O uso dos resíduos produzidos direta e indiretamente pela avicultura, suinocultura e bovinocultura para a produção de fertilizantes organominerais pode eliminar imediatamente 50% do passivo ambiental gerado por estas atividades
Espera-se, que até 2020, com a ampliação da capacidade instalada para produção desse tipo de fertilizantes, o passivo ambiental da avicultura e da suinocultura possa ser minimizado em até 80%. Para tanto, é necessário o aumento da produção nacional de fertilizantes de base orgânica, principalmente devido ao maior consumo de fertilizantes organominerais, de 6,3 milhões de toneladas/ano para 12 milhões de t/ano até 2015, e para 20 milhões de t/ano até 2020. Esse acréscimo na produção de fertilizantes organominerais deve impactar diretamente a demanda externa por NPK no Brasil, podendo representar cerca de 15% do consumo total de nutrientes até 2015, e chegar a até 25% em 2020.
As atividades de suinocultura e de avicultura estão crescendo muito rapidamente no Brasil. Estes sistemas de produção geram grandes quantidades de resíduos orgânicos. Atualmente, no Brasil, são produzidos cerca de 7,8 milhões de toneladas de cama de aviário e 105 milhões de metros cúbicos de dejetos líquidos de suínos. A utilização destes resíduos como fonte de nutrientes para o cultivo de grãos e de pastagens é uma prática comum em várias regiões brasileiras. No entanto, o uso de resíduos animais in natura resulta em baixa eficiência de utilização dos nutrientes, perdas por lixiviação e volatilização, além de aumentar o risco de contaminação ambiental.
Após a transformação biológica dos resíduos animais e sua associação com fontes minerais, é possível produzir fertilizantes organominerais granulados com alto teor de fósforo solúvel, para uso em sistemas de produção extensiva de grãos como soja, milho etc. As características físicas e químicas do fertilizante organomineral granulado estão de acordo com a lei brasileira de fertilizantes. Resultados de campo indicam que a eficiência do uso do fósforo, proveniente dos fertilizantes organominerais, é semelhante à eficiência dos fertilizantes solúveis. Dependendo da região analisada, devido a alguns aspectos relacionados com a logística e distribuição, os fertilizantes organominerais granulados podem significar uma alternativa de baixo custo comparada com os fertilizantes minerais tradicionais.
Geração de resíduos nos sistemas de produção de suínos e aves no Brasil
O Brasil tem um rebanho atual de 5,8 bilhões de cabeças de frangos de corte e postura e 38,4 milhões de suínos, além de 190 milhões de cabeças de bovinos de corte, segundo dados do IBGE-SIDRA, ANUALPEC e da FAO. Esse rebanho gera, anualmente, cerca de 1,2 bilhão de toneladas de resíduos orgânicos primários na forma de fezes, urina e camas, além de outros resíduos de origem agroindustrial, como os resíduos de curtumes, farinha de ossos e sangue, e resíduos de abatedouro. Somente o rebanho industrial de suínos e aves brasileiro gera, anualmente, 105 milhões de m³ de dejetos líquidos de suínos e 8 milhões de toneladas de cama de aviário. Esses resíduos, somados, contêm cerca de 630.000 toneladas de N, 604.000 t de P2O5 e 553.000 t de K2O, o que representam, aproximadamente, 22,5%, 16,3% e 13,2% do consumo anual de N, P e K, respectivamente, pela agricultura brasileira.
Considerando a manutenção da taxa histórica de aumento de rebanho entre 2004 a 2009, de acordo com dados do IBGE, estima-se que o rebanho de suínos e aves praticamente deverá duplicar até 2020, ou seja, chegará a 10 bilhões de cabeças de aves e 59 milhões de cabeças de suínos. Desta forma, a geração de dejetos de suínos e cama de aviário deverá crescer na mesma proporção, aumentando o passivo ambiental resultante da destinação desses resíduos na agricultura. Por isso, aumentará bastante a importância estratégica do desenvolvimento de tecnologias que permitam o reaproveitamento desses resíduos como insumo.
