Abelhas têm papel estratégico na conservação da biodiversidade
Os polinizadores têm um papel crucial na conservação da biodiversidade. Quase 90% das plantas com flores são dependentes de animais para a transferência de grãos de pólen em quantidade suficiente para a fertilização dos óvulos e a consequente formação de frutos e sementes, permitindo sua multiplicação. A maioria das pessoas pensa nas abelhas como insetos exclusivos da polinização, contudo, existem muitos outros que fazem parte desta cadeia, a exemplo de pássaros, morcegos, besouros, borboletas e mariposas.
Das 115 culturas agrícolas que lideram a produção global, 70% se beneficiam da ação destes polinizadores, o que representa 35% do suprimento alimentar para a população humana. O benefício é refletido na produção de frutos maiores, mais pesados e vistosos, com maior número de sementes, maior teor de nutrientes e valor de mercado mais elevado, o que se traduz em lucro direto para o agricultor.
No Brasil, cerca de 60% das culturas agrícolas de importância econômica — para alimentação humana, vestuário, pecuária, biocombustível — dependem, em algum grau, de polinizadores, que contribuem com quase 30% do valor anual da produção agrícola nacional.
Por sua relevância, vale se concentrar nas abelhas que são elementos e elos importantes nas cadeias produtivas e reprodutivas mundiais. Formam um grupo numeroso de insetos, com cerca de 20 mil espécies descritas no mundo. O alto número de abelhas também reflete na diversidade de tamanhos, cores, preferências florais e locais para fazerem seus ninhos.
Ao contrário do que muitos pensam, a maior parte das abelhas é solitária. Isto significa que uma fêmea faz todas as tarefas: procura um local apropriado para fazer seu ninho, defendendo-o, busca material para construir as células de cria, coleta alimento para sua cria e, por fim, põe seus ovos no ninho.
Sociedades avançadas
Entre as abelhas com sociedades avançadas, aquelas que formam colmeias, estão as conhecidas melíferas (abelha africanizada, africana, europeia) e as sem ferrão.
Elas produzem o mel, a própolis, a cera, e também atuam diretamente na polinização de plantas, sejam elas de ambientes naturais ou de interesse agrícola (frutas, legumes, fibras, castanhas). Enfim, prestam um importante serviço, cujo valor econômico é desconhecido para a grande maioria das pessoas.
No Brasil, são mais de 1.830 espécies identificadas, mas, com certeza, existe na natureza um número muito superior a este, distribuído nas florestas, pantanal, cerrados, caatinga, pampa etc.
Possuem diferentes tamanhos, cores e formas de organização — solitárias e sociais. Entre as abelhas sem ferrão (apenas no Brasil, são 240 espécies conhecidas), as mais comuns são a jataí, a uruçu, a mandaçaia.
A mais conhecida, entretanto, ainda é a Apis melífera (abelha africanizada), muito utilizada para a produção demel, própolis, geleia real e para polinização dirigida. Ela nãoé nativa do Brasil. É um híbrido das subespécies européias (A. mellifera carnica, A. mellifera ligustica), introduzidas pelos jesuítas no século 19, com a subespécie africana (A. melífera scutellata), que entrou no país em 1956, com a finalidade de alavancar a apicultura nacional.
Redução da população
A diminuição das populações de abelhas, assim como de muitas outras espécies de animais, tem sido registrada e causado preocupação pública crescente. Várias discussões estão sendo divulgadas e muitos cientistas estão se dedicando a este assunto, apontando os principais fatores:
- A alteração da paisagem: fragmentação, degradação ambiental, perda de áreas naturais;
- A intensificação agrícola: extensas monoculturas, uso abusivo de agrotóxicos e de fertilizantes inorgânicos, redução de margens com flores nas plantações;
- A disseminação e a transmissão de parasitas e doenças, que podem ocorrer dentro da mesma espécie e, ainda mais preocupante, entre espécies diferentes;
- As mudanças climáticas causam incompatibilidades espaciais e temporais entre as abelhas e as plantas que fornecem seu alimento;
- A introdução de espécies em ambientes onde elas não ocorriam antes.
