Nos carneiros, a mutação não determina alterações de características morfológicas, mas eles transmitem a mutação para os descendentes – a prolificidade aumentada só ocorrerá quando as filhas reproduzirem.
No quadro abaixo, os acasalamentos entre ovinos normais e portadores da mutação Booroola e genótipos possíveis dos descendentes.
A partir de 2003, a Embrapa Pecuária Sul iniciou um programa de introgressão assistida por diagnóstico molecular da mutação em rebanhos comerciais das raças ovinas com maior efetivo no Rio Grande do Sul. Participaram do programa quatro propriedades com rebanhos da raça Texel e quatro com rebanhos da raça Corriedale. Carneiros cruza Romney x Merino homozigotos para Booroola (BB) foram usados como reprodutores para introdução da mutação nos rebanhos comerciais (NN). De cada progênie (filhos resultantes de um cruzamento), foram coletadas amostras de sangue para extração do DNA e o diagnóstico da presença da mutação foi feito com o exame chamado Polimorfismo do Tamanho do Fragmento de Restrição (PCR-RFLP).
Em cada progênie foram selecionados pelo menos dois carneiros heterozigotos (com um alelo Booroola e outro normal) para a mutação Booroola (BN), por propriedade para serem usados na temporada reprodutiva seguinte em rebanhos de outros criadores da mesma raça em que se pretendia introduzir a mutação. As fêmeas BN de cada progênie foram acasaladas com carneiros da raça original de cada propriedade e sua prole também foi genotipada. As ovelhas não portadoras da mutação (NN) foram excluídas do programa de introgressão. Foram feitas pelo menos cinco progênies de retro-cruzamento, totalizando mais de dois mil acasalamentos orientados pela genotipagem.
Padrão racial
Atualmente, estão disponíveis no mercado carneiros das raças Texel e Corriedale portadores da mutação Booroola (BN) certificados por genotipagem e com padrão racial atestado pela Associação Nacional de Criadores de Ovinos (ARCO).
Dados de produção de um rebanho comercial da região da sul do Rio Grande do Sul composto de ovelhas portadoras (BN) ou não (NN) da mutação Booroola.
Ovelhas | Carneiros | Cordeiros | Relação cordeiros nascidos/ovelha parida |
NN | NN | NN | Semelhante |
NN | BN | NN, BN | Semelhante |
NN | BB | BN | Semelhante |
BN | BN | NN, BN | Aumentado |
BN | BN | NN, BN, BB | Aumentado |
BB | NN | BN | Excessivo |
BB | BB | BB | Excessivo |
Desempenho produtivo
O desempenho produtivo das ovelhas BN na Embrapa Pecuária Sul, nos últimos três anos, foi na média de 193% de cordeiros nascidos/ovelha parida (prolificidade), 162% de cordeiros desmamados/ovelha parida (produtividade) e produção de 32 quilos de cordeiro desmamado aos 90 dias por ovelha parida. Considerando que a média histórica de desmame de cordeiros no Rio Grande do Sul é de cerca de 70%, a introdução da mutação Booroola, aliada às técnicas simples de manejo, possibilita duplicar a produção de cordeiros desmamados, mantendo o sistema de criação extensivo a pasto, comum no Sul do Brasil. Resultados similares também estão sendo obtidos em propriedades particulares da região, como pode ser visto em um exemplo na tabela abaixo.
Indicador produtivo
| BN | NN | Geral |
Prolificidade | 190,0% | 106,2% | 120,5% |
Produtividade | 155,0% | 99,0% | 108,5% |
Sobrevivência de cordeiros | 81,6% | 93,2% | 90,1% |
Quilos de cordeiro desmamado aos 70 dias/ovelha parida | 26,8 kg | 23,9 kg | 24,2 kg |
É importante salientar que, mesmo as ovelhas não portadoras da mutação Booroola, quando bem manejadas, têm potencial de desmame de mais de 100% de cordeiros.
Nova opção
A mutação Booroola oferece, assim, uma nova opção que pode permitir ao ovinocultor comercial um nível elevado de prolificidade e ainda manter as outras características desejáveis da raça do seu rebanho original. O uso das ovelhas Booroola em rebanhos comerciais, tem o potencial de duplicar o número de cordeiros desmamados por ovelha acasalada numa mesma área pastoril.
Entretanto, esse salto de produtividade depende da adoção simultânea de maiores cuidados com o rebanho de cria e com os cordeiros recém-nascidos por parte do produtor rural. O rebanho pode ser mantido a pasto durante o ano todo, inclusive durante a parição.
Criação no Rio Grande do Sul
Nas condições de criação do Rio Grande do Sul, por exemplo, onde 90% das ovelhas têm parto simples, a introdução do gene com a mutação Booroola terá que ser acompanhada de uma melhora nutricional compatível com a produção dos animais. Isso porque cerca de 70% das ovelhas heterozigotas (BN) terão partos duplos e 30% terão partos simples ou triplos.
Assim, alimentar as ovelhas como se todas tivessem gestações gemelares deverá ser o procedimento padrão.
Para maiores detalhes sobre as técnicas de manejo para elevar a produtividade do seu rebanho, consulte o site da Embrapa Pecuária Sul: www.cppsul.embrapa.br/unidade/publicacoes.