Produção concentrada
A produção de suínos e aves no Brasil está concentrada no eixo Sul-Sudeste, principalmente devido à presença de um complexo agroindustrial para o beneficiamento do produto e pela oferta de grãos e demais componentes da ração. Na última década, entretanto, houve deslocamento dos sistemas de produção de suínos e aves para o Centro Oeste. Esse deslocamento ocorreu em virtude da menor pressão ambiental nessas áreas, menores preços dos componentes da ração e maior facilidade na disposição dos resíduos.
Atualmente, o principal destino dos resíduos de suínos e aves no Brasil é o uso agrícola na forma original in natura, sem transformações. Em geral, o que se observa é o uso sem critérios técnicos que permitam o aproveitamento eficiente dos nutrientes, resultando em grandes perdas, sobretudo do nitrogênio. Além da perda de nutrientes, o uso agrícola de resíduos, sem critérios técnicos, pode resultar em emissão significativa de gases de efeito estufa, principalmente o óxido nitroso. O uso de resíduos de aves na alimentação animal foi proibido pela legislação brasileira desde 2001, o que aumentou a necessidade de se buscar alternativas para a disposição segura desses resíduos no solo.
Estudos ambientais mostram que em alguns estados, como Santa Catarina, o aumento do rebanho poderá ser inviabilizado por limitações no tratamento desses resíduos em atendimento a legislação vigente, sobretudo após a publicação da Resolução CONAMA 357 de 17 de março de 2005. Esse cenário indica que alternativas para a destinação dos resíduos que não impactem negativamente o ambiente são primordiais.
Mercado de fertilizantes organominerais no Brasil
O mercado de fertilizantes organominerais cresceu a uma taxa média de 10% ao ano na última década no Brasil, mas, de 2010 para 2011, a expansão desse mercado chegou a 20%. Estima-se que em 2011 foram produzidas e comercializadas cerca de 5 milhões de toneladas de fertilizantes organominerais, a partir de matérias-primas como estercos, turfa, resíduos da indústria sucroalcooleira, farinhas de ossos e sangue, tortas diversas, e resíduos agroindustriais. O equivalente a 10% do consumo de NPK mineral no Brasil. A maior parte desta produção é comercializada na forma de farelo ou em pó, e o consumo é concentrado praticamente nos setores da olericultura, fruticultura, culturas perenes e floricultura. Adicionalmente, estima-se que, no mesmo período, houve um consumo não comercial de 2,8 milhões de toneladas de fertilizantes organominerais, por meio da produção para o próprio consumo do setor sucroalcooleiro, utilizando-se torta de filtro, cinzas, vinhaça e outros resíduos das usinas associados a fontes minerais de nutrientes.
De todo o volume de fertilizante de base orgânica (orgânico e organomineral) produzido no país, apenas uma pequena parte é destinada a grãos e fibras. A pouca utilização por esse segmento pode ser atribuída à baixa concentração de nutrientes e às características físicas do produto, uma vez que a maior parte de fertilizantes organominerais é comercializada na forma de farelo ou pó. A produção de fertilizantes organominerais na forma granulada, apropriados para misturas com fertilizantes granulados convencionais, representa o principal desafio tecnológico para ampliação do uso desses fertilizantes no Brasil. Vale ressaltar que culturas com soja e milho, nas quais os fertilizantes são quase que totalmente aplicados na forma granulada, representam mais da metade de todo o consumo de fertilizantes minerais no Brasil, representando um mercado de cerca de 12 milhões de toneladas de fertilizantes, segundo dados da Associação Nacional para a Difusão de Adubos (ANDA).
Compostagem de resíduos de suínos e aves
Diversos processos podem ser utilizados para a transformação dos resíduos de suínos e aves e sua adequação para uso como fertilizante. Basicamente o que se propõe é o tratamento biológico desse material e seu enriquecimento com fontes minerais para posterior granulação.
