A Tecnologia da Informação (TI) invade as lavouras brasileiras, aumentando a produção e reduzindo os custos
Entre folhas de soja, bits e bytes. E, antes que cheguem as máquinas, tablets e smartphones vão a campo colher, não os grãos, mas dados. Este é o cenário da nova agricultura, conhecida como “Agricultura 2.0”, em que a Tecnologia da Informação (TI) é o insumo principal de toda a cadeia da produção agrícola.
“Instrumentação avançada, agropecuária de precisão, bioinformática, data-mining, geotecnologias, modelagem, plataformas web de transferência tecnológica, entre outras Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs), são instrumentos e vertentes de inovação cada vez mais importantes na atuação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Em função da sua complexidade e rápida evolução, as diversas soluções de TICs exigem um planejamento estratégico e um modelo de governança definidos e alinhados aos objetivos da Empresa”, afirma Maurício Lopes, presidente da Embrapa.
Ele também destaca o conceito de Big Data, “essa possibilidade de gerar, medir, coletar e armazenar assombrosas quantidades de dados e informações, a partir de nossas avaliações e usá-los para fazer novas escolhas, já é uma realidade”, avalia Lopes. “A era das TICs e do Big Data chegou para ficar. E seu potencial é nada menos que revolucionário”, completa.
Agrosoftwares
Um exemplo é o AFSoft, software para análise foliar desenvolvido pela Embrapa, que possibilita analisar imagens digitais de folhas capturadas com a utilização de câmeras fotográficas digitais, scanners ou câmeras de vídeo. O técnico, munido de um destes aparelhos, vai até a plantação e coleta as imagens que serão analisadas individualmente pelo programa. Depois, por meio da identificação de regiões nas folhas, é possível medir as áreas infestadas por pragas ou lesionadas por doenças, áreas de buracos, entre outras.
Para cada cultura específica — como soja, milho, cana-de-açúcar, florestas — podem ser gerados padrões que possibilitam fazer, automaticamente, a análise da cultura. Esses bancos de padrões permitem a identificação e quantificação dos principais problemas que afetam tais culturas. Com base nestes dados, é feito um diagnóstico preciso da situação da cultura, permitindo a adoção de medidas corretivas.
O AFSoft é gratuito e várias atualizações estão sendo geradas, cabendo ao usuário apenas a responsabilidade de informar quais outros requisitos são necessários, para a equipe de desenvolvimento providenciá-los em novas versões. As imagens de folhas analisadas por este sofware, quando georreferenciadas, podem ser utilizadas para gerar mapas da cultura, facilitando a visualização da distribuição de doenças, áreas de maior incidência de ataques por insetos, além de outros aspectos.
Mercado aquecido
Estima-se que o mercado de softwares destinados ao gerenciamento da atividade agrícola no Brasil esteja em franco crescimento. Atualmente, são mais de 500 sistemas disponíveis e elaborados, em sua maioria, por empresas de pequeno porte, mas com boa distribuição no País. A informação é da pesquisadora do Departamento de Engenharia da Computação e Sistemas Digitais da Universidade de São Paulo (USP), engenheira Vanda Scartezini, em entrevista ao portal da SNA.
Pesquisas publicadas pela International Data Corporation (IDC), maior empresa norte americana de análise de mercado de softwares, e Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES), mostram que, de 2012 para 2013, houve um aumento da ordem de 47,3% do uso de softwares no agronegócio brasileiro.
As estatísticas apontam ainda que as empresas de médio, pequeno e micro portes somam 96% do universo de ofertantes de soluções de agrosoftware. Além disso, os programas existentes no Brasil não são voltadas exclusivamente para as grandes propriedades. Muitos sistemas são destinados à agricultura familiar ou às cooperativas que fazem uso destes softwares como serviço a seus associados.
“Soluções de TI, embora não substituam o conhecimento do negócio, permitem controles de grande impacto financeiro, como o consumo otimizado de fertilizantes para minimizar os custos decorrentes da alta dos preços do petróleo, ou exigências de rastreabilidade do gado, por exemplo, indispensável para acesso a determinados mercados”, explica Vanda Scartezini.
Fazendas movidas a tablets
O processo é simples: um técnico de inspeção de pragas sai a campo munido de um coletor de dados móvel, que mapeia seu trajeto na lavoura, a partir do sistema GPS. O equipamento permite apontar a ocorrência de pragas em campo. As informações colhidas são, a partir daí, apresentadas em tempo real para o agricultor por meio de interface online, mapas de calor, gráficos e fotos. São estas informações que permitem a visualização da situação dos talhões e a identificação da necessidade, ou não, de se aplicar defensivos.
