Infectada, a suinocultura dos EUA deixa de atender uma demanda que poderá ser suprida pela produção brasileira
A diarreia epidêmica suína, conhecida pela sigla em inglês PED, é uma doença altamente contagiosa que atinge somente os animais e vem dizimando leitões nos Estados Unidos. Causada pelo vírus Coronaviridae (PEDv), a enfermidade não oferece perigo ao consumidor nem interfere na segurança biológica da carne suína, mas pode impor grandes prejuízos aos produtores. O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) estima que a produção daquele país sofrerá uma redução de até 14% na oferta de carne suína de 2014 por causa da PED.
A doença ainda não foi detectada dentro das fronteiras brasileiras, mas já há registros de casos nos vizinhos Peru e Colômbia. “Como temos um nível de biossegurança no campo menor que o dos Estados Unidos, onde a PED já fez grandes estragos, acredito que não podemos de forma alguma pagar para ver”, alertou a especialista Janice Ciacci Zanella, pesquisadora da Embrapa Suínos e Aves.
Oportunidades
Manter-se livre da doença também poderá significar uma ótima oportunidade de negócio para o Brasil. Com a contaminação das fazendas norte-americanas, abre-se uma demanda de mercado que poderá ser abastecida pela suinocultura brasileira. Líderes mundiais na exportação de carne suína, os Estados Unidos venderam 2,2 milhões de toneladas do produto em 2013.
“O Brasil, como protagonista nas exportações de proteína animal, vislumbra, no episódio, a oportunidade de mostrar ao mundo que seu plantel é sadio e que as empresas do setor de suínos têm credenciais para continuar atendendo aos consumidores globais”, acredita o presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) e ex-ministro da Agricultura, Francisco Turra. Só que para manter o vírus longe de suas granjas, o País terá de se preparar.
Controle de animais
Em nota oficial distribuída no início de maio, a ABPA defendeu um reforço nos mecanismos de defesa sanitária do País e cobrou também uma medida preventiva do Brasil em relação aos Estados Unidos. “Alertamos o Ministério da Agricultura sobre a necessidade de adoção de medidas de proibição temporária à entrada de suínos vivos, material genético, plasma suíno e bovino, entre outros, provenientes dos EUA”, informou Turra.
O pedido tem relação com uma das suspeitas principais sobre a disseminação do vírus da diarreia epidêmica. Pesquisadores norte-americanos acreditam que ele entrou no país por meio de plasma contaminado. O plasma é misturado à ração desde o início dos anos 90 e tem o objetivo de fornecer anticorpos para suínos mais jovens. Até agora, os testes feitos em fábricas de plasma nos Estados Unidos e Canadá não chegaram a conclusões definitivas.
Disseminação pelo mundo
O mais provável, segundo o pesquisador Nelson Morés, também da Embrapa Suínos e Aves, é que a epidemia de diarreia, que já atinge 29 dos 50 estados norte-americanos, tenha sido causada por uma conjugação de fatores. A doença foi identificada em 1971, na Inglaterra. Em 1982, tornou-se endêmica em vários países da Ásia. Uma variante do vírus, mais agressiva, surgiu na China, em 2010. Essa mesma variante apareceu nos Estados Unidos em abril de 2013 e se alastrou rapidamente. “Certamente existem fatores ligados a falhas de biossegurança para explicar essa disseminação”, afirmou o pesquisador.
A diarreia epidêmica dos suínos provoca mortalidade de praticamente 100% dos leitões recém-nascidos nas granjas infectadas. Menos de 24 horas após a contaminação, o vômito e a diarreia acentuadas provocam a morte por desidratação.
Em entrevista a um veículo de imprensa brasileiro, o gerente-geral da produtora de suínos Hitch, Mike Brendherm, de Oklahoma, Estados Unidos, afirmou que a PED foi a doença mais difícil já enfrentada pela empresa. No final de 2013, a Hitch perdeu 30 mil leitões em 45 dias e, mesmo após medidas drásticas de prevenção sanitária, continua registrando de 500 a 600 mortes de leitões por semana.
A origem da doença
Conforme indicam estudos genéticos das cepas do vírus coletadas pelo mundo, o mais provável é que a China seja a origem do problema. Outra característica encontrada é a facilidade de disseminação do vírus. Já há registros da forma grave da doença em países como o Canadá, México, Peru, Colômbia, Japão, República Dominicana, Coreia do Sul, Filipinas, China e Tailândia.
Segundo a pesquisadora Janice Zanella, a viabilidade do vírus é grande e ele sobrevive vários dias em superfícies como maçanetas de portas, lataria de carros e caminhões e sola de calçados. Há ainda uma grande concentração de vírus nas fezes dos animais doentes, superior à capacidade de limpeza dos desinfetantes.
Melhor remédio é prevenção
Manter o plantel de suínos protegido, colocando em prática medidas para garantir a saúde dos animais, é a alternativa mais eficiente para impedir que a PED se instale no País. “Como não há vacina disponível para a doença, a proteção do rebanho precisa estar focada em ações de biossegurança e prevenção. Higiene, limpeza das instalações e controle na circulação de pessoas e veículos são ações básicas para minimizar o risco da doença”, enfatizou a pesquisadora Janice Zanella.
