Consórcio Pesquisa Café desenvolve tecnologia que permite uso racional da água na cafeicultura
Segundo dados da Organização das Nações Unidas — ONU, 70% de toda a água disponível no mundo é consumida na agricultura. É um recurso natural indispensável para a manutenção das lavouras. Com a crescente alteração no ciclo hidrológico por conta do aproveitamento inadequado da captação da água da chuva, com a consequente distribuição irregular no meio agrícola, pode causar déficit hídrico no solo e comprometer a produção de alimentos. No Brasil, a despeito do grande volume de produção de alimentos, a atividade agrícola faz uso de pouco mais de 10% da área cultivada com irrigação.
Para o gerente de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Café, Antônio Guerra, é preciso saber interpretar esses números com cautela. “Não é correto dizer que 70% da água está sendo consumida pela agricultura. A irrigação demanda quantidades significativas de água, porém, quase toda ela é devolvida ao meio ambiente por meio da evaporação da água da superfície e, principalmente, da transpiração das plantas”.
O Brasil possui grandes quantidades de água concentradas tanto nos rios quanto em lençóis freáticos. “O País precisa de políticas públicas voltadas à reservação da água para aumentar a disponibilidade desse recurso para o setor agrícola e manter as vazões dos cursos d’água ao longo do ano”, completa.
Para o pesquisador da Embrapa Café, Anísio José Diniz, o uso excessivo e desordenado da água na agricultura pode culminar também com impactos nocivos ao meio ambiente. “Para reverter esse quadro, é preciso que os agricultores recebam a devida orientação quanto à utilização racional da água para cada tipo de cultura. No caso específico da cafeicultura, que ocupa em torno de 2,3 milhões hectares, o uso racional da água também se faz imprescindível”.
Soluções tecnológicas
Instituições integrantes do Consórcio Pesquisa Café, coordenado pela Embrapa Café, desenvolveram, pelo menos, duas tecnologias que, além de racionalizar o uso da água, permitem otimizar a produtividade e a qualidade do produto. Possibilitam, ainda, reduzir custos de produção, contribuindo para o aumento da renda dos cafeicultores e a manutenção da sustentabilidade da cultura de café no País. Uma dessas tecnologias é o SLAR-Sistema para Limpeza de Águas Residuárias, cujo assunto foi publicado na A Lavoura, edição 690/2012, especial sobre Sustentabilidade. Para ter acesso à esta edição, entre no site da SNA: www.sna.agr.br. A outra é o “Estresse hídrico controlado”.
Estresse hídrico controlado
A tecnologia contribui para a produção de café cereja descascado na região do Cerrado, onde a distribuição irregular de chuvas impõe a necessidade de irrigação para viabilizar o cultivo de café. O estresse hídrico controlado, que dispensa investimento inicial, revolucionou a prática tradicional da irrigação frequente e continuada, garantindo economia de água, aumento da produtividade (em torno de 15%), mais qualidade e menor custo para o produtor.
A técnica consiste em suspender a irrigação na estação seca do ano durante um período de 72 dias (sendo o período ideal entre 24 de junho e 4 de setembro) para sincronizar, uniformizar o desenvolvimento dos botões florais e, consequentemente, dos frutos, o que garante café de melhor qualidade. Esse processo tecnológico permite a obtenção de 85% a 95% de frutos cerejas no momento da colheita, maximizando a produção de cafés especiais, de maior valor agregado no mercado.
Em decorrência dessa uniformização, o número de passadas de colheitadeiras diminui, reduzindo a operação de máquinas (em torno de 40%). Além disso, a tecnologia garante a redução de grãos mal formados (em torno de 20%) e dos custos de produção com água e energia (em média de 35%). “Os cafeeiros submetidos ao estresse controlado não só crescem mais como também se apresentam em melhores condições para a safra seguinte. É o chamado crescimento compensatório, um estímulo ao crescimento após o reinício das irrigações”, explica Guerra.
O manejo adequado das aplicações da água de irrigação associado ao estresse hídrico controlado representa a melhor opção para evitar perdas de nutrientes por lixiviação e fornece condições propícias de umidade do solo, para que as raízes possam respirar adequadamente e atender à demanda hídrica e nutricional da planta.