“É um meio para um fim: ajudar o produtor a escolher a hora certa de aplicar o agroquímico. As pragas estão ficando mais agressivas, enquanto o que chamamos de ‘intervalo ótimo’, momento em que o defensivo é mais eficaz, está ficando cada vez mais curto. A ideia do nosso sistema é fazer com que o produtor nem aplique cedo demais com uma população de praga inexpressiva, jogando defensivo e dinheiro fora, nem muito tarde, quando a população de praga já está praticamente incontrolável”, afirma Luiz Tangari, sócio fundador e CEO da Strider, empresa que desenvolve TI para o agronegócio.
As informações colhidas permitem a visualização da situação dos talhões – Foto: Strider
Tendência
Segundo Tangari, a agricultura está ficando cada vez mais sofisticada em termos de tecnologia. “É um setor que está acostumado, historicamente, a consumir tecnologia, desde as colheitadeiras de alta precisão, até a formulação de transgênicos. A tecnologia faz parte do DNA da agricultura moderna. Mas o que percebemos é que não está habituada ainda a consumir tecnologia de informação”, destaca.
A meta da Strider é que sejam atendidos dois milhões de hectares até o fim da próxima safra. “Atualmente, atendemos seis cidades. Até o fim do ano, devemos saltar para vinte, intensificando a penetração no Centro-Oeste, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará e Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). Além disto, estamos começando a implantar o sistema nos EUA, com clientes em fase de teste”, informa Tangari.
Mais informação, menos agrotóxico
A Tecnologia da Informação, mais que qualquer ferramenta que torna a produção agrícola mais eficiente, também pode ser uma saída para evitar o uso irracional de agrotóxicos e defensivos agrícolas. Foi neste sentido que o engenheiro Tiarê Balbi, à frente da empresa de TI Olearys, desenvolveu a plataforma Hemisphere.
“Conseguimos alcançar 60% de redução na aplicação de agrotóxicos por pequenos produtores em Nova Friburgo, Rio de Janeiro, por exemplo”, conta Balbi. “A integração entre um hardware, estações meteorológicas que coletam informações climáticas, com um softwrare, permite que, diariamente, de 15 em 15 minutos, dados climáticos sejam registrados, armazenados, processados e, então, transformados em alertas enviados por mensagens de celular, diretamente para o produtor”, explica.
Microclimas
A atividade agrícola é extremamente dependente do clima, por isso a importância de se realizar um monitoramento climático para, então, tomar decisões mais assertivas. Balbi informa que as estações meteorológicas são colocadas em alguns pontos da lavoura.
“Cada estação possui quatro sensores: um sensor de molhamento; outro de umidade relativa do ar; um terceiro mede a temperatura; e outro a incidência de chuva. No fim do dia, temos 96 leituras de cada sensor, 400 dados por dia”, detalha.
Após coletar estes dados, é possível prever o que seria um ambiente favorável para determinadas pragas e doenças. Neste instante, um alerta é gerado e enviado para o produtor realizar a aplicação do defensivo na lavoura. O sistema já foi utilizado com sucesso em culturas de soja, batata, tomate, uva, trigo, eucalipto e maçã, combatendo a requeima, pinta preta, ferrugem asiática, botrytis, entre outras doenças.
O melhor momento
Balbi avalia que na agricultura, tradicionalmente, “100% das decisões de tratamento fitossanitário são pautadas em calendários fixos”. Segundo ele, “Esse hábito promove o excesso ou a falta de defensivos.
Com a implantação de um sistema de informação, como a plataforma Hemisphere, o produtor terá a racionalização e eficácia do tratamento na sua lavoura. Ela contribui ainda para a sustentabilidade ao reduzir a contaminação de água doce, por exemplo, e, também, para a redução de custos, ao restringir a mão de obra e trabalho desnecessários”.
Flores digitais
Localizada em Andradas, interior de Minas Gerais, a fazenda Lagoa Dourada, adotou um sistema de gestão que permite aos funcionários e proprietários rurais controlar toda a produção de qualquer lugar que estejam. Basta um toque na tela do tablet. A fazenda é a maior produtora do País da delicada alstroméria, uma flor muito utilizada para decoração de interiores.
Descendente de holandeses, Petrus Jacobus de Wit prosseguiu com a tradição da família no cultivo de flores e, há duas décadas, está à frente da fazenda Lagoa Dourada.
