Diversos animais urbanos, rurais e silvestres podem ser infectados pelo protozoário Leishmania infantum, incluindo cães e gatos. Principal reservatório do parasita, nas cidades brasileiras, é o cachorro
Conhecida popularmente por calazar, a leishmaniose visceral (LV) é uma doença infecciosa que acomete animais e seres humanos. Essa zoonose tem como agente etiológico, nas Américas, o protozoário Leishmania infantum, a mesma espécie que causa a doença na Europa, segundo relata o médico veterinário Nélio Batista de Morais, presidente da Comissão Nacional de Saúde Pública Veterinária do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CNSPV/CFMV).
“O principal reservatório do parasita, em áreas urbanas no Brasil, é o cão. O agente é transmitido a seres humanos e animais por meio da picada de fêmeas infectadas do inseto denominado flebótomo, mais conhecido por mosquito-palha”, explica o médico veterinário, em entrevista à revista A Lavoura. Na ocorrência em cachorros, a doença é chamada de leishmaniose visceral canina (LVC).
De acordo com ele, a enzootia (doença zoonótica endêmica) em cães tem precedido os casos notificados em humanos e a infecção desses pets tem ocorrido com maior frequência em comparação às pessoas.
“No ambiente silvestre, os reservatórios são as raposas (Dusicyon vetulus e Cerdocyon thous) e os marsupiais (Didelphis albiventris). Em nosso País, foram encontradas raposas infectadas nas regiões Nordeste, Sudeste e na Amazônia. Houve casos de marsupiais didelfídeos (timbu, gambá e cassaco) infectados no Brasil e na Colômbia”, relata o médico veterinário.
Outros animais
Nos gatos, o quadro clínico se assemelha ao observado na espécie canina, a exemplo da depressão. Foto: DivulgaçãoSegundo Morais, diversos animais urbanos, rurais e silvestres também podem ser infectados pela Leishmania, inclusive o gato (nesse caso, a doença é denominada leishmaniose felina).
“O vetor não se aplica aos animais infectados e, sim, ao inseto transmissor que são os flebotomíneos do gênero Lutzomia, conhecidos popularmente como mosquito-palha, birigui ou cangalhinha”, descreve.
O médico veterinário destaca que “os cães, no ciclo de transmissão urbano que ocorre nas Américas, são considerados reservatórios, pois se infectam, mantêm-se infectados e transmitem os protozoários aos flebotomíneos por um longo tempo, mesmo quando não apresentam sinais clínicos característicos da doença”.
Transmissão
Morais garante que os pets doentes não são os transmissores e, sim, os reservatórios da doença, sendo os cães os mais importantes na cadeia epidemiológica da enfermidade, podendo infectar o vetor (mosquito flebótomo) em seu repasto sanguíneo.
“Posteriormente, ao picar outro cão ou uma pessoa, o inseto inoculará as leishmanias, protozoários causadores da leishmaniose visceral.”
Sintomas
Conforme o especialista, os cães infectados pelo protozoário podem permanecer sem sinais clínicos por um longo período de tempo e estima-se que aproximadamente 50% deles não apresentem sinais clínicos da leishmaniose visceral.
“Nesses animais, a doença se manifesta de forma bastante variável e possui evolução lenta. Os principais sintomas são emagrecimento, crescimento das unhas, ferimentos no corpo – sobretudo, no focinho e orelhas –, lacrimejamento e prostração. Com menor frequência, observam-se coriza, diarreia, vômitos, desidratação e atrofia muscular.”
Na fase mais avançada da doença, segundo Morais, “é possível observar hemorragia intestinal e/ou nasal, edema (inchaço), perda parcial de movimento dos membros posteriores, inanição e morte, geralmente devido à insuficiência renal ou hepática”.
“Nos gatos, o quadro clínico se assemelha ao observado na espécie canina, apresentando sinais inespecíficos, em sua maior parte, dificultando o diagnóstico. Sintomas como depressão, anorexia, emaciação, estomatite, gengivite, vômitos, diarreia, hipertermia, desidratação, ferimentos no corpo – sobretudo, no focinho e orelhas – e atrofia muscular são as formas de apresentação da leishmaniose visceral em gatos.”