Ações amigáveis
Assim, muitos estudos apontam não se tratar de um evento único, mas de uma interação entre eles. Ao conhecer os impactos ambientais e econômicos da redução das abelhas, medidas de mitigação devem ser implantadas e estimuladas, a fim de garantir serviços de polinização sustentável em um planeta que está em constante e acelerada mudança.
Estas medidas precisam ser realizadas por toda a sociedade: cidadãos, produtores rurais, criadores de abelhas, cientistas, professores e políticos. São medidas simples, que tanto podem ser utilizadas no campo como nas cidades. Ações como plantar flores e árvores nos jardins e praças do bairro e fazer a manutenção destes espaços urbanos são essenciais para fornecer continuamente alimentos para as abelhas.
Na área rural, um conjunto de ações é essencial para a conservação delas e de outros polinizadores promovendo melhorias nos serviços ecossistêmicos.
São elas:
- Conhecer e identificar as abelhas nativas e os locais que elas habitam nas propriedades rurais, como troncos, solos, barrancos, orifícios abandonados por outros insetos;
- Manter áreas naturais que abriguem o máximo possível uma diversidade de espécies de plantas, fornecendo uma variedade de alimentos aos insetos, e próximas às áreas de cultivos;
- Recuperar a vegetação nativa, utilizando plantas que atraiam e mantenham os polinizadores e criando mosaicos/áreas de refúgio;
- Cultivar plantas atrativas aos polinizadores próximas às lavouras e nos jardins. Plantas estas que irão fornecer e enriquecer a oferta de alimentos às abelhas;
- Colocar e manejar os ninhos de abelhas perto das áreas de culturas que necessitam de polinização, melhorando a qualidade e rendimento da lavoura;
- Não aplicar defensivos agrícolas nos horários de visitas das abelhas aos cultivos. Para tanto, é importante conhecer o processo da polinização;
- Adotar práticas agrícolas amigáveis aos polinizadores, como minimizar o uso de inseticidas; adotar sistema de manejo de solo que diminuam seu revolvimento, como plantio direto; aumentar a oferta de alimentos aos polinizadores por meio do cultivo de plantas atrativas próximas às culturas; e, principalmente, promover o diálogo contínuo entre os criadores de abelhas (apicultores e meliponicultores) e agricultores, em busca de práticas sustentáveis e de respeito à produção.
Os estudos e pesquisas sobre as abelhas e outros polinizadores não estão concluídos. Ainda há muito para se conhecer, mas todas as propostas indicadas acima visam melhorar e promover a conservação da biodiversidade dos polinizadores e os serviços ecossistêmicos associados que, além da polinização, incluem a ciclagem de nutrientes, a qualidade dos corpos d’água, a formação de solos, a decomposição de matéria orgânica, o controle biológico de pragas e a resistência a doenças e patógenos. Muitas delas são ações que demoram a apresentar resultados e dependem da paisagem local, da variedade de culturas e de mudanças nas práticas agrícolas. No entanto, são essenciais para a manutenção dos polinizadores e produção de alimentos e da diversidade vegetal.
