Perspectiva da utilização do consumo alimentar residual (CAR) para selecionar bovinos geneticamente superiores
A pecuária de corte é cada vez mais competitiva e diversos recursos têm sido aplicados para se conseguir reduzir a idade do abate dos bovinos. Produzir mais carne em menos tempo é a meta e visa ao aumento da rentabilidade da propriedade. Uma das alternativas é a seleção de animais mais eficientes, que pode ser realizada de diferentes maneiras, como por exemplo, avaliando a conversão alimentar do bovino (kg consumo: kg ganho). Entretanto, esta seleção teria como desvantagem escolher animais apenas por tamanho ou nível de alimentação. Selecionar por conversão alimentar privilegia bovinos de maior porte, cujo maior inconveniente seria o aumento no requerimento da energia necessária para que o bovino desempenhe suas atividades básicas, como andar ou pastejar. Isto é chamado tecnicamente de energia que o animal gasta para sua mantença, necessariamente fazendo com que o animal tivesse maior consumo de alimento, elevando o custo da produção de sua carne na fazenda.
Outra opção é trabalhar com animais geneticamente superiores, que respondam positivamente à alimentação, com potencial para ganhar peso comendo menos. Muitas vezes, percebe-se essa característica em alguns animais do mesmo grupo contemporâneo, com idades e pesos semelhantes: eles apresentam desempenhos diferenciados ao consumir a mesma quantidade de alimento.
Este conceito de seleção de animais mais eficientes foi inicialmente desenvolvido na década de 60 com retorno não muito promissor. Porém, nos últimos anos, tem sido dada grande ênfase a este tipo de seleção em países como Austrália, EUA, Canadá e Brasil. A seleção é feita através da técnica de avaliação do consumo alimentar residual (CAR). Diferentemente da conversão alimentar, o CAR é calculado como a diferença entre consumo real e a quantidade de alimento que um animal deveria comer baseado no seu peso vivo médio durante um determinado período, mostrando uma prova de ganho de peso. Sendo assim, animais mais eficientes têm CAR negativo, enquanto os menos eficientes têm CAR positivo.
O CAR é uma característica que apresenta variabilidade genética, passível de melhoramento por seleção e possui herdabilidade moderada. A herdabilidade mede o nível da correspondência entre o fenótipo e o valor genético de cada bovino, lembrando que o fenótipo é o conjunto de características observáveis como, por exemplo, o desenvolvimento ou a morfologia do animal.
No Estado do Rio de Janeiro, a Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF) tem desenvolvido pesquisas na identificação destes bovinos mais eficientes, com CAR negativo, sob o comando do professor Carlos Augusto de Alencar Fontes. Sua equipe de pesquisa recentemente fez um experimento com bovinos castrados mestiços ½ sangue Nelore X Red Angus, criados em piquetes de pastagens rotacionadas de capim-mombaça. Os animais foram divididos em grupos: uma vez ao dia, grupos específicos recebiam ração concentrada (contendo proteína e energia) em cocho individual, onde diariamente se calculava o consumo real de ração concentrada (ofertada a 0,6% do peso vivo de cada animal por dia). Ao término do período de experimento, todos os animais foram abatidos para uma avaliação detalhada sobre o rendimento das carcaças.
Efeito do CAR sobre a composição da carcaça
Muitos resultados de experimentos indicam que animais com CAR negativo tendem a apresentar espessura de gordura subcutânea adequada, não ocorrendo risco de terem uma carcaça com deficiência de cobertura externa de gordura, o que poderia desvalorizar o preço da carne no frigorífico. A falta de gordura leva ao encurtamento da carcaça durante o processo de refrigeração na câmara frigorífica. Mas, na prática, é observado que animais com CAR negativo tendem a ter carcaças mais magras e com menor marmoreio (gordura intramuscular). Este fato pode ser explicado porque o depósito de gordura na carcaça depende de maior aporte de energia, seja por maior ingestão de alimento ou de concentrado. A gordura lombar pode ser verificada com os bovinos vivos com auxílio de um aparelho de ultra-som. De qualquer forma, entende-se que a deposição da gordura na carcaça é menos eficiente do ponto de vista energético do que a deposição de proteína, que é objetivo da pesquisa. Porém, não existem estudos que comprovem alterações na maciez ou sabor da carne bovina após o animal ser classificado como mais ou menos eficiente – CAR negativo ou positivo.
Fatores que podem afetar o CAR
Para que se mantenham vivos a produção de calor ocorre naturalmente nos mamíferos, mas em animais com CAR negativo a produção de calor corporal é menor. Já nos bovinos com CAR positivo, foram observados maiores pesos de órgãos como fígado, pulmões, abomaso (coagulador) e intestinos, que podem consumir 50% dos custos da energia destinada apenas à manutenção do bovino, sem considerar o ganho de peso. Isso explica o menor ganho de peso, porque a energia que poderia ser destinada ao ganho é em parte gasta nas próprias vísceras. Contudo, a seleção de animais com CAR negativo não é feita de acordo com o tamanho das vísceras, e sim de forma indireta: normalmente quando se seleciona animais mais eficientes eles já apresentam o menor tamanho de órgãos.
Animais mais eficientes e a produção de metano
O alimento consumido pelos ruminantes, após a fermentação ruminal, gera o gás metano (CH4), poluidor atmosférico e causador de agravamento do efeito estufa. Esta emissão pode variar de 8 a 14% do consumo de energia digestível do alimento, atingindo uma média de 28 litros de metano por kg de matéria seca consumida pelo bovino. Porém, estudos em outros países têm mostrado que pode haver redução da emissão de gás metano quando se utiliza animais com CAR negativo para o mesmo ganho de peso.
Na UENF são desenvolvidos estudos sobre a emissão de gás metano por bovinos de corte com o auxílio de cangas especialmente fabricadas. O gás metano é coletado diretamente pela narina do animal, ficando armazenado na canga presa ao pescoço do bovino. Posteriormente, as cangas cheias são levadas ao laboratório e analisadas para verificar se animais mais eficientes (CAR negativo) realmente aproveitam melhor a energia dos alimentos, emitindo menos metano e poluindo menos o ambiente.
Retorno econômico e ambiental
Selecionar animais mais eficientes – aqueles que têm mesmo ganho de peso com menor consumo de alimento –, pode ser economicamente muito significativo, principalmente quando se considera a redução de 400gramas a 1kg de matéria seca do alimento por dia – referente a um animal em fase de terminação confinado. E, ao se avaliar pelo aspecto ambiental, ocorreria redução do uso de nutrientes e a menor produção de poluentes como esterco, chorume, gás metano, óxido nitroso, etc. por unidade de carne produzida. Por todos os aspectos apresentados, pode-se concluir como tendência futura a seleção de animais de produção mais eficientes, para que o produtor possa ter mais lucro e contribuir com a preservação do meio ambiente.