Há três anos, visando ao maior controle da qualidade da sua produção, abandonou as pranchetas com as quais seus funcionários colhiam, diariamente, informações da lavoura, e as substitui por tablets. Agora, um software, criado especialmente para a fazenda, o Sierplant, permite que os dados passem a ser registrados por técnicos agrícolas, munidos de um Ipad, e imediatamente enviados para um banco de dados.
Gestão estratégica
A partir daí, um engenheiro agrônomo realiza a leitura dessas informações e determina como proceder em relação às atividades da lavoura. “O sistema, criado na plataforma FileMaker, facilita o registro de dados de todas as atividades realizadas na propriedade, desde a adubação, tratos culturais, irrigação, ao controle de pragas. Assim, é possível calcular custos por área, metro quadrado, variedade e cultura”, explica Euder Ribeiro, responsável pelo desenvolvimento do Sierplant.
A produção 100% monitorada também oferece uma visão estratégica mais ampla do negócio. “Com um relatório mensal, conseguimos, de maneira rápida, calcular os custos, possibilitando a formação de preço do produto no mercado final. Isto permite estabelecer uma margem de lucro e reduzir possíveis prejuízos”, afirma o produtor rural Petrus de Wit. Ele conta que, hoje, 60% da produção, das 12 milhões de hastes ao ano, já saem vendidas da propriedade graças ao sistema de gestão.
Conectividade
Com 150 mil hectares de terras próprias, que produzem soja, milho e algodão, mais a compra de terceiros, a CGG trading, empresa brasileira de grãos e fibras, movimenta, anualmente, mais de dois milhões de toneladas de commodities agrícolas, da produção até a exportação. No meio do caminho, os desafios são muitos e, para vencê-los, a solução foi investir em um sistema de inteligência de gestão e controle de grãos.
“Com a ferramenta, conseguimos gerenciar toda a cadeia, desde a produção até a venda, passando pela confecção de contratos, gerenciamento de pré-financiamento, recebimento de produtos, transporte, armazenagem e exportação”, explica Sérgio Yokogawa, diretor administrativo de sistemas e processos da CGG.
Logística
O sistema, desenvolvido pela TOTVS, empresa líder no Brasil em desenvolvimento de TI para o agronegócio, é capaz de controlar o trânsito nas rodovias e gerenciar o pagamento de frete, quebra de veículos e sinistros e é completamente integrado a todos os dados e processos da organização, o ERP (Enterprise Resource Planning). Isto facilita o dia a dia dos colaboradores e agiliza na tomada de decisão.
“O software, que atende a todas as nossas demandas, possui uma ferramenta de controle de grãos integrada, que confere agilidade ao processo e contribui para uma gestão mais assertiva”, garante Yokogawa.
Novas gerações
Fábio Giradi, diretor da TOTVS no segmento de Agroindústria, afirma que, em geral, a receptividade das empresas rurais tem sido positiva, quando se fala em inserir na produção ferramentas de TI. “Há uma grande busca por atualização em distintos temas e em como a TI pode melhorar a margem e garantir maior controle na produção. Observamos isso, principalmente, em empresas de segunda geração, nas quais filhos e netos dos fundadores estão à frente da operação”.
Com relação à resistência na adoção de TI, Girardi vê um cenário otimista: “Há sinais de mudança também nas empresas mais conservadoras”. Ele cita o segmento sucroenergético como um dos que mais apostaram no uso de tecnologias da informação, entre os anos 1990 e 2000, assim como o segmento de papel e celulose.
Pequenos agricultores
Outro setor dentro da agropecuária brasileira, que também merece a atenção, são os pequenos produtores. A maioria deles ainda desconhece as oportunidades que as tecnologias da informação e da comunicação podem oferecer. Por isso, Maurício Lopes, presidente da Embrapa, lembra do papel de instituições como a que preside.
“Os pequenos agricultores brasileiros precisam, mais que nunca, ter acesso às informações, conhecimentos e inovações tecnológicas. E as instituições de fomento, pesquisa e extensão devem atuar de forma concentrada para desenvolvimento de soluções que viabilizem a elevação do desempenho e a inserção econômica dos pequenos agricultores, respeitando as diversidades regionais e culturais que marcam o nosso país continental”, comenta.
O presidente da Embrapa ainda ressalta a importância de o Brasil ter políticas públicas de apoio e suporte, como crédito e capacitação que, para ele, “estão entre os ingredientes críticos para que esses segmentos menos favorecidos possam acessar e utilizar inovações em tecnologia aplicada à agropecuária, inovações gerenciais para ganho de escala, eficiência e acesso a mercados.”
“Todos eles são componentes importantes para se viabilizar a inclusão do enorme contingente de pequenos produtores rurais brasileiros ao mercado.”