Tecnologia adaptada às regiões produtoras de café
Cafeicultores da Bahia, Goiás e Minas Gerais que produzem em região de Cerrado utilizam a tecnologia de estresse hídrico controlado já com excelentes resultados na produção. Para potencializar os bons resultados, os cafeicultores adotam também a adubação fosfatada (Veja a matéria sobre o assunto na edição 702/2014 de A Lavoura).
Estima-se que cerca de 36 mil hectares de café desses Estados sejam cultivados com essas tecnologias.
A tecnologia do estresse hídrico controlado, já se consolidou como grande alternativa para a sustentabilidade da cafeicultura no Cerrado.
Carolina Costa, Flávia Bessa e Lucas Tadeu Ferreira – Embrapa Café
Inovação é marca do café baiano
A cafeicultura desenvolvida no Estado da Bahia apresenta atualmente um quadro tecnológico bastante diversificado, o que reflete diferentes condições ambientais, variadas formas de ocupação do seu espaço agrário e modalidades de organizações da atividade produtiva. O Estado, de acordo com a Conab, possui três regiões produtoras principais: Cerrado e Planalto (regiões que concentram café arábica) e Atlântica (especializada em conilon).
De acordo com a professora titular do Departamento de Fitotecnia e Zootecnia da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia-UESB, Sandra Elizabeth, doutora em Proteção de Plantas pela Universidade Estadual Paulista-UN ESP, os primeiros plantios de café arábica na Bahia datam dos primórdios do século XX, nos municípios do Vale do Jiquiriçá, Brejões e Santa Inês — que compõem o Planalto baiano e têm grande potencial para produção de cafés despolpados, suaves e aromáticos. A região caracteriza-se por uma cafeicultura de base familiar, poucos recursos hídricos e altitude entre 600m a 1380m.
Já a região Oeste ou Cerrado baiano é caracterizada por uma cafeicultura empresarial, totalmente irrigada e mecanizada, assemelhando-se aos cafés produzidos no Cerrado de Minas Gerais. Produz cafés naturais finos e despolpados, excelentes para serem usados em blends destinados ao expresso.
O Extremo Sul e o Sul do Estado, produzem um dos melhores cafés conilon do mundo e caracterizam-se por uma cafeicultura empresarial organizada. O município de Itabela é o maior produtor de conilon da Bahia, seguido de Teixeira de Freitas, Itamaraju, Alcobaça, Eunápolis, Camacan e Arataca.
A professora explica ainda que, no extremo Sul e Sul da Bahia, o conilon produzido tem diferentes destinos. Em Itabela e outros municípios, existem empresas e a Cooperativa Agrária dos Cafeicultores de São Gabriel – Coogabriel, de São Gabriel da Palha – ES, que atuam no comércio do conilon para os blends da indústria brasileira.
Já no Planalto e Oeste, o arábica despolpado tem como destino os EUA, Europa, Japão e Ásia. Os cafés naturais seguem para alguns países do Leste Europeu, bem como para a indústria de torrefação do Nordeste e demais regiões do Brasil.
Café do Papa
O café consumido no Vaticano é produzido na Chapada Diamantina – BA. Trata-se de um café 100% arábica, cereja descascado e orgânico, com pelo menos 85 pontos na escala da Sociedade Americana de Cafés Especiais – SCAA. A cada ano, são preparadas 30 sacas para o suprimento do Vaticano.
Segundo a professora Sandra Elizabeth, a qualidade desse café deve-se às tecnologias desenvolvidas no Brasil pelas instituições de pesquisa, ensino e extensão que atualmente fazem parte do Consórcio Pesquisa Café. Para ela, esse sucesso é consequência, também, da escolha da variedade cultivada, às boas práticas de manejo adotadas, em conformidade com as normas de cultivo orgânico e, principalmente, à iniciativa, vontade e busca incessante do conhecimento por parte dos gestores das fazendas Floresta e Aranquan, ambas agraciadas com um lindo cenário a 1100m de altitude.