Essa prática, de acordo com a pesquisadora, deve ser constante, não somente em momentos de surto. “Boa biossegurança deve ser realizada o tempo todo para garantir a proteção da suinocultura, da economia, da indústria e da sociedade brasileira”. Além disso, cada granja deve estabelecer seus próprios procedimentos, identificando os principais pontos de risco, nos quais o cuidado deve ser ainda maior.
Fatores de risco
Conhecer e estar atento aos fatores de risco é outra recomendação dos especialistas da Embrapa. Um deles é conhecer a origem dos suínos. É importante adquirir animais de fontes certificadas e isolar os animais de reposição recém-chegados. O elevado fluxo de automóveis e caminhões na granja, bem como o de pessoas nas instalações, também favorece o contágio.
Nesses casos, a medida deve ser a desinfecção dos veículos com acesso à granja e a troca de roupa e calçados das pessoas que frequentam as instalações. É recomendável, ainda, que as visitas sejam restritas, além de obedecer ao vazio sanitário mínimo de 24 horas. Os animais mortos devem ser levados para composteiras.
Estão também na lista de fatores de risco para a contaminação da PED: origem dos animais, insumos e equipamentos importados contaminados; vetores como pássaros, morcegos e roedores; e proximidade das granjas em regiões de alta densidade de criação.
Agilidade nos procedimentos
Caso muitos leitões morram logo após o parto com sintomas de diarreia, é recomendada a interdição imediata da granja suspeita e a comunicação aos órgãos oficiais de controle sanitário. É também importante que se identifiquem as rotas e vias de transmissão e se estabeleça o controle de tráfego de veículos e pessoas em granjas positivas.
“Todos os procedimentos exigem agilidade de execução para que não ocorra mais disseminação e contaminação e ajudam a descobrir como a contaminação ocorreu”, comentou Janice. Verificar o registro dos suínos das granjas positivas e controlar o destino de animais mortos também estão entre as medidas estabelecidas. Os produtores, por sua vez, devem procurar assistência veterinária assim que suspeitarem da doença.
Desafios
A PED exigirá do Brasil a superação de alguns desafios, como o desenvolvimento de protocolos seguros de importação de suínos e a validação de métodos sorológicos comerciais de baixo custo. O País também terá de conhecer e determinar as possíveis vias de entrada do vírus, além de apontar os riscos de contaminação a que a suinocultura está exposta.
Para a pesquisadora da Embrapa Suínos e Aves, aprimorar a biossegurança do rebanho suíno nacional, implantar metodologias de diagnóstico ainda não disponíveis e estabelecer uma rede de diagnóstico laboratorial e pesquisa em vírus de suíno aparecem como oportunidades para o Brasil nesse momento. “Podemos mostrar nossa capacidade de organização e investir em sanidade animal”, comentou.
Embrapa ajuda a elaborar Plano de Contingência
Com a identificação da PED em países ligados à nossa produção, o Mapa, juntamente com a Embrapa, a indústria, produtores e laboratórios, formou um comitê para elaborar um plano de contingência e sugestões de medidas de biossegurança para a produção brasileira.
A pesquisadora Janice Zanella é uma das responsáveis pelo comitê e explica que a intenção é a de elaborar um documento com informações sobre as principais medidas de biossegurança para produtores e técnicos e manter reuniões presenciais. “O nosso trabalho está voltado à informação, por meio de palestras, painéis, reuniões, documentos”, comentou a pesquisadora. Um dos primeiros eventos ocorreu no mês de abril em Concórdia (SC), na Associação Catarinense de Criadores de Suínos (ACCS), com produtores da região.
Outra ação importante ocorreu durante a Feira da Indústria Latino Americana de Aves e Suínos (AveSui), em maio na cidade de Florianópolis (SC), com o Seminário Técnico sobre a Diarreia Suína (vírus PEDv).
Algumas recomendações do Mapa para prevenir a entrada da PED nas criações:
Os produtores devem manter-se informados e procurar o médico veterinário que atenda aos suínos na região, que é o profissional indicado para prestar maiores orientações, de acordo com as características de cada criatório.
Os cuidados e práticas gerais com a biossegurança nos criatórios devem ser redobrados para evitar a introdução das doenças no rebanho, principalmente em situações críticas, tais como:
- Ingresso de animais de outros criatórios deve ser de origem certificada e confiável. Os animais devem ser mantidos isolados dos demais por pelo menos 15 dias;
- Ingresso de veículos, objetos ou equipamentos que possam ter passado por outros criatórios;
- Ingresso de pessoas que tiveram contato com outros suínos;
- Se houver quaisquer sinais clínicos compatíveis com a PED, o produtor ou o veterinário devem procurar imediatamente o veterinário do serviço oficial (estadual ou federal) para que seja providenciado o diagnóstico precoce e a adoção de medidas para evitar a disseminação da doença.