Resultado de um trabalho de seis anos que integra pesquisa, ensino, extensão rural e gestores públicos, o Programa de Produção Integrada de Morango (PIMo) colhe a primeira safra com o selo “Brasil Certificado”
Um novo tipo de morango certificado começa a chegar à mesa dos consumidores. Não é um morango orgânico, mas é produzido seguindo rigorosamente quase 90 procedimentos das Normas Técnicas da Produção Integrada de Morango (PIMo), auditados para a concessão do selo “Brasil Certificado”. Coordenadora da equipe do Programa PIMo, a pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente, Fagoni Calegario, alerta: “esse tipo de produção só encontra eco entre os produtores que aceitam desafios, que buscam algo diferenciado”.
Certificação
Osvaldo Maziero, presidente da Associação dos Produtores de Morango e Hortifrutigranjeiros de Atibaia, Jarinu e Região (SP), é um dos seis entre os 40 associados que aderiram à certificação. Ele mesmo só amadureceu a ideia e tomou a decisão depois de muitas reuniões. Há mais de 20 anos nesta tradicional região produtora de morangos, Maziero precisou reduzir seu cultivo de 10 mil para 5 mil plantas para “dar conta sozinho dessa cultura artesanal”.
Humberto Rosente, secretário de Agropecuária e Abastecimento de Atibaia, explica que a Produção Integrada de Morango foi uma alternativa, um diferencial, para tentar frear o declínio do cultivo do morango no município, que já foi o maior produtor do Estado de São Paulo. Segundo ele, a especulação imobiliária na região, aliada às dificuldades enfrentadas pelos produtores e a falta de interesse dos jovens pela atividade agrícola vêm afastando o homem do campo.
Cultura suscetível
Por ser uma cultura muito suscetível a pragas e doenças, o morango só pode ser plantado na mesma área por dois anos; depois, deve ocupar outra gleba. Seu cultivo, muitas vezes, exige aplicação de defensivos, incluindo os sistêmicos, daí o morango ser apontado com frequência como o campeão dos agrotóxicos. “A grande diferença nessa nova forma de produção integrada não é a eliminação, mas o uso racional e controlado dos produtos químicos”, explica o secretário.
Seis anos se passaram desde o início do programa, em 2006. Naquela época, cerca de 25 produtores tradicionais, dentre as 150 famílias que vivem do cultivo de morangos na região, participavam das reuniões. “Mas não é fácil para o agricultor tradicional. Ele tem que mudar tudo, inclusive hábitos. Mas todos ganham – em qualidade e saúde – do produtor ao consumidor”, diz Rosente.
Capacitação contínua
As exigências são muitas, por isso os produtores são capacitados continuadamente em práticas agrícolas, organização, segurança no trabalho, educação ambiental, higiene pessoal e do ambiente. Além de rigoroso planejamento ambiental, as mudas devem ser provenientes de viveiros fiscalizados.
Na etapa de plantio, mais recomendações: a declividade não deve ultrapassar 30%, os canteiros, cobertos por plástico devem ter altura mínima de 25cm e a área – restrita a um hectare por parcela – não pode ter sido cultivada com morango no ciclo anterior. A análise do solo e do substrato é obrigatória para a correção do solo, enquanto a foliar é recomendada para a fertilização. O produtor também se compromete a usar sistema de irrigação que priorize a eficiência do uso da água, que deve ter qualidade analisada anualmente.
Como descreveu o produtor Osvaldo Maziero, o caráter artesanal da cultura pode ser confirmado na exigência da ‘toalete’ das plantas. Elas devem ter as folhas doentes e senescentes, assim como estolões, flores e frutos danificados podados e compostados longe da área de cultivo. O controle de pragas inclui desde as ações preventivas, como o monitoramento das condições agroclimáticas, até o uso de métodos naturais e biológicos. A BUG/Promip, empresa que desenvolve predadores naturais para o controle biológico de pragas em larga escala – e que este ano foi premiada com o “Destaque A Lavoura”, pela Sociedade Nacional de Agricultura-SNA – é uma das parceiras do PIMo. A aplicação de agrotóxico, quando necessária, deve ser recomendada e a aquisição dos produtos específicos, mediante receituário agronômico. O preparo, a aplicação e o armazenamento do defensivo, assim como a destinação das embalagens vazias, obedecem a normas rigorosas.
Infraestrutura e certificação
Fagoni Calegario explica que, com todos esses cuidados, os gastos com adequação de infraestrutura e certificação são mais altos neste sistema do que no convencional. Mas as vantagens são muitas, como na aplicação de agrotóxicos, que é bastante reduzida na PIMo. Enquanto no sistema de produção convencional as aplicações são semanais ou quinzenais, na PIMo elas são feitas, apenas, como “última alternativa” e não “preventivamente”. “Dessa forma, o custo com defensivos pode ser reduzido em mais de 50%”, ressalta a pesquisadora.
Exigências e recomendações
Para garantir o cumprimento de todas as exigências e recomendações, os produtores dispõem de um caderno de campo e de outro pós-colheita – etapa que é proibida antes de se completar o período de carência dos agrotóxicos. Como o morango é uma fruta que não amadurece após retirada da planta, é fundamental que seja colhida no ponto certo: 70% dos frutos vermelhos.
Tanto na colheita quanto na fase seguinte – classificação, embalagem e etiquetagem – atenção especial deve ser dada à higiene. Os cuidados nesta etapa vão, desde lavar as mãos e manter as unhas cortadas, até cercar a lavoura para impedir a entrada de crianças e animais domésticos. Tudo isso é caro, mas garante qualidade quando forem feitas as análises de frutos colhidos para verificar resíduos químicos, salmonela e coliformes fecais, entre outros. Como o produto é rastreado, qualquer falha ao longo da produção pode ser identificada.
Articulação
A capacitação de todos os envolvidos neste sistema de produção, incluindo extensionistas, garante a adoção de procedimentos que resultam em uma planta mais “equilibrada e saudável”. Mas a pesquisadora considera a maior conquista do Programa a articulação entre mais de 15 diferentes instituições que apoiaram seu desenvolvimento. Como é necessário vencer várias etapas, o programa integra vários atores. A Secretaria Agropecuária e Abastecimento de Atibaia disponibilizou automóveis e técnicos agrícolas, conseguindo, ao longo do projeto, que R$ 120 mil reais do Orçamento Participativo – no qual a comunidade decide a aplicação dos recursos – fossem direcionados aos campos experimentais da PIMo.