O tratamento biológico mais comum, de fácil operacionalização e mais amplamente utilizado, é a compostagem. Para que se obtenha um material adequado para a compostagem, é necessário que se adicione aos resíduos de suínos e aves – que são ricos em nitrogênio – algum material lignocelulósico de elevada relação Carbono/Nitrigênio. Na região do Cerrado brasileiro, local de expansão da produção de suínos e aves, estão disponíveis alguns materiais lignocelulósicos, tais como bagaço de cana e palhada de gramíneas, resíduos da indústria sucroalcooleira e da produção de sementes, respectivamente, garantindo o suprimento desses materiais para a compostagem.
Existe ainda a possibilidade de utilização dos resíduos de suínos e aves sem transformação biológica, apenas por meio de processos físicos, para secagem e redução do tamanho de partícula. A expansão desse tipo de processo é favorecida pelo desenvolvimento de novos equipamentos, que secam e trituram o resíduo, a um custo energético economicamente viável.A vantagem desse processo é o curto tempo entre a chegada do resíduo e a obtenção do fertilizante, dispensando a necessidade de grandes áreas para processamento.
Tanto no processo de compostagem quanto no processo de tratamento físico dos resíduos, é necessária a adição de fontes concentradas de nutrientes para se obter um fertilizante organomineral compatível com a legislação brasileira. Os fertilizantes fosfatados dominam o setor de fertilizantes organominerais no Brasil, em parte devido a grande demanda por fósforo nos solos tropicais, e em parte devido a aspectos econômicos.
A principal fonte de fósforo utilizada para a formulação de adubos NPK no Brasil é o superfosfato simples. O preço do fósforo nesse fertilizante é normalmente superior ao preço do fósforo em produtos de maior concentração, como no monoamônio fosfato (MAP) e no ácido fosfórico. Logo, a utilização de fontes concentradas na produção de fertilizantes organominerais fosfatados pode resultar em produtos em que o preço do fósforo é compatível com o preço desse elemento via superfosfato simples.
Biossolubilização de rochas fosfáticas
Outra rota de produção de fertilizantes organominerais fosfatados, que se mostra estrategicamente interessante para as condições brasileiras, é a da biossolubilização de rochas fosfáticas pela ação microbiana. Nesse processo, grandes quantidades de matéria orgânica são misturadas a rochas fosfáticas finamente moídas. A mistura é inoculada com microrganismos selecionados. Esses microrganismos utilizam a matéria orgânica como fonte de energia e produzem ácidos orgânicos que solubilizam parcialmente a rocha fosfática em processos industriais. Após um período de solubilização, o material é homogeneizado e granulado. Essa rota abre a perspectiva de uso de fontes de fosfato, normalmente negligenciadas pela indústria tradicional de fertilizantes. Como produto final, é obtido o fertilizante organomineral fosfatado, no qual o fósforo encontra-se parcialmente solubilizado. Esse fertilizante apresenta alto efeito residual e pode apresentar eficiência agronômica compatível com as fontes fosfatadas solúveis em sistemas tropicais de produção de grãos, em especial em áreas de plantio direto com rotação de culturas.
Independentemente da rota tecnológica utilizada para a formulação dos fertilizantes organominerais, após os tratamentos descritos, os fertilizantes devem ser submetidos ao processo de granulação, secagem e padronização. Os procedimentos utilizados pela indústria brasileira são os mesmos utilizados para fertilizantes minerais, mas, normalmente, em menor escala. As indústrias de fertilizantes organominerais em operação no Brasil têm capacidade de produção entre 10.000 e 50.000 toneladas anuais, podendo ser consideradas médias empresas. Existem também pequenas empresas com produção anual inferior a 10.000 toneladas, direcionadas a alguns nichos específicos de mercado como olerícolas e fruticultura.
Organominerais x Minerais
A primeira grande vantagem relativa dos fertilizantes organominerais, em relação aos fertilizantes minerais, é o fato de utilizarem, como matéria-prima, resíduos que são passivos ambientais de outros sistemas de produção. A atual política nacional de resíduos sólidos, enfatiza a importância do reaproveitamento e agregação de valor aos resíduos sólidos. Outro ponto favorável ao setor de fertilizantes organominerais é a proximidade entre o ponto de produção de resíduos de suínos e aves e as propriedades de produção de grãos. A proximidade favorece o estabelecimento de empresas regionais de produção de fertilizantes organominerais, resultando em ganho na logística.