Diagnóstico
Após perceber os sintomas da doença, o tutor deve procurar um médico veterinário. “No Brasil, já está oficialmente liberado o tratamento de cães para o calazar, portanto, o proprietário do animal poderá dispor dessa opção e usar essa alternativa para tentar recuperar clinicamente seu animal.”
Morais diz que, para isso, é necessário seguir, estritamente, as exigências dispostas na Portaria Interministerial nº 1.426/2008, dos ministérios da Saúde e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). “Segundo a norma, o tratamento de cães só será permitido com medicamentos registrados no Mapa e que não sejam utilizados no tratamento de seres humanos com a doença.”
Tratamento
Atualmente no País, informa o médico veterinário, “existe apenas um produto que atende a essas condições e que está sendo comercializado no Brasil, cujo princípio ativo é a miltefosina”. “Ressalta-se que o tratamento dos cães não se configura como medida de saúde pública para controle da doença. Portanto, trata-se única e exclusivamente de uma escolha do responsável pelo animal, de caráter individual.”
A Instrução Normativa do Mapa nº 35, de 11 de setembro de 2017 (IN 35/2017), estabelece os procedimentos para a comercialização das substâncias sujeitas a controle especial, quando destinadas ao uso veterinário e dos produtos de uso veterinário que as contenham.
“A miltefosina consta na lista das substâncias sujeitas a controle especial disposta na referida IN. O controle da comercialização do produto é feito pelo Mapa, por meio do registro no Sistema Integrado de Produtos e Estabelecimentos Agropecuários (Sipeagro)”, informa o especialista. Antes do surgimento do remédio, a única recomendação, em caso de infecção pela Leishmania, era a eutanásia (sacrifício do animal).
Morais reforça, nesse contexto, que o médico veterinário é o único profissional autorizado a prescrever o medicamento, tratar e acompanhar o animal em tratamento. “Em caso de o proprietário ou tutor não se disponibilizar a realizar o tratamento, ele poderá decidir pela eutanásia do animal, que poderá ser realizada exclusivamente por profissionais médicos-veterinários em clínicas particulares ou pelo Sistema Único de Saúde (SUS) do município.”
Prevenção
Como forma de prevenção, os tutores podem adotar estratégias para evitar a contaminação dos pets pela Leishmania, conforme o especialista enumera:
- Uso de telas em canis individuais ou coletivos: os canis de residências e, principalmente, os canis de pet shops, clínicas veterinárias, abrigos de animais, hospitais veterinários e os que estão sob a administração pública devem obrigatoriamente utilizar telas do tipo malha fina, com o objetivo de evitar a entrada e, consequentemente, impedir o contato dos insetos com os cães.
- Coleiras impregnadas com deltametrina a 4%: são produtos que possuem o efeito repelente e inseticida de flebótomos. Estudo financiado pelo Ministério da Saúde demonstrou que o encoleiramento de cães em massa com essa ferramenta foi efetivo e na redução da prevalência e incidência da infecção de cães pela Leishmania em áreas com alta transmissão da doença no Brasil.
- Outros produtos repelentes de flebotomíneos: além das coleiras impregnadas com deltametrina a 4%, há outros produtos comercializados no Brasil que possuem o efeito repelente de mosquitos causadores da leishmaniose.
- Evitar exposição: não expor os pets, em horários de atividade do vetor (crepúsculo/noite), em ambientes onde o inseto habitualmente pode ser encontrado.
- Vacinação de cães: atualmente, existe uma vacina antileishmaniose visceral para cães registrada e comercializada no Brasil. Segundo o Ministério da Saúde e o Mapa, o produto é o único até o momento que atendeu às exigências da Instrução Normativa Interministerial n° 31, de 9 de julho de 2007.
Para mais informações, consulte a Nota Técnica sobre Leishmaniose Visceral, clicando em portal.cfmv.gov.br/noticia/index/id/5996/secao/6.