Ana Lucia Assad – Economista. Doutora em Política Científica e Tecnológica pela UNICAMP. DiretoraExecutiva da Associação Brasileira de Estudos das Abelhas – A.B.E.L.H.A. – www.abelha.org.br
Denise de Araújo Alves – Bióloga. Doutora em Ecologia pelo Instituto de Biociência da Universidade deSão Paulo. Pós-doutora da Universidade de São Paulo
Cera de abelha: um novo negócio para o pequeno produtor
Com demanda elevada nos períodos de entressafra, este produto também é considerado uma excelente matéria prima, mostra relatório do SIS/Sebrae
Quem disse que só de mel vive o apicultor? Outros subprodutos fornecidos na criação de abelhas podem trazer lucros, a exemplo da cera. Boa oportunidade de renda no período da entressafra do mel, ela pode ser usada como matéria-prima na fabricação de artigos biodegradáveis,um bom nicho de mercado que atende àqueles consumidores mais conscientes. Esta alternativa consta no relatório do Sistema de Inteligência Setorial (SIS) do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
O documento aponta as características técnicas, processos de extração e produtos obtidos a partir da cera de abelha. Além de ser utilizada como insumo na apicultura, serve para as indústrias de cosméticos, farmacêuticas e odontológicas (cera branqueada), além de ser aproveitada também em mobiliários, tintas e artigos de couro. O relatório indica que as abelhas precisam produzir seis quilos de mel para chegar a um quilo de cera.
A extração deste subproduto, mostra o SIS/Sebrae, é um processo de suma importância, porque influencia diretamente na qualidade do produto final. Para tanto alerta que, durante este procedimento, é necessário evitar contaminações e desperdícios.
Entre as várias técnicas de extração e purificação da cera estão:
- Processo do saco: É o mais simples e antigo. Consiste em colocar a cera dos favos em sacos de pano mergulhados em água para filtrar as impurezas. Apesar disto, apresenta rendimento baixo e qualidade inferior da cera;
- Derretedor ou purificador solar: Nesta técnica, a cera é armazenada em um derretedor exposto ao sol, que aproveita ao máximo a luminosidade. O método purifica pouca quantidade por dia, mas resulta em uma cera de qualidade, a partir de energia limpa e renovável;
- Derretedor ou purificador a vapor: Um recipiente com parede dupla, com água entre as duas superfícies, gera um vapor que derrete a cera dos favos. Este rápido processo permite derreter os favos mais velhos, mas demanda cuidado constante com o nível da água.
Destaques
De acordo com o SIS/Sebrae, algumas empresas já se destacam no desenvolvimento de produtos com uso da cera de abelha:
- Go Green (Brasil): Desenvolveu a primeira parafina brasileira 100% ecológica e 100% biodegradável. Sua base é feita com cera de abelha misturada com outros produtos do reino vegetal, que resulta em um produto de alta performance e durabilidade.
- Tomorrow Machine(Suécia): Designers que participavam de um desafio proposto por este estúdio apresentaram uma embalagem de alimento feita com cera de abelha prensada, com uma espessura tão fina que pode ser descascada.
Recomendações
Para os apicultores que se interessaram nas técnicas para extração da cera de abelha e nas oportunidades de mercado para este produto, o SIS/Sebrae recomenda:
- Verificar as diferentes técnicas de extração e purificação existentes no mercado,para avaliar qual delas é melhor para seu negócio.
- Utilizando como próprio insumo, a cera extraída pode ser vendida para outros apicultores, para empresas de segmentos distintos ou ainda para produzir diferentes tipos de produtos com a matéria-prima extraída.
- Ficar atento às normas do setor, especialmente na Portaria nº 6, de 25/07/1985, que se refere às Normas Higiênico-Sanitárias e Tecnológicas(http://ow.ly/TPl8x); e a Instrução Normativa nº 3, de 19/01/2001, pertinente aos regulamentos técnicos de identidade e qualidade (http://ow.ly/TPlbw);
- Identificar empresas ou produtos do mercado que utilizam ceras sintéticas na composição e que podem ser substituídas por cera de abelha, a fim de encontrar novas oportunidades.
- Os EUA e a União Europeia costumam importar cera de abelha, além do mel. Informar sobre as exigências para a exportação deste produto (veja no site do Ministério da Agricultura em http://ow.ly/TPlcT).
- Conhecer também o projeto Brazil Let’s Bee (http://ow.ly/TPlgD), uma parceria da Associação Brasileira dos Exportadores de Mel (Abemel) com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) para a abertura comercial junto a outros países.