Diferentemente do sistema de produção de fertilizantes minerais, que exige grandes investimentos e instalações de grande porte, o setor de fertilizantes organominerais se enquadra a arranjos produtivos locais, associados a outros sistemas de produção, podendo ser uma alternativa para empresas de pequeno e médio porte. Esse modelo industrial, normalmente, gera mais empregos diretos que as grandes indústrias de fertilizantes. Nesse sentido, o Ministério da Agricultura está preparando o Plano Nacional de Fertilizantes, no qual são sugeridas medidas de incentivo às pequenas e médias empresas regionais para a produção de fertilizantes organominerais.
Ganhos ambientais
Em relação às vantagens comparativas do fertilizante organomineral, em relação ao uso de resíduos in natura, observa-se uma redução significativa das perdas de nitrogênio pelo uso de fertilizante organomineral em relação à aplicação superficial de resíduos de suínos e aves. Basicamente, porque o enterrio, ou a injeção do resíduo no sulco de plantio, reduz a volatilização de amônia. Nessa mesma lógica, o uso de fertilizantes organominerais, reduz as emissões de gases de efeito estufa, representando ganhos ambientais em relação ao uso dos resíduos in natura.
Comparação
Comparativamente aos fertilizantes minerais, ainda faltam experimentos de campo de longa duração que permitam avaliar, com maior precisão, a eficiência relativa desse tipo de fertilizante. Os principais benefícios esperados são em relação à eficiência no fornecimento de fósforo (P). Teoricamente espera-se maior eficiência em relação ao fornecimento de fósforo em função da presença de grande quantidade de ânions orgânicos nos grânulos de fertilizantes organominerais. Estes ânions orgânicos competem pelos sítios de adsorção de P, abundantes em solos tropicais, reduzindo momentaneamente a fixação desse nutriente, favorecendo a absorção pelas plantas. Espera-se, ainda, aumento da atividade microbiana no entorno da área de aplicação do fertilizante organomineral, devido ao fornecimento de energia pela matéria orgânica contida no fertilizante para os microrganismos. Efeitos adicionais sobre o crescimento de raízes, promovidos por compostos orgânicos presentes no fertilizante organomineral, podem ocorrer. Essa linha de pesquisa merece especial atenção por parte dos órgãos de pesquisa.
Perspectivas futuras e impactos com a expansão do uso dessa tecnologia
Quanto aos impactos socioeconômicos, espera-se que a produção de fertilizantes organominerais promova a diversificação e a desconcentração econômica da produção de fertilizantes no país, incentivando as pequenas e médias empresas. Devido às limitações de escala de produção, o mercado de fertilizantes organominerais explora nichos de mercado diversificados, não competindo diretamente com a indústria tradicional de fertilizantes minerais.
Com o fortalecimento desses segmentos, surgirão novos empregos, de forma direta, nas plantas de produção; e indireta, na coleta da matéria-prima e na distribuição dos produtos. A produção regionalizada de fertilizantes pode promover ganhos de logística e permitir o desenvolvimento de fertilizantes específicos para os sistemas produtivos locais, respeitando diferenças de solo, clima e cultivos, o que proporcionará o aumento na eficiência do uso desses fertilizantes. Embora o fortalecimento do setor de fertilizantes organominerais não seja uma ação que reverta a dependência externa brasileira por fertilizantes e nem impacte diretamente na formação de preços de fertilizantes, os fatores ambientais, sociais e econômicos relacionados a essa atividade, justificam plenamente a adoção de medidas estratégicas que estimulem esse setor.
Vinicius de Melo Benites – Pesquisador da Embrapa Solos (Rio de Janeiro); Juliano Corulli Correa – Pesquisador da Embrapa Suínos e Aves (Concórdia/SC); June Faria Scherrer Menezes – Professora da Universidade de Rio Verde – Fesurv (Rio Verde/ GO); José Carlos Polidoro – Pesquisador da Embrapa Solos (Rio de Janeiro)