Liberado primeiro biofungicida contra a vassoura-de-bruxa do cacaueiro
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) acaba de conceder o registro definitivo do primeiro fungicida microbiológico para combater o fungo Moniliophthora perniciosa, agente causal da vassoura-de-bruxa do cacaueiro. Desenvolvido pela Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (CEPLAC/MAPA), o Tricovab ®, nome dado ao biofungicida, é fruto de pesquisas iniciadas na década de 1970 no Pará e consolidadas na Bahia, a partir dos anos 90.
A vassoura-de-bruxa é considerada uma das mais devastadoras enfermidades do cacaueiro. Quando não é controlada corretamente, pode causar perdas de até 90% na produção de frutos em plantios comerciais na Amazônia. Na Bahia, principal região produtora do Brasil, esta enfermidade foi registrada, pela primeira vez, em 1989, e se disseminou por toda a lavoura cacaueira, com impactos econômicos, ambientais e sociais. De importante exportador, o país passou a importar cacau para manter abastecido o parque moageiro.
Estágios
O fungo Moniliophthora perniciosa desenvolve o seu ciclo de vida em dois estágios distintos: o primeiro, na forma parasítica, nos tecidos novos e vivos do cacaueiro, causando inchamentos, superbrotações e anomalias nos frutos e almofadas florais; e o segundo, na forma saprofítica, presente nos tecidos mortos, em do parasitismo desenvolvido pelo fungo no seu estágio anterior. É nesta fase de vida saprofítica do fungo que aparecem os basidiomas (cogumelos) e a produção de esporos, que são corpos microscópicos disseminadores da doença e, portanto, devem ser controlados.
Mercado
Hoje, com uma produção de 235.389 toneladas, o Brasil é o sexto produtor mundial, responsável por 4,7% do mercado total. O Estado da Bahia responde por 63% da produção, seguido pelo Pará (25,3%), Rondônia (7,4%), Espírito Santo (2,6%), Amazonas (1,4%) e Mato Grosso (0,3%), segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A África — livre da doença — responde por cerca de 70% da produção mundial, dos quais 37% provêm da Costa do Marfim.
Biofungicida
Composto pelo fungo Trichoderma stromaticum , o Tricovab® é uma importante opção para diminuir, ou até substituir, o uso de produtos químicos — pouco eficazes — no controle da doença, e preservar o meio ambiente.
Ele impede a reprodução do agente causal da vassoura-de-bruxa porque hiperparasita o fungo que causa a doença, impedindo sua disseminação. A cada ano a incidência do fungo da vassoura-de-bruxa pode ser reduzida devido à competição natural com o Trichoderma stromaticum.
Em experimento realizado no sul da Bahia, pela Ceplac (Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira), foi verificado que a aplicação do Trichoderma stromaticum reduziu em 87% a emissão de novos basidiomas (cogumelos) do fungo Moniliophthora perniciosa, nas vassouras secas removidas durante a poda fitossanitária e deixadas na serrapilheira.
O fungo biocontrolador — Trichoderma stromaticum — é produzido em grãos de arroz inoculados e fermentados para promover sua multiplicação na superfície dos grãos. O Tricovab® será comercializado em pacotes de dois quilos e deve ser misturado à água até o volume de 320litros/ha. A calda resultante deve ser aplicada nas vassouras-de-bruxa presentes na serrapilheira dos cacaueiros durante o período chuvoso (de maio a agosto na região cacaueira do sul da Bahia), após a remoção das vassouras e dos frutos doentes na poda fitossanitária, em dias de umidade relativa alta (acima de 80%).
Manejo integrado
A eficácia do biofungicida no controle da doença depende do manejo integrado de práticas, que incluem, principalmente, a utilização de material genético resistente à vassoura-de-bruxa, e a poda fitossanitária. Para promover o controle da doença, o programa de melhoramento genético do Cepec (Centro de Pesquisa do Cacau), unidade do Ceplac, vem distribuindo novos clones resistentes à doença, que podem ser plantados diretamente nas lavouras ou enxertados em cacaueiros adultos, que ocupam 150 mil hectares na Bahia.
O material genético, melhorado ao longo de anos, é resistente, mas não imune à doença. A vantagem é que a cultura passa a conviver com a vassoura-de-bruxa. Já a poda fitossanitária é importante para conter a disseminação da doença, por meio da eliminação de ramos e frutos infectados pelo patógeno.
O Tricovab® vem complementar o manejo integrado, permitindo ao cacauicultor conviver com a doença com menor impacto ambiental, e de forma economicamente viável.
Cabruca
O sistema de produção característico do sul da Bahia — conhecido como Cabruca — é sustentável, pois integra o cultivo do cacaueiro ao sub-bosque da floresta tropical úmida da Mata Atlântica. Implantada de forma descontínua, a lavoura fica protegida pela vegetação natural, sem prejudicar o equilíbrio entre a flora e a fauna no bioma. Esse sistema de cultivo é um dos responsáveis pela manutenção dos remanescentes de Mata Atlântica na região.
Recorde mundial
O equilíbrio no sistema de produção Cabruca traz resultados que podem ser considerados um recorde mundial. Em um hectare, foram identificadas 458 espécies de lenhosas, 270 espécies de mamíferos (dos quais 90 endêmicos), 372 espécies de anfíbios, 197 espécies de répteis, 849 de aves (sendo 188 endêmicas) e 2.120 espécies de borboletas (948 endêmicas).
A Ceplac e o Ministério da Agricultura esperam que o biofungicida, uma das mais importantes conquistas do ponto de vista agroambiental, venha agregar valor ao cacau produzido na Bahia. A valorização desse produto — diferenciado e sustentável — que converge com a exigência do novo mercado consumidor de produtos livres de agrotóxicos, pode favorecer a conquista de um importante selo ecológico.
João de Cássia do Bomfim Costa, Engenheiro agrônomo, doutor em Fitopatologia, Pesquisador do Centro de Pesquisas do Cacau (CEPEC/CEPLAC/MAPA)
Inimigos naturais invadem as lavouras
Eleita pela revista americana especializada em inovação e tecnologia “FastCompany” uma das 50 empresas mais inovadoras do mundo em 2012, a BUG/PROMIP, de Piracicaba (SP), vem se destacando no desenvolvimento do controle biológico de pragas em larga escala. Nascida nas incubadoras da ESALQ/USP, a empresa produz predadores naturais e parasitas, como ácaros e vespas.
Para combater as principais pragas das lavouras de soja e cana, por exemplo, é usada a vespa do gênero Trichogramma spp., que parasita ovos de mariposas e borboletas, impedindo o surgimento das lagartas que atacam as lavouras. A empresa também multiplica ácaros que se alimentam dos ovos e larvas das pragas que atacam, principalmente, hortas, pomares e flores.
O controle biológico desenvolvido pela BUG/PROMIP utiliza insetos predadores e/ou parasitas para combater outros insetos nocivos às plantações (pragas). Ao substituir os defensivos químicos, além de preservar a saúde do produtor — que deixa de lidar com produtos tóxicos — e o meio ambiente, evita a contaminação das lavouras, dos recursos hídricos e do consumidor final, que poderia ingerir um produto com algum resíduo de defensivo. Ideal, portanto, para os produtores de orgânicos. E é exatamente para essas lavouras que a empresa registrou o Neomip — ácaro predador Neoseiuluscalifornicus, recomendado para o controle natural do ácaro rajado em diversas culturas orgânicas.
O engenheiro agrônomo e doutor em entomologia Marcelo Poletti, um dos diretores da BUG/PROMIP, ressalta outra importante vantagem do controle biológico: a praga não fica resistente ao predador, como ocorre no caso dos inseticidas.
Quanto à eficiência, ele ressalta que é exatamente a mesma do controle químico. Já o custo do controle biológico é igual ao da aplicação de agrotóxicos na primeira utilização, mas, considerando todo o ciclo da cultura, a economia pode ser de 30 a 40%.
Multiplicação
Os organismos produzidos nas biofábricas da BUG/PROMIP são obtidos a partir de processo de multiplicação natural e possuem registro no Ministério da Agricultura, na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e no Ibama. Já estão sendo utilizados por pequenos, médios e grandes produtores em 500 mil hectares de plantações de cana-de-açúcar nos estados de São Paulo, Mato Grosso e Goiás, segundo estimativas da empresa.
O produto Tricobug (Trichogrammagalloi) é transportado em pequenas cartelas de papelão, que devem ser colocadas diretamente na lavoura, contendo de 50 mil a 100 mil ovos de vespas. Quando as vespas nascem, o controle das pragas ocorre naturalmente. Já o ácaro Neomip é levado em frasco plástico misturado a um material inerte para condicionamento, feito com casca de arroz e vermiculita, contendo de 500 a 2.000 predadores.
Marcelo Poletti também é diretor da Associação Brasileira de Controle Biológico (ABCBIO), entidade que já possui mais de 19 empresas associadas. A maioria delas, no entanto, trabalha com a produção de fungos e bactérias. Apesar de o controle biológico ainda representar apenas 1% do mercado de defensivos químicos, o método, que já está atraindo o interesse e investimento de grandes multinacionais, deverá ter um crescimento cada vez maior, proporcional ao conhecimento e conscientização de sua importância pelo produtor. “Muitos agricultores nunca imaginaram que os insetos poderiam ter essa função.